Decerto que nos últimos anos tem lido ou ouvido falar muito em “congelamento de óvulos” ou em termos científicos, preservação da fertilidade. Os artigos abordam sobretudo as indicações médicas, como é feito o procedimento médico, as taxas de sucesso futuras na utilização dos ovócitos, etc. Com exceção dos artigos académicos, poucas vezes são abordados os aspetos psicológicos da tomada de decisão por parte das mulheres que ponderam este procedimento.
A preservação da fertilidade tornou-se possível com a evolução das técnicas laboratoriais, concretamente a vitrificação, que veio permitir congelar os óvulos, sem que estes percam a sua capacidade de serem fertilizados no futuro através de uma Fertilização in vitro, caso não consiga engravidar de forma natural.
Inicialmente destinava-se a doentes oncológicas que iriam ser sujeitas a quimioterapia, mas a pouco e pouco esta técnica foi sendo utilizada por outras mulheres. O social egg freezing, como é designado, surge pela necessidade ou conveniência de adiar a maternidade por razões pessoais, sociais ou económicas. Em alguns países já são as empresas a oferecerem às suas colaboradoras a possibilidade de preservação da fertilidade, de forma a beneficiar a empresa, mas também elas próprias, numa fase crucial da sua carreira. Mas as mulheres também congelam os seus óvulos movidas por sentimentos de medo, incluindo o medo de não encontrar o parceiro adequado e o medo do declínio da fecundidade. Porque, para a maioria, o seu desejo é poder ter um filho genético com um parceiro.
No nosso país, este tema não tem sido abordado com a necessária insistência, mas na Ava Clinic tem aumentado de forma flagrante o número de tratamentos de preservação de ovócitos de mulheres conhecedoras desta possibilidade e conscientes dos riscos de protelar a maternidade. Para as mulheres, a partir de uma determinada idade o que as pode impedir de serem mães são os efeitos irreversíveis do envelhecimento biológico.
Lamentavelmente, a maioria da população desconhece que uma bebé do sexo feminino já nasce com todos os óvulos que irá “usar” ao longo da sua vida reprodutiva. Estima-se que uma mulher tenha em média 400 oportunidades de ovular e engravidar. Com o passar dos anos, a sua reserva de óvulos é cada vez menor, e os que lhe restam vão sofrendo os efeitos do envelhecimento biológico. De igual modo, também não é do conhecimento geral que até aos 30/32 anos a probabilidade de uma mulher engravidar naturalmente é de cerca de 20% a 25%, entre os 35 e os 40 anos a probabilidade baixa para 7 a 10% e a partir dos 43 os valores estão abaixo dos 5%. De forma paradoxal, os dados mostram que muitas mulheres só começam a pensar ter o primeiro filho por volta dos 35 anos ou ainda mais tarde.
Deste modo, se uma mulher está preocupada com o decréscimo da qualidade dos seus óvulos (o que acontece a partir dos 35 anos) deverá de forma lúcida e consciente ponderar congelar óvulos.
São inúmeras as críticas ao social egg freezing, algumas com o argumento de que as mulheres devem começar a ter filhos mais cedo. Mas a realidade é que a nossa biologia não acompanhou a evolução social. Nalguns casos, a mulher ainda não está certa de querer ter filhos, outras ainda não alcançaram a estabilidade profissional ou realizaram os seus projetos pessoais, pelo que a maternidade ainda não é uma opção. Apesar da evolução dos papéis parentais, é inegável que a responsabilidade em relação ao cuidado dos filhos ainda recai muito sobre a mãe.
Outro fator para este adiamento é evidenciado em inúmeros estudos que mostram que, na maioria dos casos, o adiamento da maternidade acontece porque a mulher ainda não encontrou o parceiro com quem se sente segura para constituir família. Para se trazer filhos ao mundo num projeto de parentalidade consciente não basta encontrar um parceiro sexual com a função utilitária de providenciar esperma ou ser pai sem o desejar, com as possíveis consequências psicológicas para uma criança nascida neste contexto. Pela minha prática clínica com mulheres e homens, também me parece haver um desfasamento de alguns anos no que se refere ao desejo de constituir família, nelas e neles.
O reverso também ocorre, com algumas mulheres a referirem sentir uma pressão interna para a maternidade, aceitando relações menos satisfatórias na esperança da tão desejada gravidez. Trata-se muitas vezes da tão conhecida “falácia do custo investido” na relação, mas também a consciência que o luto de uma relação e o encontrar de um novo parceiro exige um tempo que sentem já não ter.
Este cenário é cada vez mais referido por mulheres que, após algumas relações afetivas inconsequentes, se vêm forçadas a recorrer a Inseminação com esperma de dador, ao tomarem consciência do declínio da sua fertilidade e sem tempo para procurar o parceiro certo para constituir família.
Outras, de tanto esperarem, de forma inesperada e dolorosa, acabam por se ver confrontadas com a necessidade de, para além de doação de esperma, precisarem também de óvulos doados. Muitas referem com pesar não terem pensado mais cedo na possibilidade do congelamento de ovócitos quando eram mais férteis, culpabilizando-se por algo que desconheciam e que cabe à sociedade alertar.
Preservar a fertilidade não deverá ser encarado como um “seguro de vida com retorno certo”, mas com as atuais técnicas de congelamento por vitrificação, cerca de 85 a 90% dos óvulos resistem ao processo de descongelamento. Se uma mulher protelar este processo, pode comprometer muito o sucesso na sua utilização futura, pelo que se recomenda que o processo seja feito bem abaixo dos 35 anos.
A intervenção de um psicólogo no âmbito de um processo de preservação da fertilidade centra-se, numa fase inicial, na ajuda ao processo de tomada de decisão consciente: congelar óvulos porquê e para quê, no balancear das expectativas e as probabilidades de sucesso futuro, antecipar formas possíveis de maternidade: com um(a) parceiro(a), maternidade independente, o destino dos óvulos caso não venham a ser utilizados, ajuda para lidar com os efeitos emocionais do processo, antecipar desfechos negativos, etc.
Nem todas as mulheres que nos procuram pertencem a um nível socioeconómico elevado, mas para todas, a decisão de congelarem óvulos envolveu a decisão de investirem em si próprias, porque mantém a esperança de no futuro virem a constituir família e sabemos que “Hope is not a feeling. It is an orientation of the spirit”
Um artigo de Ana Oliveira Pereira, Psicóloga clínica e da saúde na AVA CLINIC – Centro de fertilidade de Lisboa e membro do Conselho Técnico da S.P.M.R.
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