Escrever sobre o Natal e a família não é nada fácil. Tenho a sensação que está tudo dito e mais do que escrito. O Natal como tempo de família, tempo de encontro, espaço de amor de união etc...

Pensei fugir a estes temas mais óbvios e escrever sobre doces de Natal, só porque gosto de cozinhar, mas não fazia também qualquer sentido. Liguei a televisão, zapping, nada de cativante, dei por mim a pensar no Natal dos Hospitais, mega produção televisiva dos anos 80 que unia de norte a sul o nosso SNS e a RTP.

Num relâmpago de associação de ideias, entre Natal, saúde e media, surgiu-me a ideia de escrever sobre esperança. O Natal como festa de esperança. Afinal, para os católicos o Natal é materialização da esperança, o nascimento do messias.

Como psicólogo interrogo-me, frequentemente, sobre o papel da esperança na saúde mental e, designadamente, qual o seu papel terapêutico.

Na depressão sabemos que um dos pensamentos persistentes à consciência é a ausência de esperança. A ideia convicta de que nada ficará melhor. Os tempos bons nunca virão. Em sentido contrário, nos estados de euforia maníaca, a esperança ganha a forma de certeza no amanhã alegre e feliz.

Se fugirmos dos estados mais clínicos, nos quais o humor está alterado, percebemos que a esperança é um ingrediente essencial para a nossa saúde mental.

A esperança é como uma ponte mágica, que liga o momento presente ao futuro. Uma projeção da confiança, da segurança que temos a partir do chão que pisamos.

Alicerça-se no encontro com o outro no momento presente, no colo que nos larga, no beijo que diz até já, no olhar que nos segue. Projeta-se sobre o desconhecido do mundo, na viagem que diariamente fazemos sobre a incerteza que é a vida.

Nos últimos dois anos, uma das frases que mais lemos em muitas janelas, mundo fora, é “vai ficar tudo bem!”. Garantia expressa no futuro, num tom de afirmação categórica, da certeza que “a seguir à tempestade vem sempre a bonança”. Temos que acreditar!

E será que vai ficar tudo bem? Não sabemos. Pensamento positivo, pessimismo é que não! Há um imperativo de pensamento positivo que impera. O imperativo talvez seja para fazer contrabalanço a um certo alarmismo pessimista, a saúde vai acabar, o emprego, o mundo vai deixar de ser redondo etc.

A polarização entre pensamento positivo e o alarmismo do final dos tempos é amplificado pelos media. A imprensa encontra nos pensamentos simples extremados, os sound bites que o público parece procurar.

É aqui vale olhar com mais atenção para o pensamento positivo. Será que o pensamento positivo é sinónimo de esperança? Será que o pensamento positivo por si só, quando verbalizado infinitamente gera esperança? Ou pelo contrário é só um papel de lustro de um embrulho?

Em época de Natal há que distinguir bem o embrulho do presente

Todos nós já tivemos a experiência de desembrulhar um embrulho magnifico, para encontrar uma bugiganga, que não nos diz nada. O pensamento positivo parece ser um daqueles presentes que vem frequentemente embrulhado num lindo papel com tons de alegria, mas que lá dentro normalmente não traz nada.

O problema ocorre quando o pensamento positivo, só por si, pode não ter base na realidade. O pensamento positivo para gerar esperança, tem que estar ancorado na realidade e designadamente na realidade do outro. O bom presente é aquele que quando, desembrulhado fala sobre a relação.

O que remete para a sensação de sermos conhecidos e o nosso gosto reconhecido. O pensamento positivo acaba por ser tantas vezes, uma mão cheia de nada, bem embrulhado!

Levemos a nossa tese sobre o pensamento positivo mais além, correndo o risco de sermos violentos. Imaginemos um idoso que na noite Natal diz ao filho: "Para o ano não estarei cá" e recebe como resposta, "Não digas asneiras, óbvio que estarás".

O pensamento positivo neste caso, é em certa medida, um evitar à realidade e ao contato com a incerteza do amanhã (tão mais fácil que é acreditar que se estará para sempre). Óbvio que este evitar, é mais do que natural, porque o contato e a empatia com a ideia de morte de quem amamos, é de uma enorme violência.

Uma resposta diferente seria: "Também não sei, mas este ano, vamos fazer muitas coisas que gostamos os dois, como por exemplo irmos ao chiado à Sá da Costa".

A esperança na noite de Natal constrói-se, na nossa opinião, mais no encontro do que no pensamento positivo. Os beijos, os abraços, os olhares, os sorrisos, naturalmente as conversas à mesa, criam um momento presente que dá segurança.

É esta segurança, quando sentida emocionalmente que gera esperança. Alimenta a confiança que podemos voar, ir embora porque há lugar de pertença.

Neste sentido, gostamos de pensar que o Natal não é sobre alimentar um qualquer pensamento positivo no futuro, é confirmar a esperança, que não estaremos sós no futuro.

A festa de Natal é assim um momento especial de presença e de projeção de um futuro acompanhado. Um futuro no qual o nosso pensamento irá encontrar reciprocidade, sintonia e valor no outro independentemente das alegrias do quotidiano.

O Natal com esperança não é um Natal sobre a ausência da morte, mas sim sobre a vida acompanhada e consequentemente é uma tentativa de vencer a morte só.

Votos de um Natal acompanhado.

Texto: Pedro Vaz Santos, Psicólogo Clínico e Terapeuta Familiar e de Casal