Foi ao lado de António Zambujo que Buba Espinho, o nosso entrevistado desta quinta-feira, chegou aos ouvidos - e aos corações - de muitos portugueses que, até então, não conheciam o seu trabalho. Em 2020 lançou o seu primeiro álbum a solo, um homónimo, dando a conhecer o seu Alentejo, as suas raízes e as suas origens.

Três anos depois lança 'Voltar' (que poderá ser ouvido a partir de sexta-feira, 15 de setembro, em todas as plataformas digitais), onde mostra o seu lado mais pessoal, numa viagem de descoberta interior que ele próprio fez e que propõe aos fãs.

Deixou a escola aos 17 anos para seguir o sonho da música, decisão que deixou o pai (músico nos tempos livres e bancário a tempo inteiro) muito feliz e a mãe apreensiva.

Na altura, conforme revelou ao Fama ao Minuto, já sabia que o seu caminho passaria pela música, pela tradição do cante alentejano e por mostrar ao público quem era: o Buba, que não tem medo de subir a palco, o mesmo que desde criança canta para a família e para os amigos.

Foi também pai pela primeira vez no dia 7 de setembro, com o nascimento da pequena Maria Amália.

Apareceu a pandemia e fiz um balanço do que era a minha vida pessoal e profissional e senti que o caminho passava por voltar à minha estrutura, à minha base

Lançou recentemente a música 'Ao Teu Ouvido' com a Bárbara Tinoco. Como tem sido a reação dos fãs?

A primeira impressão deste álbum tem sido muito boa. As pessoas adoraram esta união de dois mundos diferentes. Conseguimos criar uma energia nova entre o rapaz do campo e a rapariga da cidade, que me faz lembrar a minha infância e adolescência. A essência deste álbum é essa, fazer-me reviver memórias que me fazem muito feliz. As pessoas identificaram-se muito. É muito comum, quando o verão está a acabar, olhar para trás e ver o que foi embora e o que fica. É uma altura em que fazemos esse balanço na nossa vida.

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É portanto, assumidamente, um rapaz do campo.

Assumidamente e agora ainda mais, porque antes vivia na cidade de Beja, mas agora fui para um monte. Estou mesmo um rapaz do campo puro [risos].

O que é curioso, porque normalmente os artistas preferem viver nos grandes centros urbanos. A ideia de sair do Alentejo está fora dos seus planos?

Houve uma altura, com 19/20 anos, que decidi ir viver para Lisboa, pois queria afirmar-me mais a nível individual e não coletivo, como vinha a ser até essa altura. Fazia parte de projetos de cante alentejano coletivo, mas senti necessidade de fazer algo mais pessoal e vivi em Lisboa durante 7/8 anos.

Depois apareceu a pandemia e fiz um balanço do que era a minha vida pessoal e profissional e senti que o caminho passava por voltar à minha estrutura, à minha base. O meu ciclo em Lisboa, pelo menos, nas casas de fado, tinha terminado, e estando a fazer espetáculos pelo país inteiro já podia escolher onde queria viver. Escolhi voltar à minha realidade, ao meu grupo de amigos, onde fui feliz. Foi um regresso muito especial, porque já não sou a mesma pessoa que partiu, volto uma pessoa muito mais madura e crescida. É bom voltar e ver as coisas de uma perspetiva totalmente diferente.

A música sempre foi o plano A do Buba?

Enquanto criança e adolescente sempre estive muito ligado ao desporto. Nem ligava muito à música, porque ela era tão presente, que nem notava que ela estava na minha vida. O meu pai sempre nos incentivou a ouvir música cá em casa, ia aos espetáculos dele, era algo tão natural que nem reparava que estava tão dentro de mim. Houve uma altura em que eu e o meu grupo de amigos começamos a cantar por brincadeira e aí percebi que gostava mesmo de cantar e de fazer música. Tinha uns 15/16 anos.

Nunca fiz nada fora da música. Tive um projeto há dois anos de dar cante alentejano nas escolas, para passar às crianças os valores e a minha experiência do cante alentejano e aquilo que é ser alentejano. Mas sim, nunca pensei em fazer mais nada. Já são 13 anos de estrada e de muita coisa a acontecer.

Costumo dizer que os artistas alentejanos partem sempre à frente, porque a música está presente no nosso berço. Somos expostos a cantar em público desde muito cedo, toda a gente na família canta. Lembro-me do meu pai pôr-me em cima da cadeira e de eu cantar para toda a gente

Nunca se sentiu diferente da sua geração por cantar um estilo de música tão tradicional?

A minha geração é muito especial. Sempre tivemos uma ligação muito forte aos nossos antepassados e às nossas tradições. Tenho um grupo enorme de 40/50 amigos e todos cantam, uns pior, outros melhor. Quando estamos num convívio, o cante alentejano vem sempre à baila. Todos nos identificamos com esta tradição, portanto, nunca houve essa questão de ficarmos de parte por gostar de cantar, pelo contrário.

Costumo dizer que os artistas alentejanos partem sempre à frente, porque a música está presente no nosso berço. Somos expostos a cantar em público desde muito cedo, toda a gente na família canta. Lembro-me do meu pai pôr-me em cima da cadeira e de eu cantar para toda a gente. O contacto com o público nunca nos deixa desconfortáveis. A nossa realidade é muito diferente de a do resto do país.

Então a questão da timidez não se coloca a um alentejano...

Nada. O alentejano é tudo menos tímido... [risos]

Então deve ser mais fácil para o Buba subir a palco, ou ainda se fica nervoso? Há pouco tempo, por exemplo, quando cantou para milhares de pessoas durante a visita do Papa a Lisboa.

Digo que é confortável subir a palco, mas obviamente há sempre uma responsabilidade muito grande. Não há um nervosismo, mas há um peso, porque queremos dar o melhor às pessoas que estão lá para ouvir. Nervosismo raramente acontece.

Em relação ao Papa, foi um grande momento. Quando estou a cantar, fecho os olhos e não penso em nada, só nas energias que estou a receber. Não sou muito crente, mas senti realmente uma energia muito especial, numa ligação quase divina a antepassados que já não estão entre nós, [por exemplo à] minha avó Teresa, que era uma pessoa muito ligada a Deus. Quando acabei de cantar, senti o público a aplaudir atrás de mim e uma força nas costas maior do que é normal. É um momento que eu vou recordar para sempre.

Foi uma altura muito específica da minha vida, porque tomei essa decisão muito novo ainda. Decidi sair da escola com 17 anos, algo que não é muito normal para um jovem. O meu pai sempre foi músico, mas a minha mãe não, por isso tinha uma perspetiva diferente e foi um pouco estranho para ela, mas obviamente soube dar os melhores conselhos

A família ficou contente quando soube que queria seguir a carreira de músico?

Foi uma altura muito específica da minha vida, porque tomei essa decisão muito novo ainda. Decidi sair da escola aos 17 anos, algo que não é muito normal para um jovem. O meu pai sempre foi músico, mas a minha mãe não, por isso tinha uma perspetiva diferente e foi um pouco estranho para ela, mas obviamente soube dar os melhores conselhos. Ela deixou-me voar e fazer o meu próprio caminho, mas ficou um bocado triste.

O meu pai ficou contente, dado que nunca conseguiu ser músico profissional a 100%, porque tinha-me a mim e ao meu irmão para cuidar. Então acho que de alguma forma ele revê-se em mim e no meu irmão - que somos ambos músicos profissionais. Ele nunca deixou o seu trabalho, foi bancário a vida inteira para nos dar a estrutura e as condições até sairmos de casa, que foram ótimas.

A minha mãe foi percebendo que eu estava no caminho certo. Ainda hoje é um bocado complicado esta questão de chegar a casa às 3h da manhã, mas ela vai percebendo melhor esse aspeto. Olhando para trás, na altura já era bastante focado naquilo que queria e que não queria e foi isso que me fez chegar onde estou hoje.

Lançou o seu primeiro álbum a solo em 2020. Porquê só nesse ano?

Entre 2011 e 2020 fiz parte de outros projetos. Até gravar o meu primeiro álbum a solo, já tinha gravado oito álbuns com outros projetos. Senti que 2020 seria a altura certa para mostrar o que tinha para dizer. Percebi que tinha um produto de qualidade com o qual as pessoas ir-se-iam identificar, estava contente, sentia que era a minha mensagem e a minha energia. Tem de haver um processo de reconhecimento interior sobre aquilo que nos faz vibrar.

E três anos depois lança o segundo álbum. Este novo disco fala do quê?

Estes três anos foram de muito trabalho. O meu processo de edição nunca é rápido, é algo que deixo ir correndo sobretudo no início que é de inspiração. Normalmente levo um ano, ano e meio, até chegar a algum sítio e perceber que é por ali que eu quero ir.

'Voltar' é um álbum muito especial, pessoal, que fala muito sobre os meus sentimentos e personalidade na primeira pessoa. Sinto que neste álbum abro o meu coração e a minha alma para as pessoas.

É um álbum aberto, mas fechado também, no sentido em que não está tudo na cara, é preciso navegar e explorar. Navegar no álbum é navegar em mim também.

Adoro andar lá fora e ver a reação de outros povos que choram e riem ao ouvir a nossa tradição. É mesmo bom andar com uma mochila cheia de 'portugalidade' e apresentá-la lá fora

Quais os seus grandes objetivos enquanto músico?

Sinto que os álbuns que saíram são de afirmação nacional, independentemente de eu já andar muito no mercado internacional a mostrar a nossa música, sinto que este álbum é muito virado para Portugal.

Quero muito a minha afirmação nacional, é um processo que já começou em 2015. No ano passado fizemos uma digressão pela América do Sul e América Central. Foi maravilhoso podermos levar a nossa cultura a outros países e foi algo que ficou dentro de mim. Adoro andar lá fora e ver a reação de outros povos que choram e riem ao ouvir a nossa tradição. É mesmo bom andar com uma mochila cheia de 'portugalidade' e apresentá-la lá fora. A minha ambição enquanto músico é passar meio ano aqui, meio ano lá fora.

Quem é o Bernardo fora da música? Como é que se apresentaria?

Sou uma pessoa muito simples, que gosta de viver as coisas simples da vida, que gosta de estar com a família, com os amigos, que gosta de uma boa comida, de ver televisão para assistir a desporto principalmente. Sou totalmente viciado em música e nesta indústria. Acho que nunca consigo fazer a separação perfeita entre o artista e o ser humano porque a música está muito dentro de mim.

Foi pai há pouco tempo. Como está a viver esta fase?

O nascimento da Maria Amália foi o melhor momento da minha vida. Está a ser incrível partilhar as emoções com o público e com a família. Estou muito grato por todo o amor que tenho recebido.

Porquê o nome Maria Amália?

O nome é em homenagem à minha avó e é uma maneira de ela estar sempre presente.