Quando procuramos saber o que é a Perturbação do Espectro do Autismo, encontramos normalmente a seguinte definição: É uma perturbação do neurodesenvolvimento, de origem neurobiológica, e que ocorre ao longo do ciclo de vida da pessoa. É acompanhada de um deficit persistente na comunicação e interação social em múltiplos contextos e com um padrão restrito e repetitivo de comportamento, interesses ou atividades.

Até aqui tudo bem, não fossem as pessoas autistas serem frequentemente marginalizadas, incompreendidas, e vítimas de bullying e do estigma desta mesma condição.

E não lhes ser facilmente conferido aquilo que está consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos. E como tal, alguns pais e autistas adultos, em conjunto com um certo número de clínicos e investigadores procuraram chamar a atenção para este facto. E procuraram com isso mudar o impacto que o modelo biomédico tinha (e ainda tem) acerca da incapacidade, chamando a atenção para o modelo social da incapacidade.

De uma forma global, o modelo biomédico foca a deficiência, doença ou anormalidade corporal e como esses factores produzem incapacidade. Enquanto que a abordagem social sugere que o significado de deficiência e incapacidade emerge de contextos sociais e culturais específicos. E apesar da noção de incapacidade ter sido construída com base nos dois modelos, o biomédico continua a ter um peso preponderante.

Mas porque é que isto é importante? Porque a Organização Mundial de Saúde criou a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), que traz um sistema de classificação e modelo teórico baseados na junção dos modelos médico e social e usa uma abordagem biopsicossocial para integrar as dimensões da saúde.

Ou seja, as pessoas com uma determinada deficiência quando requerem uma Junta Médica para solicitar um atestado de incapacidades multiuso, as suas características são avaliadas de acordo com o impacto que produzem no seu quotidiano. E no caso de ter um valor igual ou superior a 60% é-lhe atribuído um conjunto de apoios sociais.

Sendo que para tal, estas suas características passaram a ser descritas como e associadas aos conceitos de incapacidade de deficiência. E aqui voltamos ao impacto que estas palavras têm tido ao longo dos anos nas pessoas com estas condições. E é aqui que entra o conceito de neurodiversidade e o movimento associado.

A neurodiversidade é descrito como as diferentes formas como o nosso cérebro pode trabalhar e processar a informação. E sublinha que as pessoas podem pensar as coisas de forma diferente.. Assim como o facto de termos diferentes interesses, motivações, e sermos naturalmente melhor numas coisas do que em outras.

Parece ser um conceito conhecido desde sempre, mas foi apenas em 1999 que surgiu trazido por Judy Singer, uma sociologista Australiana que escreveu a sua tese “Why can't you be normal for once in your life?' From a 'problem with no name' to the emergence of a new category of difference.”. A sua tese foi posteriormente publicada no livro Disability Discourse, mas também no New York Times pelo jornalista Harvey Blume, e apresentado como o pluralismo neurológico.

É indiscutível as dificuldades que as pessoas autistas passam ao longo da sua vida e a forma como olham a diferença como uma experiência solitária de não pertença. Como tal, ao longo dos últimos 80 anos foram surgindo inúmeras terapias e intervenções, assentes num modelo biomédico, para intervir no autismo.

E estas principalmente têm como objetivos, o conhecimento da causa, a melhoria e até mesmo a cura, ainda que se saiba que não existe a cura para o autismo. Mas por exemplo, o modelo de intervenção ABA, sobejamente conhecido na comunidade autista, procura erradicar as estereotipias, frequentemente existentes no autismo.

Contudo, este movimento da neurodiversidade, assente no modelo social de incapacidade e nos direitos dos autistas, passou a celebrar o autismo de forma inseparável da sua identidade. Ao invés de um modelo que aspira a normalização, redução de sintomas e eliminação da condição baseada num conjunto de deficit que são tidos como tendo um grande impacto no funcionamento da pessoa num grande conjunto de actividades de vida.

A neurodiversidade vem assim contestar esta noção de capacitismo, que estigmatiza e condiciona a própria pessoa, conferindo-lhe uma representação mental e social de incapaz. Seja uma pessoa sénior, uma mulher ou alguém portador de deficiência.

No caso das mulheres, se não tivesse havido uma maior contestação acerca da compreensão de que o sexo feminino compreendia uma desvantagem biológica inata, não teríamos assistido ao progresso visto no grupo das mulheres.

E no caso das pessoas autistas, ocorre que continua a ser difícil para muitos de nós, que determinados comportamentos que observamos e que são classificados nos manuais de diagnóstico, sejam possíveis de ser considerados como fazendo parte da identidade autista. Sejam as estereotipias, mas principalmente a forma singular de processar o Mundo, o comportamento do Outro e a sua própria forma de estar.

Esta questão de querer conhecer as causas, melhorar os sintomas ou retira-los leva a que muitas pessoas recorram ao conceito de eugenia vigente de uma forma tão visível quanto catastrófica na Alemanha nazi dos nos 30 e 40 do séc. XX. E sinta que, apesar de uma forma diferente, não estejam a ser respeitados direitos tão fundamentais da pessoa autista. E da mesma forma que se pensa nas categorias psicossociais e políticas de classe, género ou raça, seria uma questão de integrar igualmente esta noção de neurodiversidade ou pluralismo neurológico.

Seja na escola, no trabalho ou na Sociedade como um todo, a forma como as coisas são desenhadas. Seja para serem aprendidas, desenvolvidas ou simplesmente usufruídas, parecem ser feitas de acordo com um modelo normalizado. Modelo este que não parece respeitar as múltiplas formas de processamento da informação.

E como tal, continua a haver um conjunto significativo de pessoas, normalmente designados de neurodivergentes, que continuam a ter de se adaptar. Ao invés poderíamos implementar um processo, seja de aprendizagem, realização de tarefas ou de simples lazer e que respeite as diferentes formas de sermos, colaborando assim, para um melhor bem estar global e de qualidade de vida.