Como em muitos desportos de competição, a carga e técnicas de treino na natação tem vindo sempre em crescendo e em evolução resultando, consequentemente, num risco acrescido de contrair lesões com especial ênfase para as lesões músculo-esqueléticas.
O treino da natação é, por natureza - como todos os desportos - uma prática repetitiva e potencialmente causadora de preocupação de todos os envolvidos (atletas, treinadores, fisioterapeutas e médicos) no que respeita às lesões que podem afetar um nadador de competição, principalmente a incidência e a gravidade das mesmas. Uma das lesões mais comuns dos nadadores ocorre nos ombros, facto comprovado por várias organizações desportivas ligadas à natação a nível mundial, como o Comité Olímpico Internacional (COI) e a Federação Internacional de Natação Amadora (FINA). A incidência do “ombro de nadador” abrange mais de ¾ dos praticantes. Tal deve-se a uma pesada carga de treino e a uma ética de trabalho de “no pain, no gain”. O designado ODN (“ombro do nadador”) foi um termo usado pela primeira vez em 1974 por Kennedy e Hawkins para descreverem o impacto do tendão supraespinhoso sob o arco coracoacromial causado pela repetida abdução do ombro e flexão para a frente necessária durante os estilos “livres” e “mariposa”. O ODN tem uma prevalência de 40 a 91%.
Culturalmente, a dor no ombro é normal nos nadadores de competição e deve ser tolerada para se atingirem objetivos e marcas, resultando em deficiências funcionais e mesmo incapacidade.
A natação de alta competição é um desporto exigente, em que os atletas realizam 2 treinos por dia até 12 treinos por semana, com uma média de 8 km percorridos por dia. Em média mais de 500.000 braçadas por membro superior podem ser realizadas durante 1 ano de prática. Assim, força e resistência muscular dos membros superiores são necessários nestes atletas. O termo “ombro do nadador” é comumente usado para referir o conjunto de queixas no ombro de nadadores de competição. Síndrome de impacto, instabilidade da articulação gleno-umeral e tendinopatia da coifa dos rotadores são das lesões no ombro mais comumente relacionadas com a sintomatologia álgica do ombro neste tipo de nadadores. As principais causas de sintomatologia álgica presente neste tipo de atletas estão relacionadas com a sobrecarga, desequilíbrio das estruturas anatómicas devido à elevada intensidade de treino, uso incorreto de técnicas de nado que ocorre devido à fadiga, excesso ou défice de flexibilidade, défice propriocetivo e treino exclusivo dos músculos agonistas, proporcionando desequilíbrios musculares. A natação é um desporto em que os ombros e membros superiores representam até 90% da força propulsora, e requer movimentos diferentes dos mesmos, com graus variados de rotação interna, externa e escapular.
Nos últimos anos, ocorreu uma grande evolução no estudo dedicado à articulação do ombro, porque do ponto de vista desportivo diagnosticaram-se mais lesões, com maior incidência nos desportos com utilização do membro superior. A base para estabelecer um plano de prevenção ou de intervenção para o ombro de nadador é ter uma clara compreensão das técnicas e treino de natação, para perceber o stress a que o ombro é submetido.
A diminuição da carga de treino e a análise da técnica da braçada do nadador para impedir a progressão da lesão são também importantes na 1ª fase da reabilitação. No treino de água deve ser evitado a utilização de paddles e kickboards porque estes agravam a dor existente ao colocar em tensão estruturas já lesadas; devem ser utilizadas barbatanas para aumentar a força de propulsão das pernas e reduzir assim a tensão colocada sobre o ombro e os padrões de treino devem ser alterados de forma a variar os estilos utilizados. Esta alteração reduzirá o padrão repetitivo a que a articulação gleno-umeral está sujeita e permitirá aos músculos trabalharem de forma diferente.
Após ser conseguida uma diminuição da dor e inflamação do ombro, a reabilitação deverá focar-se então no ganho de amplitude de movimento, força e resistência. Os alongamentos são uma parte essencial do treino de um nadador competitivo. São importantes para preservar uma boa técnica de braçada porque contrariam o encurtamento muscular que ocorre naturalmente à medida que se ganha massa muscular. Devem ser alongados a cápsula anterior e posterior do ombro, no entanto é recomendado cuidado para não alongar em demasia a cápsula anterior (pode criar desequilíbrios musculares que piorem o pinçamento) e não negligenciar a cápsula posterior. A cápsula posterior, para a qual pode ser utilizada o sleeper’s stretch, é especialmente importante ser alongada porque está associada à prevenção e reversão do pinçamento das estruturas do ombro.
A reabilitação e prevenção deve incorporar reeducação neuromuscular e fortalecimento dos músculos estabilizadores da escápula. Alguns exemplos de exercícios para estes músculos podem ser: rowing in prone, prone extension, prone horizontal abduction, walk-outs, step-over, low rows, lawn mower, robbery, shrugs, e push-ups. Exercícios simples de fortalecimento do trapézio médio e inferior são o prone T e prone Y respetivamente. Todos os exercícios anteriores devem ser iniciados com carga mínima ou sem carga, e a carga deve ir aumentando gradualmente à medida que a força muscular aumenta.
De notar que a natação será uma modalidade a acompanhar de perto pelos portugueses nos Jogos Olímpicos. Este ano, há esperança em alcançar a primeira medalha olímpica nesta modalidade, após Diogo Ribeiro ter alcançado o topo do pódio nos Mundiais do Qatar em 2024.
Um artigo de Sérgio Loureiro Nuno, Fisioterapeuta, Professor Universitário e Investigador no Departamento de Ciências da Saúde da Universidade da Corunha. Este ano estará novamente nos Jogos Olímpicos, como profissional de saúde na Vila Olímpica em Paris.
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