Não obstante a crescente consciência sobre os perigos para a saúde que decorrem do colesterol elevado, mais de metade dos portugueses não monitoriza os seus níveis com regularidade. Segundo o estudo “Coração dos Portugueses 2025”, esta realidade é preocupante, tendo em conta que as doenças cardiovasculares continuam a ser a principal causa de morte em Portugal, com uma média de 80 óbitos por dia. Dois terços da população adulta têm colesterol acima do recomendado, mas três em cada quatro desconhecem os seus próprios valores. Este “inimigo silencioso” não causa sintomas até ser tarde demais, manifestando-se muitas vezes através de enfartes ou AVC. O LDL, conhecido como colesterol “mau”, é o principal causador da aterosclerose, enquanto o HDL, ou “bom” colesterol, tem um efeito protetor. A alimentação desequilibrada, o sedentarismo, o tabagismo e o excesso de peso são os principais culpados. A prevenção, sublinha-se, passa por rastreios regulares, dieta saudável, exercício físico e, quando necessário, tratamento médico adequado. Temas tratados em entrevista com Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia.

Um estudo recente, “Coração dos Portugueses 2025”, indica que uma larga maioria dos cidadãos está preocupada com o colesterol, mas que mais de metade não o controla com regularidade. Como explica esta aparente contradição entre a consciência do risco e a ausência de medidas práticas?

Devo começar por referir que no nosso país as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte e saliento que morrem em média 80 pessoas por dia, devido a patologia cardiovascular. Sabemos que dois terços da população adulta portuguesa têm o colesterol elevado, com uma taxa média de colesterol de 210,7 mg/dl. Mas, um inquérito recente à população portuguesa mostrou que três em cada quatro portugueses desconhece os seus níveis de colesterol, sendo este desconhecimento mais elevado nas faixas etárias mais jovens. Sublinho que o colesterol não é meramente um fator de risco cardiovascular, é também a causa da aterosclerose e por isso deve merecer a nossa maior atenção.

“Estamos perante uma patologia grave. É fundamental fazer a sua prevenção” - Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia
“Estamos perante uma patologia grave. É fundamental fazer a sua prevenção” - Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia. créditos: Divulgação

Como refere, o colesterol elevado é um dos principais fatores de risco para as doenças cardiovasculares e aterosclerose, que continuam a liderar as causas de morte em Portugal. Muitas vezes, é descrito como um “inimigo silencioso”. Por que razão é tão silencioso — e, por isso, tão perigoso?

A razão principal é a de que o colesterol elevado não causa sintomas, e, infelizmente quando estes ocorrem, manifestam-se sob a forma de dor no peito devido a angina de peito, enfarte do miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC). O colesterol em excesso, vai depositar-se nas paredes arteriais, constituindo placas de aterosclerose (acumulações de colesterol) que reduzem o calibre dos vasos, dificultando o afluxo de sangue aos órgãos e tecidos do organismo. Estas placas podem formar-se em todas as artérias.

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Se ocorrem nas artérias carótidas do pescoço estamos perante a doença carotídea, que pode provocar acidentes vasculares cerebrais. Quando se formam nas artérias coronárias (que fornecem o sangue ao coração) temos a doença das coronárias. Se o sangue oxigenado não chegar em quantidade suficiente ao músculo cardíaco, na sequência de um esforço ou emoção, pode causar uma dor no peito, a chamada angina de peito. Se a obstrução da artéria coronária for completa pode desencadear-se um enfarte do miocárdio que pode ter como consequência uma paragem cardíaca e eventual morte súbita. Estamos, pois, perante uma patologia grave em que é fundamental fazer a sua prevenção.

Eventualmente, haverá alguma confusão em torno dos conceitos de colesterol “bom” e “mau”. Acha que esta distinção é bem compreendida pela população? Que papel têm o HDL e o LDL na nossa saúde cardiovascular?

O colesterol é uma substância lipídica que circula no sangue ligado a uma proteína. Este conjunto colesterol - proteína é, por isso, conhecido por lipoproteína. As lipoproteínas são classificadas, de acordo com a sua densidade, em altas ou baixas, em função da respetiva proporção de proteína e gordura em cada uma, o que determina a respetiva densidade.

As lipoproteínas de baixa densidade (LDL) são vulgarmente conhecidas como “mau” colesterol, por ser aquele que se deposita na parede das artérias, provocando aterosclerose. Quanto mais altas forem as LDL no sangue, maior é o risco de doença cardiovascular. Por outro lado, as lipoproteínas de alta densidade (HDL), também conhecidas por colesterol “bom”, têm como papel a limpeza das artérias, pelo que quanto mais altas forem menor é o risco de surgir doença cardiovascular. Os triglicéridos são um outro tipo de gordura que circula no sangue, sendo constituídos por 20% de colesterol. Uma alimentação excessivamente rica em calorias, açúcares ou álcool eleva os triglicéridos, aumentando o risco cardiovascular, mas quando estão muito elevados (mais de 500 mg/dl) ainda são mais perigosos para o pâncreas, um órgão que produz insulina e enzimas que ajudam a digestão.

No nosso país as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte e saliento que morrem em média 80 pessoas por dia, devido a patologia cardiovascular.

Há quem associe o colesterol elevado a sintomas como cansaço ou dores de cabeça. Há algum fundo de verdade nesta afirmação?

Como já referi o colesterol elevado não causa sintomas embora, com o tempo, vá provocar doença (aterosclerose) nas artérias que, por sua vez causa doença e mortalidade prematura. A única maneira de se saber o seu valor é através de uma simples analise que até se pode resumir a uma simples picada num dedo.

Sabemos que há causas genéticas no aumento do colesterol, mas os comportamentos do dia a dia continuam a pesar muito. Na sua experiência, que erros no estilo de vida mais contribuem para agravar este risco?

A causa principal radica em erros alimentares. O consumo excessivo de gordura saturada eleva os níveis de colesterol. Para os reduzir deve-se evitar o consumo excessivo de gorduras de origem animal, como as carnes gordas, o presunto, o leite e queijo gordos, a manteiga, mas também os óleos tropicais, como o de palma e de coco, as charcutarias e a fast food. Ter excesso de peso ou obesidade aumenta o colesterol, já pelo contrário, controlar o peso reduz os níveis de colesterol das LDL e tem ainda a vantagem de elevar as HDL. Também o exercício físico regular baixa o colesterol das LDL e sobe as HDL. Aconselha-se a prática de pelo menos 30 minutos diários de atividade física, como por exemplo, a marcha em passo rápido.

Para além de toda uma série de malefícios para a saúde, o tabaco desce o colesterol das HDL. Felizmente quando se deixa de fumar as HDL voltam a subir. Por outro lado, o tabaco favorece a formação de partículas LDL oxidadas, uma forma de LDL mais tóxicas, que penetram mais facilmente na parede arterial.

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Também sublinho a importância de tomar sem interrupções a medicação, caso esta seja prescrita pelo seu médico.

A hereditariedade, ou seja, os nossos genes, determina na grande maioria das pessoas apenas uma pequena parte da quantidade de colesterol que cada organismo produz, pelo contrário o estilo de vida, em particular a alimentação, é o fator mais importante a ter em atenção.

Que conselhos práticos — simples, mas cientificamente válidos — deixaria a quem foi recentemente diagnosticado com colesterol elevado e não sabe que caminho seguir no sentido de o controlar?

O objetivo do tratamento é o de diminuir o risco de doença cardiovascular, através da redução do colesterol das LDL, que hoje se sabe é o principal causador da doença aterosclerótica.

É importante sublinhar que o controlo dos níveis de colesterol deve assentar numa dieta saudável rica em fibra vegetal e pobre em gorduras saturadas, colesterol e ácidos gordos trans. Estes últimos, particularmente agressivos, são essencialmente produtos manufaturados a partir de óleos vegetais, tais como algumas margarinas sólidas à temperatura ambiente e óleos utilizados para fritar. Aqui um suplemento de fitoesteróis vegetais pode dar uma ajuda significativa ao bloquear a absorção do colesterol pelo intestino. A ingestão de dois gramas, diariamente, por exemplo, adicionados ao iogurte ou à margarina (barrada no pão), pode descer o colesterol em cerca de 10%. O controlo do peso, a atividade física regular e não fumar são companheiros indispensáveis da dieta. O recurso a medicamentos, quando necessários, deve ser decidido e acompanhado pelo médico assistente, que leva em conta, não só os valores do colesterol, como também o risco global, determinado com base na idade do doente, no sexo, na pressão arterial, na HDL e no tabagismo.

É importante sublinhar que o controlo dos níveis de colesterol deve assentar numa dieta saudável rica em fibra vegetal e pobre em gorduras saturadas, colesterol e ácidos gordos trans.

Por fim, numa altura em que muito se fala em saúde preventiva, considera que o rastreio regular dos valores de colesterol já é uma prática instalada em Portugal ou ainda um hábito por enraizar?

Todos os adultos devem medir o colesterol total, o colesterol das LDL (mau colesterol), o colesterol das HDL (bom colesterol) e os triglicerídeos, ou seja, o perfil lipídico, pelo menos uma ou duas vezes na década dos 20 anos, três vezes na década dos trinta, quatro vezes na década dos quarenta anos e anualmente a partir dos 50 anos. Isto no caso de os valores serem normais e não ocorrerem alterações significativas do estado de saúde. Caso contrário, será necessário fazer medições mais frequentes, como no caso de haver história familiar de doença coronária prematura (por exemplo, o seu pai teve um enfarte do miocárdio antes dos 50 anos), haver alterações marcadas do colesterol ou do restante perfil lipídico em familiares próximos.