A violência doméstica é um flagelo que atinge também pessoas que são particularmente indefesas em função de doença, deficiência e idade. Trata-se de um grupo de pessoas que mereceram o olhar atento do legislador pela situação vulnerável em que se encontram. Aqui identificamos as vítimas que têm limitações para prover às suas vidas em função do motivo da sua vulnerabilidade e por essa razão necessitam de quem as auxilie e/ou represente por forma a garantirem os seus direitos e respeitarem os seus deveres enquanto pessoas adultas, seja a nível pessoal ou patrimonial.
Sucede que, não raras vezes este grupo de vítimas particularmente indefesas são alvo de maus-tratos psicológicos e/ou físicos infligidos pela pessoa agressora que, em simultâneo, é também a pessoa que exerce violência económica sobre a mesma, impedindo o acesso aos seus bens e rendimentos. Esta é uma forma de manter a vítima manietada, pois sem conseguir aceder aos seus bens e/ou rendimentos dificilmente se conseguirá libertar da pessoa agressora e autonomizar-se. Mas, é também uma forma da pessoa agressora obter dividendos à custa da vítima. Exemplo disto mesmo, são os casamentos e uniões de facto em que a pessoa agressora se aproveita da condição fragilizada da vítima doente e/ou portadora de alguma deficiência para gerir os seus bens ou praticar negócios jurídicos em seu nome, cujas vantagens patrimoniais são alcançadas exclusivamente pelas vítimas. Da mesma forma, assistimos a muitas pessoas idosas completamente isoladas e subordinadas às pessoas agressoras, seja porque unidas por uma relação conjugal ou porque agredidas por pessoas cuidadoras, sejam filhos ou outros familiares senão mesmo terceiras pessoas, que perdem o acesso aos seus bens e rendimentos por força da violência sofrida.
A violência exercida contra as pessoas particularmente indefesas encontra-se muitas vezes a coberto de decisões proferidas no âmbito de processos de maior acompanhado em que se visa como beneficiário das medidas deste tipo de processo judicial o cidadão maior, impossibilitado, seja por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer os seus direitos, de forma plena, pessoal e consciente ou cumprir os seus deveres. Sucede que, a designação do acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é feita judicialmente, sendo escolhido pelo acompanhado - pessoa particularmente indefesa - ou pelo representante legal deste. Na falta de escolha, o acompanhamento é atribuído à pessoa que supostamente melhor proteja o interesse da pessoa indefesa, sendo determinada por ordem de preferência o cônjuge não separado judicialmente ou de facto ou unido de facto, qualquer dos progenitores, pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, filhos maiores, e terceiras pessoas consideradas idóneas. E embora o acompanhamento se deva limitar ao mínimo indispensável, pode o tribunal atribuir ao acompanhante as funções associadas à representação geral ou representação especial com indicação expressa das categorias de atos para que seja necessária, à administração total ou parcial de bens, bem como à autorização prévia para a prática de determinados atos ou categoria de atos e intervenções de outro tipo, que estejam devidamente explicitadas.
Sabendo-se que acompanhante tem de assegurar o bem-estar e a reabilitação do acompanhando, mantendo de forma permanente o contacto com ele, certo é que os acompanhantes revelam-se por vezes como agressores das pessoas acompanhadas.
Quando assim é, o acompanhamento pode cessar mediante decisão judicial que reconheça a cessação ou alteração das causas que fundamentaram o acompanhamento, podendo os efeitos da decisão retroagir à data em que se verificou a cessação ou modificação em causa.
Mas, o legislador, teve a preocupação acrescida de prever a possibilidade de aplicação de medidas de coação no âmbito dos processos-crime de violência doméstica no sentido de restringir o exercício do exercício de medidas relativas a maior acompanhado, da administração de bens ou da emissão de títulos de crédito como forma de travar a reiteração da conduta criminosa do legal acompanhante mesmo durante a pendência do processo judicial. E previu, e bem, que, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pela pessoa agressora, esta pode ser inibida do exercício de medidas relativas a maior acompanhado. Ou seja, além da pena principal e da pena acessória de proibição de contactos que podem ser aplicadas pela prática do crime de violência doméstica, pode a pessoa agressora ser ainda condenada na inibição das suas funções enquanto legal acompanhante da vítima, o que lhe retirará completamente o acesso ao património da vítima.
Portanto, as vítimas de violência doméstica particularmente indefesas mereceram o cuidado do legislador que previu medidas que se podem articular entre si, ao nível do processo cível de maior acompanhado e ao nível do processo-crime de violência doméstica como forma de garantir em simultâneo a proteção das vítimas e a punição da pessoa agressora. Mas, para tanto, é necessário que a sociedade no geral esteja atenta e que identifique as vítimas particularmente indefesas, normalmente muito isoladas, denunciando-se, por conseguinte, as situações abusivas, para se possa atuar em tempo útil e de forma eficaz.
Um artigo de opinião da advogada Ana Leonor Marciano, especialista em Direitos Humanos, violência de género, violência doméstica, Direitos das crianças.
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