Na quarta-feira, os alunos inscritos para ir a exame de recurso foram surpreendidos com um “manual de utilização em contexto de realização de provas à distância”, que prevê a utilização da plataforma Proctorio, uma ferramenta com o objetivo de “assegurar a total integridade da aprendizagem”.

Através desta ferramenta de vigilância, durante todo o tempo da prova, os alunos seriam gravados por um sistema inteligente que deteta movimento, alterações de ruído e capta a imagem do ecrã para evitar fraude.

No grupo interno dos alunos da faculdade, na rede social Facebook, depressa começaram a surgir centenas de publicações e comentários de estudantes indignados, que acusavam a instituição de proceder de forma ilegal e em desrespeito do Regulamento Geral sobre Proteção de Dados (RGPD).

Entre os comentários dos futuros juristas, apareciam excertos do RGPD e de outros instrumentos legislativos e a partilha de ligações, convidando os colegas a denunciar a situação no ‘site’ da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).

Perante a contestação dos alunos, a Faculdade de Direito emitiu ao início da tarde um despacho em que recua na decisão, perante as “dúvidas em matéria de proteção de dados”.

Assim, os exames da época de recurso do 1.º semestre, que já tinham sido adiados no final de janeiro, face ao agravamento da situação epidemiológica provocada pela covid-19, voltam a ser presenciais, realizando-se ‘online’ através da plataforma Zoom, em que decorrem também as aulas, apenas em casos excecionais.

Antes de ser conhecida a decisão, a Associação Académica também tinha dado voz às queixas dos estudantes, exigindo a suspensão da decisão de utilizar a plataforma Proctorio.

Num comunicado publicado na rede social Facebook, a Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa (AAFDL) lamenta que a instituição não tenha promovido uma discussão sobre as soluções para os exames ‘online’ atempadamente, optando por “métodos desproporcionais”.

A polémica agora protagonizada pela FDUL não é nova e já no ano letivo passado as instituições de ensino superior se debateram com o problema da fraude nas avaliações, encontrando, por vezes, alternativas mais intrusivas e consideradas questionáveis do ponto de vista da proteção de dados.

Por isso, em maio a CNPD emitiu orientações sobre a avaliação à distância, em que alertava as instituições para a necessidade de respeitarem “os princípios e as regras legais de proteção dos dados”.

No documento, a autoridade admite a necessidade de as instituições adotarem soluções “que permitam realizar as avaliações à distância com a indispensável fiabilidade”, mas avisa que devem também ponderar “o interesse que visa prosseguir com os processos de avaliação à distância selecionados e os direitos e interesses dos titulares dos dados”.

Referindo medidas concretas, a CNPD considera, por exemplo, que a utilização de câmara de vídeo é aceitável para verificar a identidade do estudante, mas desadequada para o vigiar durante o exame, bem como a gravação de som e o recurso a programas que bloqueiem o acesso a determinados documentos ou ‘sites’.

Ora, as regras impostas pela FDUL contrariam essas orientações: Além da captação e gravação de som e imagem durante todo o tempo da prova, o sistema em causa deteta e sinaliza aumentos de ruído, quando os alunos desviam o olhar do monitor durante muito tempo e até regista a imagem do ecrã.

Por outro lado, na lista de permissões requeridas pela plataforma, encontram-se, por exemplo, a “leitura e alteração de todos os dados nos ‘websites’ visitados”, a “modificação de dados copiados e colados” e a “gestão das transferências”.

Apesar das orientações da CNPD sobre o tema, a FDUL não foi a única a optar por soluções mais intrusivas para assegurar que os estudantes não copiam durante os exames e já este mês foi noticiado pelo Jornal de Notícias que a comissão estaria a investigar a legalidade da utilização do software Respondus, na Universidade do Minho.