António Serzedelo recorda-se bem do momento da alteração ao Código Penal em 1982 que permitiu que a homossexualidade em Portugal deixasse de ser um crime punível por lei, um facto que acontece oito anos depois da revolução de 25 de Abril que derrubou o regime fascista do Estado Novo.

“Recordo-me desse momento e de o termos festejado, mas não foi propriamente um grande festejo, foi mais um aplauso político que lançámos para os partidos que votaram nesse momento. Não me recordo se houve em Lisboa alguma manifestação com alguma grandeza a propósito disso”, contou à Lusa.

Ainda assim, lembra-se que essa alteração teve um efeito imediato: “Na rua, dizíamos uns para os outros ‘somos livres, somos iguais’ porque até aí não éramos”.

Para o ativista e ex-presidente da Opus Gay (agora Opus Diversidades), foram “40 anos de progressos sucessivos, mas que não tiveram a réplica social que era esperável relativamente às leis que foram promulgadas”, ressalvando que as mudanças foram sobretudo nas cidades e nos meios mais cosmopolitas.

Na opinião de António Serzedelo, “ainda há muito a fazer em termos de igualdade”, mas salientou, por outro lado, as conquistas impulsionadas pela alteração do Código Penal, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em 2010, que trouxe “uma igualdade de direitos” para juntar à igualdade legislativa.

Manuela Ferreira, presidente da Associação de Pais e Mães pela Liberdade de Orientação Sexual (AMPLOS), concorda que “já se fez muito caminho” e que “ainda há muito por se fazer”, apesar de entender que “a homossexualidade já está um bocadinho mais integrada na vida das pessoas”.

Para a responsável, passados 40 anos, “faltam duas ou três coisas”, nomeadamente “que estas questões sejam faladas com a maior abertura possível nas escolas”, defendendo que quanto mais o assunto for falado mais ele será encarado com naturalidade.

Defende, por outro lado, a inclusão nos currículos dos cursos superiores, salientando que o que falta é “formação e educação”, sobretudo “educação no respeito pela diversidade, educação no respeito pela pessoa num todo”.

Da direção do Clube Safo, uma organização de defesa dos direitos das mulheres lésbicas, Alexandra Santos acha que “é incrível” que em 40 anos Portugal tenha conseguido “tantas leis e em algumas delas estar à frente de alguns países que se dizem mais desenvolvidos ou mais liberais”, sublinhando que o “progresso é efetivo e real” e exemplificando com o casamento, a adoção ou a procriação medicamente assistida.

“As pessoas trans podem fazer todos os processos de transição sem precisarem de processar o Estado, é realmente um avanço tremendo nos últimos 40 anos”, destacou.

Apontou, por outro lado, que “estes processos são depois muito mais demorados na sociedade” e deu como exemplo três áreas onde ainda faltam mudanças importantes, desde logo na saúde, defendendo formação para a diversidade, direitos laborais, onde denunciou o assédio laboral e sexual contra mulheres lésbicas, ou no sistema judicial.

Para Sérgio Vitorino, do coletivo de combate à discriminação da população LGBTI Panteras Rosa, os direitos laborais também são uma das principais áreas onde é preciso atuar para uma igualdade plena, salientando que “continua a haver muita resistência e muita dificuldade em aceitar que os direitos laborais não mexem apenas com os direitos no local de trabalho e que a precariedade é mais ampla e que se estende a outras dimensões da vida”.

“Outro tema que ainda está por explorar é o das pessoas intersexo, que é o das pessoas com características sexuais físicas, genéticas ou hormonais que não permitem classificá-las dentro dos padrões binários de homem/mulher e o movimento LGBTI tem ainda muito caminho a fazer”, defendeu.

Na opinião do ativista, falta conquistar direitos em quase todas as áreas e destacou a necessidade de formação na saúde, sublinhando que a formação médica “está inteiramente desfasada da realidade”, que tem diversidade de pessoas, “não só sexual, de género, corporal, mas também de nacionalidade ou de língua”.

A questão da saúde é também uma das áreas apontadas pela presidente da ILGA Portugal, além do apoio de emergência e tudo o que tenha a ver com asilo e imigração, defendendo que as soluções atuais não estão adaptadas às especificidades das pessoas LGBTI e que “há contextos que na prática não estão a corresponder ao que a lei obriga”.

Ana Aresta concordou que as “grandes discriminações históricas foram sanadas pelas alterações legais mais recentes”, mas recordou que “falta ainda garantir a proibição das chamadas terapias de conversão” ou “criar lógicas de interseccionalidade na lei”, apontando que nos últimos anos a ILGA tem reivindicado por uma lei-quadro antidiscriminação, “que consiga uniformizar todos os diplomas que combatem a discriminação e tentar que todas as pessoas que sofrem múltiplas discriminações sejam protegidas”.