"Dancem! Com poesia!", diz Catarina Câmara,  artista e professora de dança, para animar os seus alunos, enquanto um pouco mais ao longe a voz metálica dos alto-falantes chama os presos pelo seu número.

O espaço onde antes funcionava a capela do centro penitenciário do Linhó, na periferia oeste de Lisboa, foi convertido num estúdio de dança.

Numa tarde de outono, após o aquecimento, a aula consiste em dançar em pares com um objeto, como um cachecol, uma bola de futebol, um pente, um livro, uma lâmpada ou um saco de plástico.

Catarina Câmara, professora de dança e coordenadora do projeto 'Corpo em Cadeia' créditos: PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP

Os internos envolvem-se nesse exercício, movimentando os seus corpos com graça e expressividade, sob o olhar atento de Catarina Câmara, que também é psicoterapeuta de formação.

"Libertamos o corpo, a gente move-se pelo que sentimos no momento. Isso liberta emoções e diverte. É como se não estivéssemos na prisão", explica à AFP Manuel Antunes, um preso de 30 anos a quem chamam de Beto.

O seu companheiro Fábio Tavares, 28 anos, compartilha os mesmos sentimentos: "Sinto-me leve quando estou aqui. Às vezes eu diria que não estou dentro de uma prisão, mas fora, em uma aula normal de dança".

"Transformação"

Ambos participam neste projeto social e artístico que teve início em abril de 2019 nesta prisão de segurança máxima, onde a maioria dos reclusos cumpre penas longas, de 15 anos em média.

Catarina Câmara ensina um grupo de uma dezena de detentos, cujo perfil corresponde, na sua maioria, a "garotos que cresceram nas ruas e tiveram de se virar sozinhos desde muito pequenos".

"Fizeram coisas estúpidas. Alguns fizeram coisas estúpidas muito sérias e realmente precisam de ser acompanhados", diz a professora de dança.

"Seria muita ingenuidade dizer que a arte salva as pessoas. (...) Mas a arte, aliada a outros fatores, pode ser decisiva para mudar a vida de alguém", estima.

É o caso de Fábio Tavares, que antes das aulas nunca havia se interessado por dança contemporânea.

Linhó
Manuel Antunes 'Beto' (à esquerda) com Fábio Tavares créditos: PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP

"Pensava que não me serviria para nada, mas transformou-me completamente", explica o jovem, cuja família vem de uma ex-colónia portuguesa em África, como é o caso de muitos outros detidos no Linhó.

"A dança e as conversas ajudam-me a ver as coisas de uma maneira diferente (...), a livrar-me daqueles sentimentos que me machucam a mim e aos que estão ao meu redor", explica.

Os responsáveis pela prisão também fazem uma avaliação muito positiva desta iniciativa. Os reclusos que participam ficam "mais tolerantes" e o número de infrações diminuiu drasticamente, garante o diretor Carlos Moreira.

Fábio Tavares quer continuar a dançar quando sair da prisão graças às aulas oferecidas pela companhia de dança de Olga Roriz, com quem Catarina Câmara costuma trabalhar e que no verão passado dirigiu um espetáculo em Lisboa em que os bailarinos eram os próprios presos.

Este grupo prepara atualmente outro espetáculo, que irão apresentar na sua prisão. "A liberdade não é uma ideia ou algo que se deseja, mas sim uma experiência. A dança oferece essa experiência de liberdade, na relação com o outro e no contacto", explica Câmara, que espera ajudar estes homens a "preparar-se para a vida em liberdade".

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