O tratamento das doenças cardiovasculares sofreu um enorme desenvolvimento nas duas ultimas décadas em Portugal. De facto, nos últimos anos, a mortalidade por doenças cérebro-cardiovasculares - sendo a larga maioria o Acidente Vascular Cerebral (AVC) e Enfarte Agudo do Miocárdio (EAM) - veio a diminuir. No entanto, situa-se ainda nos 30% de toda a mortalidade, o que faz com que seja a principal causa de morte em Portugal.

10 conselhos médicos para ter um coração de ferro
10 conselhos médicos para ter um coração de ferro
Ver artigo

Nas últimas décadas a atenção esteve direcionada para o AVC e o EAM -  era necessário organizar a prestação de cuidados de modo a poder oferecer ao maior numero de doentes o tratamento correto no intervalo de tempo recomendado. Ao sucesso destes programas devemos a redução da mortalidade verificada.

Mas os tempos mudam. Com um melhor tratamento agudo do EAM, o número de doentes que sobrevivem a este aumentou. Com a melhoria dos cuidados prestados estes doentes sobrevivem mais tempo. Mas a doença progride e verifica-se em alguns doentes a degradação da força do coração. E ao fim de alguns anos, aparece a Insuficiência Cardíaca (IC).

Mas o que é a IC?

Pode dizer-se que é o que acontece quando o coração não consegue fazer o seu trabalho: "bombear" sangue para o organismo, na quantidade que este precisa. E só os doentes que tem EAM é que desenvolvem IC? Não. Embora tradicionalmente, e há alguns anos atrás assim fosse, presentemente o EAM já não é, em muitos países, a principal causa de IC.

Brenda Moura, Médica Cardiologista
Brenda Moura, Médica Cardiologista créditos: Gonçalo Fabião/HSJ Consultores 2015

De facto, assistimos a uma mudança na nossa sociedade - as pessoas são mais sedentárias, comem menos a típica comida mediterrânea e mais comida muito processada e muito calórica. A adicionar a isso, em Portugal a comida tem mais sal do que noutros países europeus.

Estes fatores levam ao aparecimento de Hipertensão arterial e da Diabetes Mellitus, condições que levam ao aparecimento de IC. Também a obesidade e o sedentarismo estão associadas à IC. 

O enfraquecimento do coração acontece ao longo do tempo e portanto é nas pessoas com mais idade que vemos mais IC. E como sabemos, a esperança de vida da nossa população está a aumentar... Estamos portanto, perante a possibilidade de assistirmos nos próximos anos a um aumento considerável de casos de IC.

Impacto brutal

E o impacto a nível pessoal, familiar, e social serão imensos. A nível pessoal, a pessoa com IC vai estar limitada na sua vida do dia a dia, por falta de ar, cansaço, palpitações. Pode frequentemente ter agravamentos da sua situação – o coração tem muito mais dificuldade em "aguentar" mais esforços, como por exemplo uma simples infeção respiratória, umas refeições com mais sal, um esquecimento dum medicamento.

Os agravamentos da IC levam a internamentos, pois doentes idosos, frequentemente com várias doenças, a tomar múltiplos fármacos, exigem cuidados especializados.

A família dos doentes com IC sofre também; como em todas as situações crónicas são necessários muitos cuidados em permanência e os familiares mais próximos (companheiros, filhos e netos) são frequentemente os cuidadores.

O ovo tem muito colesterol. 20 mitos sobre o coração esclarecidos por uma médica
O ovo tem muito colesterol. 20 mitos sobre o coração esclarecidos por uma médica
Ver artigo

Finalmente, a sociedade em geral também sofre: os cuidados médicos são dispendiosos, há dias de trabalho perdidos quer do ponto de vista do doente quer dos familiares.

Mas o futuro não tem forçosamente de ser catastrófico. Sabemos hoje muito mais acerca desta condição. Temos muito mais armas para o seu tratamento - fármacos, dispositivos, reabilitação. E sobretudo sabemos como ela é provocada e portanto como a podemos prevenir. Para isso precisamos que a população esteja informada. 

Porque informada vai ter atenção ao seu estilo de vida, corrigindo os fatores de risco. Porque informada a população vai recorrer ao seu médico quando apresentar queixas de cansaço e falta de ar, em vez de os atribuir "à idade". Porque informados, os doentes e cuidadores vão aderir mais aos cuidados médicos, o que vai melhorar a qualidade de vida e esperança de vida da pessoa com IC.

As explicações são da médica Brenda Moura, especialista em Cardiologia no Hospital Lusíadas Porto.