Na nossa prática clínica com adolescentes e jovens no Espetro é possível encontrarmos diferentes níveis de iniciativa, motivação e de autonomia. Sem dúvida que estes diferentes níveis dependem principalmente do perfil intelectual, características e dificuldades destes adolescentes e jovens, mas consideramos que a iniciativa e a motivação têm um impacto fundamental na capacidade destes orientarem os seus recursos.

Estes jovens são habitualmente pouco autónomos nas atividades de vida diária que serão importantes na vida adulta e na utilização de recursos comunitários como os transportes e serviços públicos. Muitas vezes isto acontece, porque praticamente não se dedicam a atividades de lazer fora de casa e ocupam os seus tempos livres em atividades sedentárias que não promovem a saúde, o bem-estar ou a inclusão social.

Posto isto, torna-se fundamental que tanto o contexto familiar, como escolar e terapêutico, possam incentivar a autonomia nas suas atividades de vida diária (pessoais, domésticas e comunitárias) e na socialização.

Quando o adolescente ou o jovem demonstra interesse e motivação para sair e ser mais autónomo, devemos aproveitar esta oportunidade e orientá-lo no sentido de desenvolver a sua autonomia, autoconfiança e sentido de responsabilidade, por exemplo, através da realização de pequenas compras ou realização de tarefas simples nos serviços públicos, como, por exemplo, enviar uma encomenda nos correios.

Por outro lado, se o jovem tiver interesse e motivação por fazer algum tipo de refeição ou sobremesa para a família, devemos incentivar a procura de receitas, ajudar na elaboração da lista de compras a fazer e na planificação dos diversos passos necessários para a conclusão da receita (e.g., desde compreensão acerca dos diversos utensílios, pesar alimentos, etc).

Estas tarefas são muito importantes pois vão ser um grande contributo para o desenvolvimento da autoestima e autonomia. Devemos sempre valorizar tudo o que o adolescente ou jovem faz de forma autónoma e dar-lhe gradualmente mais autonomia, no sentido de virem a ser eles próprios a tomar iniciativa na realização de novas tarefas.

Nem sempre é fácil para as famílias promoverem a autonomia

Por vezes, para algumas famílias é realmente assustador promover autonomia em algumas tarefas, pelo facto dos seus filhos serem pouco autónomos noutras áreas, principalmente no contexto escolar (e.g., pouca iniciativa, pouco interesse pelo contexto, necessidade de apoio para a elaboração das tarefas e aprendizagem).

Como exemplo disso, conhecemos uma adolescente que apesar de ser pouco autónoma em muitas áreas da sua vida (e.g., aprendizagem, cuidados pessoais, interação social), tem imensa iniciativa e motivação para andar de transportes públicos, visitar lojas e centros comerciais e por fazer refeições fora do contexto familiar. Mais do que esta motivação para as tarefas, tem também interesse em explorar as situações novas sozinha e quer conhecer a rede de Metro da cidade do Porto.

Para muitos pais/cuidadores, é extremamente difícil imaginar que um filho que é tão pouco autónomo numa área, possa ser capaz de se desenvencilhar sozinho, principalmente quando a ingenuidade, dificuldade de comunicação e interação poderão ser handicaps significativos.

Ainda assim, consideramos que, quando um adolescente ou jovem manifesta interesse em ser autónomo numa determinada área, isto deve ser visto como uma oportunidade para desenvolver não só as ferramentas necessárias para essa atividade como outras que poderão, posteriormente, ser utilizadas noutros momentos.

Nestes casos, consideramos que se deve ter em conta três aspetos fundamentais:

1) as competências de comunicação e interação do adolescente ou jovem;

2) a capacidade de compreensão das regras e conceitos relacionados com a vida social;

3) a capacidade de compreender um plano e de o seguir. Este plano deve ser elaborado antecipadamente, para estruturar os diversos passos (e.g., se vai às compras: pensar nos produtos necessários; elaborar uma lista com alternativas em termos de marcas, caso os produtos requeridos não estejam disponíveis; antecipar quanto dinheiro será necessário e alertar para a importância de verificar o troco; planear um dia da semana para ir às compras, entre outros) e/ou comportamentos (e.g., como carregar um andante do metro e como o validar, como comprar um bilhete de autocarro, como colocar produtos no tapete rolante, entre outros)  que o adolescente ou jovem deverão fazer para chegar ao seu destino, como também antecipar potenciais imprevistos (e.g., como reagir se alguém iniciar uma interação; o que fazer se se distrair e não tiver seguido um dos passos como estava combinado; a quem poderá pedir ajuda se não conseguir contactar com os meus pais, entre outros).

Todos os aspetos aqui mencionados poderão ser promovidos em consulta de Psicologia, de Terapia Ocupacional e em Grupos de Treino de Autonomia. Cada um destes serviços trabalhará áreas diferentes que se complementam e apesar do foco ser o adolescente ou jovem, estes serviços também dão orientações para que as famílias possam colocar em prática as diversas estratégias que são estimuladas, desde aquelas que são mais focadas para a interação social, como aquelas que permitem promover autonomia.

É importante realçar, porém, que só quando os pais/cuidadores se sentirem confortáveis com a autonomia do adolescente ou jovem, este será capaz de desenvolver estas competências de uma forma saudável e harmoniosa, sentindo-se melhor consigo próprio e mais útil e integrado na sociedade.

Texto: Carla Oliveira (Psicóloga Clínica) e Susana Sousa (Terapeuta Ocupacional)