A violência sexual praticada contra as mulheres tem sido alvo de discussões doutrinárias ao longo dos tempos quase sempre canalizadas para a análise do comportamento e/ou reação expectável de uma vítima perante uma situação de violência. Ora sucede que, a violência praticada na intimidade é uma violência desacompanhada de testemunhas que possam afirmar que viram ou ouviram o crime ocorrido.

Assim, o relato da vítima é muitas vezes o único elemento de prova e por isso é muito relevante a importância da avaliação da sua credibilidade, não havendo, no entanto, nenhum obstáculo legal à valoração em audiência de julgamento das declarações da vítima, o que nos conduz à questão de saber como deve, então, ser valorado o depoimento o relato da vítima e o que devemos esperar desse seu depoimento. Melhor dito, como deve ser a postura de uma vítima no momento do crime e no Tribunal por forma a merecer a credibilidade do seu testemunho?

Tem-se constatado uma exigência acrescida quanto aos comportamentos e reações que o julgador normalmente considera expectáveis perante uma situação de violência sexual. Será legítimo diabolizar a não reação da vítima, ao não gritar, perante um ato de violação, podendo a mesma no seu interior estar completamente destruída com o que lhe aconteceu?!

Na agressão, a vontade do autor do crime impõe-se pela força, seja através de violência ou de intimidação, pelo que não se pode pedir à vítima uma constante atitude perigosamente heroica. A inexistência de qualquer reação ou resistência de uma vítima de violência sexual radica no facto de estar a sentir a agressão como uma ofensa à sua integridade física, ou mesmo à sua vida, pelo que adota um comportamento orientado para a sua preservação, podendo optar por diferentes estratégias de sobrevivência.

Algumas das formas mais comuns de reação das vítimas de violência sexual são precisamente aquelas que as pessoas em geral, designadamente o julgador, muitas vezes têm dificuldade em compreender, e que são em ações ou omissões capazes de as proteger. O grande desafio é que neste tipo de crimes, o julgador e a sociedade em geral seja capaz de abandonar os juízos de valor com base em apreciações pessoais ou mitos, que estão assentes em especulações e estereótipos de género.

Veja-se que, a própria delimitação do conceito de violência para efeitos do crime de violação reporta-se ainda à utilização de força física como meio de vencer a resistência oferecida ou esperada por parte da vítima como reação à atuação do agressor, força essa que, não tendo de revestir características específicas, há-de em todo o caso de, no contexto dos factos, revelar-se como meio considerado adequado e idóneo a vencer a resistência real ou presumível que a vítima oponha à ação.

Um artigo de opinião da advogada Ana Leonor Marciano, especialista em Direitos Humanos, violência de género, violência doméstica, Direitos das crianças.