Foi no cenário marcadamente urbano e alternativo do Palácio dos CTT, no Porto, que tiveram lugar os nove desfiles da 14.ª edição do Bloom, projeto do Portugal Fashion dedicado à descoberta e promoção de jovens designers de moda. O Bloom volta assim a preencher um dia completo do programa do Portugal Fashion, o que traduz o crescente protagonismo dos novos criadores no evento.

Os desfiles do 14.º Bloom arrancaram logo ao início da tarde, com a passerelle a ser repartida entre as criações de Olimpia Davide e as propostas da Amorphous, marca de uma criadora estreante, Carla Alves. Olimpia apresentou uma coleção cuja grande inspiração foi novamente uma memória, com muito significado. Inspirou-se no seu pai e tudo o que o rodeava e mais gostava, o seu trabalho como mecânico aliado à sua paixão pelos carros. Todos os elementos e objetos foram fundamentais ao processo criativo, assim como o fato de macaco contribuiu para uma silhueta larga e ajustada, através dos elásticos nos punhos e cinta. O detalhe de amarrar as mangas na zona da cinta é também um destaque desta coleção.  Já Carla Alves, a designer da marca Amorphous criou a coleção 'M002 Origem', que falou sobre o facto da moda atravessar uma crise de valores, apesar do seu exponencial crescimento económico que se observa a cada ano que passa. O sucesso dessas grandes empresas deve-se sobretudo àqueles que consomem desenfreadamente sem questionar a origem daquilo que usam; se foi feito com dignidade; quem fez e em que condições; se foi executado por mão-deobra infantil; quais os impactos na natureza (fauna e flora); se o produto é indispensável e o porquê do preço tão reduzido. Vivemos numa sociedade de pensamento massificado e manipulado onde os bens são descartáveis, onde a velocidade e o desrespeito pelas civilizações mais pobres e pela natureza são inegáveis.

O segundo desfile foi da responsabilidade de Nycole, que também se estreou no Bloom. Neste desfile o vestuário clássico do universo masculino, assim como a sua derivação do vestuário militar, foram o ponto de partida para a elaboração desta coleção masculina para o outono/inverno 2017- 18. O vestuário clássico do universo masculino (parkas, camisas, fatos, anoraks e truckers) é a base para o desenvolvimento das peças que, aliadas à inspiração militar, resultam com uma silhueta e detalhes transportados das fardas dos para-quedistas, transmitidos através de fechos e fivelas metálicas, assim como a abundância de bolsos. As performances de moda prosseguiram com Eduardo Amorim, que recentemente participou na feira White Milano Uomo – uma ação de internacionalização apoiada pelo Next Step, projeto comercial do Portugal Fashion. Nesta coleção Eduardo Amorim tenta explorar uma nova gama de proporções, assimetrias e tecidos, desde a alfaiataria clássica à opulência de frescuras como Celia Cruz gostaria. A morte do famoso ditador cubano leva alguns para a extrema alegria e outros para o luto. Esta roupa tem esse poder também, de um lado a repressão, e de outro uma mão de total livre expressão de nós mesmos. Malhas técnicas e funcionais em contraste com as malhas pitorescas quase como artesanato. Em termos de cores a paleta levanta desde os tons nude, os variantes de azuis e o preto. As peças estão cheias de detalhes irreverentes como zíperes escondidos, uma cascata de babados dentro de um casaco, mangas assimétricas, manipulação de volumes, profundos cortes que querem ser equilibrados numa dança suave.

Seguiram-se as propostas de Maria Kobrock, que se inspirou numa forma de vestir seguindo um código social unificado específico. Contextualizando esta ideia de "revelação através da ocultação" no mundo da moda, e utilizando o corpo como o sujeito, o "embrulho" pode ser visto como uma metáfora para a construção da identidade social. O desfile coletivo de Beatriz Bettencourt e Mariana Almeida (em estreia) foi o que se seguiu. Para a estação outono/inverno 2017, Beatriz Bettencourt apresentou uma coleção feminina que retrata um paralelismo entre o sonho e a realidade. Sendo o sonho uma “experiência de imaginação inconsciente” e a realidade “tudo o que é percetível”, 'Awakeness' serve-se da consciência humana e da sua dualidade. Deste modo, a coleção combina a sua vertente mais sóbria e estruturada (realidade), com um cenário mais livre e idílico (sonho), através da sobreposição de múltiplas camadas. Já Mariana Almeida tomou como referência o estilo vanguardista e singular da tenista Suzanne Lenglen, antagonizando-o com o enfado mecânico e programado do Metro do Porto, que serviu de contexto a inúmeras viagens da estilista para a faculdade, e outras, bem mais interessantes... no seu imaginário.

A nova coleção de Pedro Neto foi a que se seguiu. O ponto de partida desta coleção é o quadro pré-rafaelita de John Williams Waterhouse - The Lady of Shalott, e a sua história que inspirou o jovem designer na criação de silhuetas românticas. O foco desta coleção seria criar uma ponte entre os pensadores românticos e humanistas do séc. XIX, e uma visão geral e amplificada do fosso social contemporâneo. A mulher é assumidamente romântica, tal como a Lady of Shalot, mas é também uma mulher elegante que sobrevive ao quotidiano dramático na sua imagem contemporânea. O homem é, portanto, o espelho da mulher, fazendo assim a ligação à lenda da Lady of Shalott.

À noite, realizaram-se os desfiles de David Catalán, Sara Maia e Inês Torcato, três nomes já com alguma projeção na moda nacional. Para a próxima estação fria, os coordenados de David Catalán inspiram-se na vida noturna dos anos 90. O designer espanhol revisita o ambiente obscuro e permanentemente volátil das casas noturnas da Big Apple e do Reino Unido, que conhecemos tão bem através de filmes como Go (1998) ou Human Traffic (1999), bem como o advento da música eletrónica e o estilo de vida frenético que lhe é associado. Nesta nova coleção, David Catalán eleva a streetwear masculina a um novo patamar, como de resto tem vindo a fazer, acrescentando uma revisão notável dos clássicos para Homem, inspirada na alfaiataria tradicional portuguesa. Tudo isto se conjuga através do aspeto gráfico dado pelo tricot e pelo tafetá de algodão bordado, a decadência do jacquard e a despretensão do denim. Na coleção de Sara Maia, o preto é o elemento principal e base de todas as cores primárias, ao passo que as malhas tricotadas adicionam um jogo de textura e grafismo. Alguns detalhes de tailoring clássico masculino e tecidos, são revertidos com o uso de linhas diagonais. É com este valor semi-abstracto que se orienta a coleção. Exploração e desconstrução formal dos clássicos numa constante busca pela perfeição estética foi o mote da coleção de Inês Torcato, a jovem designer que fechou o segundo dia de desfiles.

A irreverência dos jovens criadores é enquadrada pela atmosfera cultural vincadamente urbana que o Bloom cria, ao combinar a moda com outras expressões estéticas contemporâneas, em particular a música. Durante os intervalos dos desfiles, o Palácio dos CTT vibrou com a batida dos DJ sets de Alfredo, Maria e DJ KITTEN.

Conheça o calendário de desfiles para o dia 24 de março:

CENTRO PORTUGUÊS DE FOTOGRAFIA

12:00 Katty Xiomara

ALFÂNDEGA DO PORTO

16:30 Pé de Chumbo

17:30 Anabela Baldaque

18:30 Estelita Mendonça

19:30 Susana Bettencourt

21:00 Diogo Miranda

22:00 Luís Onofre

23:00 Carlos Gil

Para os quatro dias do 40.º Portugal Fashion (22 a 25 de março), foram programados 31 desfiles de moda, envolvendo 15 criadores, seis marcas de vestuário, seis marcas de calçado e dez jovens designers e uma marca. Há ainda a acrescentar dois eventos paralelos com o apoio do Portugal Fashion: a apresentação da coleção dos Storytailors, realizada no dia 22, no atelier da dupla, em Lisboa, e a instalação denominada MOBIL(IZE) com coordenados da nova coleção de Júlio Torcato. A instalação de Júlio Torcato vai manter-se permanentemente na Alfândega do Porto, nos dias 24 e 25.

Veja todos os desfiles e curiosidades acerca desta edição no nosso dossier.