A identificação rápida de pacientes contaminados por um tipo de “superbactéria” – as Enterobacteriaceae Resistentes a Carbapenemes (CRE, na sigla em inglês) – e o isolamento precoce desses indivíduos reduzem a transmissão em áreas de internamento nos serviços de urgência. No entanto, mantê-los por mais de dois dias na emergência compromete os esforços de contenção porque aumenta o risco de contaminação, a chamada colonização.

Esses são as principais descobertas de um estudo feito por um grupo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP). Os resultados foram divulgados na revista Clinical Infectious Diseases.

As enterobactérias são um tipo de bactéria (gram-negativas) que geralmente causam infeções em ambientes de saúde e incluem estirpes como a Escherichia coli, responsável por infeções urinárias e colite hemorrágica, e a Klebsiella pneumoniae, que pode levar à pneumonia e à infeção de corrente sanguínea. As CRE são consideradas uma ameaça à saúde pública pela dificuldade de tratamento. Os antibióticos carbapenémicos geralmente são a última linha de defesa contra infeções provocadas por esses microrganismos.

“Fizemos uma intervenção numa urgência sobrelotada, ou seja, um hotspot para transmissão de bactérias resistentes. Vimos que essa intervenção teve um impacto na redução de bactérias multirresistentes dentro da urgência e também no próprio hospital”, diz à Agência FAPESP o médico infectologista Matias Chiarastelli Salomão, primeiro autor do artigo e integrante da Subcomissão de Controlo de Infeção Hospitalar do Instituto Central do Hospital das Clínicas (HC) da FM-USP.

Estudos anteriores realizados no Departamento de Emergência já tinham demonstrado que 6,8% dos pacientes admitidos são colonizados por CRE, com uma taxa de contaminação de 18% durante o internamento no local.

Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em 2022, apontou que a cada 100 pacientes internados em hospitais para cuidados intensivos, sete – em países de alto rendimento – e 15 – em países de baixo e médio rendimento – adquirem pelo menos uma infeção associada aos cuidados de saúde. Em média, um em cada dez pacientes afetados morrerá por este motivo.

De acordo com Salomão, um dos focos do trabalho foi tentar entender e buscar alternativas para impedir que infeções na urgência se espalhassem para outras alas do hospital. “A intervenção que usamos é pragmática e pode ser aplicada em outros locais. Sobre o resultado relacionado ao internamento na emergência por mais de dois dias comprometer os esforços de contenção, acreditamos que seja uma questão de estrutura da urgência, que não é adaptada para ter pacientes de longo prazo. Ou seja, tem macas mais próximas, pontos de higiene de mãos mais distantes, entre outros”, complementa.

Passo a passo

A investigação foi conduzida na urgência do Hospital das Clínicas da USP, que tem 800 camas. Muitas vezes, porém, o local está sobrelotado, abrigando o dobro de pacientes internados, com alguns a permanecerem na unidade por mais de 11 dias.

A FAPESP apoiou o estudo através de um Auxílio à Pesquisa concedido ao médico Icaro Boszczowski, coautor do artigo.

O trabalho foi dividido em duas fases – uma realizada de 3 a 28 de fevereiro de 2020 (período de linha de base), antes de o primeiro caso de COVID-19 chegar ao Hospital das Clínicas, e a outra entre 14 de setembro e 1 de outubro do mesmo ano (período de intervenção). O hospital ficou totalmente dedicado a casos de COVID entre 1 de abril e 31 de agosto de 2020, tendo sido reaberto gradualmente a outros tipos de internação depois desta data.

A fase 1 consistiu em um período inicial para determinar a prevalência e a incidência de pacientes colonizados por CRE admitidos na urgência. Não houve intervenção nessa etapa e os pacientes internados por mais de 24 horas ficaram em macas e camas distribuídas próximas umas das outras, enquanto aguardavam transferência.

Na fase 2 (período de intervenção), indivíduos internados na urgência passaram por triagem para CRE nas primeiras 24 horas. Os positivos para superbactérias eram colocados em isolamento até à alta – 90% dos isolados estavam infectados por Klebsiella pneumoniae. Em ambas as fases, os procedimentos de limpeza e desinfeção foram semelhantes e houve controlo de antimicrobianos.

Resultado: a colonização na admissão foi de 3,4% por cultura e teste molecular. Já as taxas de contaminação por superbactéria durante a permanência na urgência caíram de 4,6% para 1% durante a intervenção. O tempo de permanência maior do que dois dias foi o fator de risco para aquisição de CRE.

“A ideia da pesquisa começou no próprio hospital, onde desde 2014 vem sendo realizado um protocolo de rastreio tanto semanal como admissional nas Unidades de Terapia Intensiva [UTIs]. Isso fez com que as taxas de colonização secundária caíssem de maneira importante. Mas um outro trabalho detetou que continuava a haver uma entrada de superbactérias”, conta Salomão, que começou a estudar o tema no âmbito do seu doutoramento.

Desse período, resultaram outros dois artigos, sendo o último publicado em 2020 na revista Emerging Infectious Disease.

O artigo Transmission of Carbapenem-Resistant Enterobacterales in an Overcrowded Emergency Department: Controlling the Spread to the Hospital pode ser lido em: https://academic.oup.com/cid/article/77/Supplement_1/S46/7219531?login=false.