E se resistir ao consumismo for uma forma de liberdade? Há uma década, quando fez 37 anos, esta era uma dúvida que assolava Dave Bruno. Não foi, por isso, com estranheza que recebeu da mulher e dos filhos, no dia 12 de novembro de 2008, duas vagens de baunilha e umas escovas para o limpa-para-brisas do carro como presente de aniversário. Para o comum dos mortais, essas dificilmente seriam as melhores opções.
No entanto, para o antigo especialista em marketing digital e internet da Point Loma Nazarene University, em San Diego, nos EUA, que nesse dia iniciava uma experiência de vida peculiar, não poderiam ter sido a escolha mais perfeita. Semanas antes, Dave Bruno tinha tomado a decisão de, durante um ano, viver com menos. A ideia era de, ao longo de 365 dias, limitar o seu quotidiano a um máximo de 100 objetos pessoais.
Uma forma de se libertar "do materialismo excessivo dos dias que correm", como justificaria nas muitas entrevistas que deu e intervenções públicas que faz com regularidade para promover "The 100 thing challenge - How I got rid of almost everything, remade my life, and regained my soul", o livro que resultaria da experiência e que teria uma versão portuguesa em 2011, um ano depois da publicação da edição original.
Em "O desafio das 100 coisas - Como me livrei de quase tudo, refiz a minha vida e recuperei a minha alma", publicado pela editora Pergaminho, Dave Bruno relata com pormenor aquela que foi uma das grandes aventuras da sua vida. "Não é para qualquer um", adverte desde logo. Na altura, apesar de a considerar irreversível e inadiável, a decisão não foi fácil de tomar. "Foi uma de várias reações ao sentimento perturbador que me assolava após viver durante anos uma vida recheada de tralha em vez de satisfação", confessaria anos mais tarde.
"Apesar de ter alcançado uma versão considerável do sonho americano, eu continuava a ambicionar mais e mais", admite. Os 100.000 dólares que recebia anualmente na consultora do pai, cerca de 88.000 euros, não o satisfaziam. Para dar um novo rumo à sua vida, decidiu empreender aquela que seria uma experiência individual. "A regra número um determinava que o desafio era um sacrifício pessoal", recordaria depois.
"Não era algo que eu pretendia impor aos outros, sobretudo à minha família", refere ainda. A segunda regra prendia-se com bens e com os objetos por inteiro, excluindo coisas que fossem partilhadas. A cama de casal, por exemplo, por essa ordem de ideias, não entraria na contagem. Em novembro de 2016, oito anos depois, a empreendedora Marian Salzman incluiu o livro de Dave Bruno na lista de tendências para 2017.
Praticar o desapego, num regresso ao despojo e à simplicidade que o fundador da agência de estratégia criativa que abriu em 2016 preconiza, continua a ser uma das correntes de futuro que muitos especialistas apontam. "Tem a ver com a necessidade de libertar espaço das nossas vidas e de nos livrarmos de coisas que nos assoberbam e distraem", defende. "Não se sente incomodado por possuir tanta tralha?", questiona.
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