“Pela presente vimos informá-la da nossa posição, de que demos já notícia a sua Exa o senhor secretário de Estado da Saúde, a qual é a de conservar o material biológico em causa, não exercendo a faculdade legal de proceder à respetiva destruição”, refere uma carta dirigida à mulher a que a Lusa teve hoje acesso.

A unidade hospitalar sublinhou ainda, na missiva, estar a aguardar a pronúncia das entidades públicas detentoras de poder administrativo e político sobre a questão.

Questionada pela Lusa, a mulher, Ângela Ferreira, assumiu ter sido apanhada de surpresa, dado ainda não ter sido contactada pela unidade hospitalar, mas não escondeu estar “imensamente feliz e aliviada”.

A mulher, que pretende engravidar do marido que morreu, solicita alterações à lei da procriação medicamente assistida, tendo reunido mais de 20 mil assinaturas num documento que, ainda esta semana, será entregue no parlamento, contou a própria à Lusa.

Em três dias, a Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) que lançou – que permite que grupos de cidadãos eleitores possam apresentar projetos de lei e participar no procedimento legislativo – reuniu as assinaturas mínimas exigidas para ser discutida e votada na Assembleia da República.

O objetivo de Ângela Ferreira é motivar uma alteração na lei, para que a procriação medicamente assistida após a morte do cônjuge seja possível em Portugal.

Esta é a segunda iniciativa da mulher que, na passada quarta-feira, fez uma petição pública para motivar uma discussão sobre o tema, tendo-a entregado no parlamento no sábado, com mais de 100 mil signatários.

O documento “Inseminação Artificial / PMA Post Mortem” refere que, tendo havido alterações à Lei nº 32/2006 recentemente, “afigura-se de extrema crueldade e descriminação que uma mulher que inicie um processo de PMA [Procriação Medicamente Assistida], durante a doença do seu marido ou companheiro, tendo criopreservado o seu sémen e com consentimento prévio assinado, não possa dar continuidade ao desejo do casal e a um projeto de vida ponderado cuidadosamente e conjuntamente”.

Esta mulher poderá, contudo, recorrer a material genético de dador desconhecido, que pode estar vivo ou morto, porque se por um lado não existe qualquer mecanismo de controle para aferir da sobrevida daquela pessoa, por outro lado todos os dados referentes a dadores são confidenciais, sendo “esta medida contraditória e desajustada”, sublinha.

A história de Ângela Ferreira foi dada a conhecer numa minissérie documental emitida na TVI.

Em conversa com a agência Lusa, Ângela Ferreira, de 32 anos, a residir no Porto, contou que quando o marido, de 29 anos, morreu vítima de cancro a 25 de março de 2019 iniciou “toda uma luta”.

“Luta” que está “longe de ter terminado”, porque a mulher assume que “vai até onde tiver de ir e faz o que tiver de fazer” para cumprir “o último desejo” do marido, desejo que também é seu.

Antes de morrer, o casal estava em processo de fertilização devido aos “agressivos” tratamentos contra o cancro, levando o homem a fazer a recolha e preservação de sémen no Centro Hospitalar Universitário São João, no Porto, onde estava a ser acompanhado, relatou.

Ângela Ferreira explicou que, antes de o marido morrer, deixou um documento autorizando-a a continuar o processo naquela instituição ou noutra que lho permita fazer.

“O Hugo [marido] fez a preservação do sémen antes dos tratamentos porque queria ser pai. Não autorizou a doação para o banco público, fez preservação apenas para uso pessoal”, sublinhou.

Entretanto, o processo ficou parado, porque a lei portuguesa não permite a inseminação pós-morte.

Dado este entrave, Ângela pretende recorrer a Espanha, país que autoriza este processo no ano seguinte à morte do cônjuge, mas o hospital não autoriza o levantamento do sémen por a lei não o prever.

“O problema é que só tenho até dia 25 de março para fazer o procedimento em Espanha, porque faz nesse dia um ano que o Hugo morreu”, reforçou.

Por esse motivo, a mulher assume estar numa “corrida contra o tempo”, mas “esperançosa”.