O ano de 1543 é importante para esta história. Foi precisamente nessa data que os portugueses chegaram ao Japão e a influência desta relação, de países tão distantes geograficamente, continua presente até hoje. Não é segredo que foi graças aos portugueses que o Japão adotou a tempura, enquanto do país do Sol Nascente chegaram produtos que se tornaram indispensáveis nas mesas portuguesas.

É quase poético pensar que era da zona de Belém que partiam as caravelas em busca de “mares nunca antes navegados”, como escreveu Luís de Camões. E é também em Belém que se instalou o Guelra, em setembro de 2023, um restaurante que podemos descrever como uma peixaria moderna. Mas, como em qualquer aventura marítima, chega um momento em que é necessário ajustar as velas e explorar novos horizontes. É nesse espírito que surge o Guelra First Floor, uma reinterpretação que eleva o restaurante a novos patamares: o de sofisticação e o de criatividade, com inspiração nos Descobrimentos. O início é o Japão. Mas já lá iremos.

Guelra First Floor, um novo andar onde a criatividade navega livre
Guelra First Floor, um novo andar onde a criatividade navega livre Sérgio Frade, o chef executivo Manuel Barreto e o chef Gonçalo Gonçalves. créditos: Henrique Isidoro

No comando desta expedição está o chef Gonçalo Gonçalves, cujo talento para trabalhar os sabores do mar é complementado pela visão do chef executivo Manuel Barreto, parte integrante do grupo QriarFood, liderado por Sérgio Frade – responsável por projetos de sucesso como O Frade, também em Belém, e o Frade Mercado Time Out.

No Guelra First Floor a criatividade ganha altura

Situado no piso superior, o Guelra First Floor convida os visitantes a embarcar numa experiência exclusiva. “Sempre fez parte do plano inicial”, assegura Manuel Barreto, explicando que a abertura deste espaço só não aconteceu de imediato porque era essencial compreender o público. “Queríamos perceber que tipo de público iríamos ter, que alcance e que vontade as pessoas teriam em procurar coisas diferentes.”

Foi no final de 2024 que se deu o momento oportuno para reorganizar o conceito “Ocean to Table” do piso térreo, ajustando o menu e introduzindo novidades como uma esplanada fechada – ideal para os meses mais frios –, uma montra de peixe e um novo menu, com “uma oferta mais desafiadora e menos óbvia”, muito à base dos especiais do dia, com peixes “a um preço justo”, enfatiza o chef executivo. E a inauguração do “First Floor”.

Guelra First Floor, um novo andar onde a criatividade navega livre
Guelra First Floor, um novo andar onde a criatividade navega livre Entrada do restaurante, em Belém. créditos: Henrique Isidoro

Embora os dois pisos tenham propostas distintas, complementam-se. “Pretendemos que sejam ambos informais, mas com ofertas diferentes, para públicos diferentes – ou para o mesmo público em momentos diferentes”, acrescenta Manuel Barreto.

Ao subir as escadas, a decoração em tons de azul marítimo, simples, mas refinada, prepara o cenário para um serviço personalizado, onde cada experiência gastronómica promete ser memorável. O menu funciona como um passaporte para o mundo, com Portugal como porto seguro e ponto de partida. O destino final? Esse vai mudando.

“O nosso objetivo é que o cliente tenha uma viagem gastronómica. Passamos por vários países e várias ligações que Portugal teve. Neste momento, estamos entre Portugal e Japão. Convido-vos a abrir o barquinho, onde encontram mais pormenores”, diz o responsável de sala, referindo-se ao barquinho de papel que apresenta o conceito e o menu.

Guelra First Floor, um novo andar onde a criatividade navega livre
Guelra First Floor, um novo andar onde a criatividade navega livre O Guelra First Floor está aberto ao almoço e ao jantar. créditos: Henrique Isidoro

Na mesa, há uma atenção ao detalhe, desde a escolha dos talheres, da marca portuguesa Cutipol, à loiça de inspiração nipónica de uma marca espanhola, a Persona.

O menu de degustação, servido exclusivamente ao jantar, é o ponto alto da experiência no Guelra First Floor. Com sete momentos cuidadosamente preparados, cada prato harmoniza técnicas contemporâneas com influências nipónicas, proporcionando uma narrativa de sabores única. Por 60€ (sem bebidas), é possível embarcar nesta viagem, que pode ser acompanhada por um pairing de vinhos por mais 35€. A carta, cuidadosamente selecionada por Sérgio Frade, é exclusivamente portuguesa, incluindo referências dos Açores e um vinho de talha da família Frade, o Talha de Frades.

“Contruímos sempre os conceitos e os preços para os portugueses. Ou para os residentes. Porque são os restaurantes frequentados por eles que depois os turistas vão querer frequentar. Quando vou a outro país eu procuro restaurantes onde os locais vão”, assume o chef executivo, explicando que a ideia é também distanciarem-se de restaurantes de fine dining, cujos preços possam ser proibitivos.

Guelra First Floor, um novo andar onde a criatividade navega livre
Guelra First Floor, um novo andar onde a criatividade navega livre O ramen de lula é o prato preferido do chef Gonçalo Gonçalves. créditos: Henrique Isidoro

Entre os pratos mais marcantes, destacam-se o sashimi ou o ramen, um prato amplamente replicado, mas que aqui recebe um twist criativo. É também o prato favorito do chef Gonçalo Gonçalves, que revela: “Cresci com a cultura pop japonesa, muito animes”.

Mas como fazer diferente? “A parte óbvia do ramen é massa e caldo e depois acrescenta-se a proteína. Mas falei com o meu sub-chef que gostava de desconstruir essa parte e então tivemos a ideia de fazer uns noodles de lula”. A partir daí o prato foi ganhando personalidade, com o chef a assumir este ramen como “fácil de fazer depois de acharmos a ideia inicial. Queria fazer algo diferente, então transformámos os noodles em tiras de lula”, explica.

Guelra First Floor, um novo andar onde a criatividade navega livre
Guelra First Floor, um novo andar onde a criatividade navega livre A raia é um dos peixes usados neste primeiro menu de degustação. créditos: Henrique Isidoro

Outro destaque no menu é a raia, um peixe menos valorizado, mas que aqui ganha protagonismo. “Quero fazer coisas bonitas e boas com algo acessível. Somos um país que sempre se alimentou com o que tinha, seja com salmonete, a 40€ o quilo, seja raia, a 8€. Ambos têm os seus papéis e são igualmente bons e interessantes”, afirma Gonçalo Gonçalves.

Guelra

Rua de Belém, n.º 35 Lisboa

Contactos: tel. 939 002 081

Para quem prefere algo mais breve, a carta oferece sugestões como o Dashi da semana (11€), o Ramen de lula (22€), referido anteriormente, ou o Peixe do dia, uma criação que combina espumante, sake, shiitake e topinambur negro (26€). Ao almoço, entre as 12h00 e as 15h00, o Menu Almoço (30€, sem bebidas) propõe uma alternativa mais condensada, mas igualmente rica, composta por três momentos.

A primeira viagem tem o Japão como destino, mas o que virá a seguir? “Não gostamos de rigidez porque achamos que pode castrar a criatividade. Se queremos ir ao Brasil, mas o produto que queremos usar não está em temporada, porque não manter este menu por mais um mês? A decisão será sempre orientada pela criatividade e pela qualidade do produto”, conclui Manuel Barreto.

Em cima da mesa ficam ainda mais novidades do grupo QriarFood para o primeiro semestre do ano. Aguardemos.

O SAPO Lifestyle visitou o Guelra a convite do restaurante.