A diferença há muito que já foi percebida, mas ainda não encontrou uma explicação. E a angústia associada a esta ausência de explicação é muitas vezes proporcional ao número de anos que se permanece sem ela.

Falo da ausência de explicação para as características e comportamentos que são, por um lado, sentidos pela própria criança, adolescente ou adulto, como diferentes dos outros, e por outro, por todos aqueles que à sua volta também os consideram “estranhos”.

A explicação pode encontrar- se no diagnóstico, mas até lá chegar, muitas vezes, o percurso é longo. Esta demora ocorre, principalmente, para aqueles que apresentam características mais subtis, com menor gravidade e impacto na funcionalidade diária, associadas a um nível de inteligência médio ou acima da média e sem alterações significativas no desenvolvimento da linguagem. Refiro-me às crianças, jovens e adultos que têm características compatíveis com formas mais “ligeiras” de Autismo.

Quando imaginamos as Perturbações do Espetro do Autismo (PEA) num continuum, as formas mais “ligeiras” são aquelas que correspondem ao lado menos grave do espetro. Mas importa reforçar que, apesar de me referir a essas formas de Autismo como “ligeiras”, estas constituem perturbações de desenvolvimento com um impacto perturbador na vida de quem as manifesta.

Merecem, por isso, toda a nossa atenção, para que sejam devidamente diagnosticadas, abrindo caminho para uma intervenção terapêutica adequada e medidas educativas ou laborais ajustadas.

O Autismo na sua forma menos grave: a Perturbação do Espetro do Autismo de nível 1, anteriormente designada por Síndrome de Asperger, é, frequentemente, mais difícil de diagnosticar. Os instrumentos de diagnóstico, que são exatos a identificar o Autismo na sua forma mais grave, o Autismo clássico, não são tão eficazes para a PEA de nível 1, uma vez que as características que procuramos são subtis.

Além disso, devido a esta subtileza na manifestação das características e melhor funcionalidade, os indivíduos com uma PEA de nível 1, passam despercebidos ao olhar de médicos, psicólogos e outros profissionais de saúde e educação, que não tendo uma experiência alargada, excluem à partida o diagnóstico de uma PEA.

A exclusão, com frequência, parte erradamente da presença ou ausência de uma característica como se de um só critério se fizesse o diagnóstico, por exemplo, “Tem amigos, então não tem uma PEA”; “Olha nos olhos, então não tem uma PEA”; “Conversa tão bem, logo não pode ter uma PEA”.

O despiste de diagnóstico de uma PEA implica uma recolha exaustiva de informação acerca de diferentes dimensões de várias áreas do desenvolvimento, como o relacionamento social, a comunicação, a linguagem, o funcionamento emocional e cognitivo, o comportamento, os interesses, a capacidade de adaptação, a reação a estímulos sensoriais, a motricidade, etc. E quanto mais experiente for o clínico, mais preciso será o diagnóstico.

É esta experiência que serve de “guião” para procurar informação, quer seja através de entrevistas aos informadores (ao próprio, aos pais ou outros familiares e/ou cônjuges) ou da observação clínica, sendo mais eficaz na confirmação de um diagnóstico do que o resultado obtido num teste específico. É importante obter informação não só relativamente ao que se passa no presente, mas ao longo da história de desenvolvimento.

Um diagnóstico não é um rótulo ou uma etiqueta que se cola no produto para indicar o que é

Apesar do número de pessoas diagnosticadas com uma PEA estar a aumentar e em idades cada vez mais precoces, em grande parte explicado pela maior experiência de clínicos e sensibilização e conhecimento da comunidade em geral, ainda há quem questione se um diagnóstico é importante e se a sua partilha contém mais vantagens ou desvantagens. Dirigem-me esta questão particularmente associada ao diagnóstico de adultos.

Um diagnóstico não é um rótulo ou uma etiqueta que se cola no produto para indicar o que é, mas antes um nome para um conjunto de características que surgem simultaneamente e que causam um impacto significativo na vida da pessoa que as apresenta.

Um diagnóstico é importante. As consequências psicológicas de se começar a perceber que se é diferente dos outros, mas sem saber porquê, podem ser devastadoras, conduzindo a outras perturbações mentais, como a depressão. Facilita a comunicação e compreensão do que se passa com aquela pessoa, diminuindo outras possíveis explicações, geralmente desadequadas e que em pouco ajudam a mobilizar as estratégias apropriadas para promover as competências da criança, a sua integração e adaptação escolar e o seu sucesso educativo.

O mesmo acontece relativamente a um jovem adulto ou a um adulto relativamente à sua integração num curso pós-secundário, universitário ou no contexto laboral.

Para os adultos, o diagnóstico comporta um sentimento de alívio, uma oportunidade para providenciar uma nova perspetiva sobre o passado, reenquadrando a sua história. O adulto com PEA encontra, assim, uma resposta para a maioria dos “porquês”, que permaneceram a gerar angústia durante tanto tempo, por exemplo: “Porque é que me achavam estranha?”; “Porque é que não brincavam comigo?”; “Porque é que estavam sempre a dizer que eu estava no mundo da lua?”; “Porque é que fui vítima de bullying?”, “Porque é as pessoas ficavam chateadas com o que eu dizia, se não era essa a minha intenção?”

Ao receber um diagnóstico preciso, abre-se também um caminho para o autoconhecimento e aceitação, começando a compreender-se melhor: a compreender as suas características, como funciona e lida com o mundo à volta com os seus pontos fortes e pontos fracos. Este conhecimento permitirá fazer escolhas informadas sobre carreira e relacionamentos mais ajustadas ao seu perfil de características.

Logo, possuir conhecimento do seu diagnóstico clínico é muito importante, e quanto mais cedo isso acontecer melhor. Devido a possíveis reações negativas ao diagnóstico, beneficiar de um apoio psicológico poderá ser importante para lidar com o mesmo.

Uma outra questão associada ao diagnóstico prende-se com a questão frequentemente colocada pelos pais: quando se deve revelar à criança o seu diagnóstico?

Proponho a seguinte resposta a esta questão: não existe um critério preciso, uma idade ou altura certa para revelar o mesmo.

Contudo, quando a criança começar a questionar o motivo da(s) sua(s) diferença(s) em relação aos outros ou a precisar de outros recursos para lidar com as suas dificuldades e características (por exemplo: usar headphones numa aula barulhenta para minimizar um dos seus problemas sensoriais) estará perante indicadores que apontam a necessidade de revelação do diagnóstico.

Saber o que se passa consigo é um requisito fundamental para ajudar os outros a compreenderem melhor a sua condição e facilitar a relação. Recordo-me do seguinte exemplo: explicar aos outros porque é tão difícil manter o contacto ocular durante uma conversa (porque distrai, desconcentra, gera desconforto, etc.), e se opta por olhar para o lado, apesar de se estar atento.

É necessário que o diagnóstico seja realizado por alguém com experiência em PEA, especialmente se estivermos a falar de PEA de nível 1, e em particular numa rapariga ou mulher, por vários fatores:

A manifestação das características da PEA numa rapariga/mulher, que se encontra na dimensão menos grave do espectro, é subtil. As raparigas são melhores do que os rapazes a camuflar as suas dificuldades sociais, ou por outras palavras, são muito boas a esconder a sua diferença.

Os critérios de diagnóstico dos manuais de diagnóstico foram baseados em descrições de características apresentadas por grupos de rapazes, pelo que descrevem melhor um perfil masculino do que feminino e tanto a experiência clínica, como a investigação científica atual nos mostram que existem diferenças entre o sexo masculino e feminino na manifestação da PEA de nível 1.

Os testes utilizados para o despiste de PEA foram baseados nesses critérios de diagnóstico, pelo que são pouco sensíveis para detetar o perfil feminino.

Voltando à ideia inicial, um diagnóstico de PEA de nível 1 ou Síndrome de Asperger, mesmo que tardio, permite encontrar explicações que há muito se procuram. É como reunir as peças de um puzzle, que uma vez juntas vão ajudar a explicar o porquê de certos comportamentos e características, trazendo uma compreensão para o sentimento de diferença e reduzindo a angústia ligada ao mesmo. Assim, independentemente da idade, vale a pena fazer um despiste de PEA e validar as suspeitas que se têm.

Texto: Inês Leitão - Psicóloga, Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde; Especialidade Avançada em Psicoterapia e Necessidades Educativas Especiais pela OPP, Núcleo das Perturbações do Espetro do Autismo do PIN – Em todas as Fases da Vida