
No centro das atuais preocupações com a saúde e o bem-estar está a inflamação crónica, identificada como fator subjacente a sintomas tão diversos como fadiga persistente, inchaço abdominal, dores articulares, distúrbios do sono e alterações de humor. Foi esta constatação que levou Bárbara Marrucho a investigar, ao longo dos últimos anos, a relação entre os hábitos de vida e os processos inflamatórios silenciosos no organismo.
Licenciada em Ciências Farmacêuticas pela Universidade do Algarve e com experiência em farmácia comunitária e hospitalar, Bárbara Marrucho formou-se posteriormente como Health Coach e especializou-se em saúde intestinal no Institute for Integrative Nutrition, em Nova Iorque. O resultado desse percurso culmina no seu mais recente livro, Plano para acabar com a inflamação (edição Planeta) onde apresenta ferramentas de avaliação, planos alimentares e recomendações práticas para combater a inflamação.
Em entrevista, Bárbara Marrucho esclarece a diferença entre inflamação aguda e crónica, identifica sinais de alerta frequentemente ignorados no quotidiano e demonstra como pequenas mudanças de rotina — desde a mastigação consciente até à gestão do tempo de ecrã — podem impactar positivamente a saúde intestinal e o bem-estar geral. Uma conversa que visa esclarecer dúvidas comuns e apresentar uma perspetiva clara e fundamentada sobre o que significa “desinflamar” o corpo.
Nas primeiras secções da obra, encontra-se um questionário para avaliar o grau de inflamação individual, acompanhado de um plano de sete dias concebido para restabelecer o equilíbrio metabólico. Seguem-se receitas isentas de glúten e laticínios, além de orientações sobre alimentos a privilegiar ou evitar, bem como estratégias para melhorar a qualidade do sono, gerir o stresse e promover a prática regular de exercício físico.
A capa do seu novo livro tem como ilustração um garfo a suportar uma panóplia de alimentos e artefactos. O que quis transmitir com esta imagem? Reflete a ideia de que estamos constantemente a “ingerir” maus hábitos alimentares?
A capa do livro é uma metáfora visual do impacto que a alimentação e o estilo de vida têm na nossa saúde. O garfo representa as nossas escolhas diárias e a balança simboliza o equilíbrio, não no sentido do peso corporal, mas no sentido de tudo aquilo que colocamos no prato e vivemos no dia a dia poder pesar, para o bem ou para o mal, no nosso estado inflamatório. Os alimentos saudáveis e os elementos visuais da capa refletem que não é só o que comemos, mas também como vivemos que define a nossa saúde. É essa soma de hábitos que pode ajudar-nos a prevenir doenças, perder peso de forma natural e sustentável e, acima de tudo, viver melhor.
Nas primeiras páginas do livro escreve que “não é possível termos saúde se vivermos inflamados” e acrescenta expressões como “era da inflamação”. O que mudou de forma tão radical no nosso estilo de vida para termos passado de inflamações pontuais a uma “epidemia” inflamatória?
Vivemos numa verdadeira “era da inflamação” porque, nas últimas décadas, o nosso estilo de vida mudou de forma radical. A alimentação tornou-se altamente processada e cheia de ingredientes artificiais; vivemos num ritmo acelerado, constantemente stressados, com pouco tempo para parar, dormir bem ou nos mexermos.
Passamos grande parte do dia sentados e ligados a ecrãs, o que também afeta profundamente o nosso corpo. Tudo isto, em conjunto, gera um ambiente perfeito para uma inflamação silenciosa e crónica, que está na base de muitas doenças e sintomas com que tantas pessoas vivem hoje.
Uma das distinções que faz ao longo do livro prende-se com a inflamação “boa” e a inflamação “má”. Pode explicar-nos esta diferença? No fundo, há que perceber porque é que algo que existe para nos proteger de lesões, infeções ou doenças se transforma tão facilmente num inimigo…
A inflamação, por si só, não é má. É, na verdade, um mecanismo de defesa essencial. Quando temos uma lesão, uma infeção ou até um corte no dedo, o corpo ativa uma inflamação aguda para proteger e curar. Esse tipo de inflamação “boa” é rápida, eficaz e resolve-se naturalmente. O problema começa quando essa resposta inflamatória deixa de ser pontual e se torna crónica. Ou seja, quando o corpo vive constantemente em estado de alerta, mesmo sem uma ameaça real. Essa inflamação “má”, silenciosa, é como uma fogueira que nunca se apaga e vai afetando o intestino, o sistema hormonal, a imunidade e até o cérebro. E muitas vezes não percebemos, porque os sinais são vagos, como cansaço, inchaço, dores ou alterações do humor.
A inflamação “má”, silenciosa, é como uma fogueira que nunca se apaga e vai afetando o intestino, o sistema hormonal, a imunidade e até o cérebro.
Pegando nesta questão dos sinais vagos, quais são, em concreto, os sintomas que nos devem deixar alertas para o risco de inflamação?
A inflamação crónica costuma manifestar-se de forma subtil, mas persistente. Alguns dos sinais mais comuns são: cansaço constante mesmo após descansar, dificuldade em perder peso, inchaço abdominal, obstipação ou diarreia frequente, dores articulares, dores de cabeça recorrentes, insónias, pele reativa, alterações de humor e dificuldade de concentração. Também pode surgir como ciclos menstruais irregulares, queda de cabelo ou imunidade fraca. São sintomas que muitas vezes normalizamos, mas o corpo está, na verdade, a pedir atenção.

Sabemos que a alimentação está profundamente ligada à saúde intestinal. O que ocorre no intestino que o torna tão determinante no equilíbrio — ou desequilíbrio — do corpo?
O intestino é muito mais do que um simples órgão digestivo. Dentro dele vive uma enorme comunidade de bactérias, fungos e outros microrganismos, conhecida como microbiota intestinal, que desempenha um papel fundamental no equilíbrio da saúde. Essa microbiota ajuda a digerir alimentos, produzir vitaminas, fortalecer o sistema imunitário e até comunicar com o cérebro. Quando a alimentação é inadequada, rica em açúcares, ultraprocessados ou pobre em fibras (legumes, frutas, cereais integrais, sementes, frutos secos, leguminosas) essa comunidade pode se desequilibrar, levando à chamada disbiose. Esse desequilíbrio pode originar sintomas gastrointestinais e compromete a barreira intestinal, facilitando a entrada de toxinas e substâncias inflamatórias na corrente sanguínea, o que pode desencadear inflamação crónica e afetar órgãos e sistemas distantes, como o cérebro, a pele e até as articulações.
Quais são os alimentos que recomenda — e os que devemos eliminar de imediato — quando o objetivo é acalmar o corpo e desinflamar?
Quando o objetivo é acalmar o corpo e reduzir a inflamação, recomendo dar prioridade a alimentos naturais e ricos em compostos anti-inflamatórios, sem ser extremista ou eliminar grupos alimentares de forma radical. No meu livro, por exemplo, limito o glúten, os lacticínios, açúcares porque esses alimentos podem, para algumas pessoas, ser gatilhos inflamatórios ou dificultar a digestão.
Em vez disso, foco em alimentos que promovem a saúde intestinal e o equilíbrio do sistema imunitário, como vegetais variados, especialmente os verdes folhosos, frutas com baixo índice glicémico, gorduras saudáveis, como o azeite virgem extra, o abacate e os frutos secos; peixes ricos em ômega-3, especiarias como curcuma e gengibre, e cereais integrais sem glúten, como quinoa e arroz integral.
Evito o consumo excessivo de açúcares refinados, ultraprocessados, alimentos muito industrializados, glúten e laticínios em excesso, especialmente os mais processados, pois estes tendem a aumentar a inflamação em muitas pessoas.
No fundo, a ideia é escolher alimentos que nutram o corpo e o intestino, promovendo equilíbrio sem recorrer a restrições drásticas, adaptando sempre às necessidades individuais.
Dormir mal, viver em modo “piloto automático”, estar sempre online — tudo isto inflama?
Sim, absolutamente. Dormir mal, viver em “piloto automático” e estar sempre ligado a dispositivos digitais são grandes fontes de stresse crónico, que é uma das principais causas da inflamação no corpo.
Quando não descansamos bem, o organismo ativa respostas inflamatórias para se proteger, o que, a longo prazo, pode prejudicar o equilíbrio do sistema imunitário e do intestino. Além disso, o stresse constante, altera a produção de hormonas e neurotransmissores, afetando o funcionamento do intestino e a saúde geral.
Estar sempre online também dificulta o descanso mental, aumenta a ansiedade e reduz a capacidade do corpo de se regenerar, promovendo um círculo vicioso de inflamação.
Por isso, desacelerar, priorizar o sono e estabelecer limites com ecrãs são essenciais para manter o corpo calmo e evitar o excesso de inflamação.
As mulheres entre os 30 e os 50 anos vivem muitas vezes com queixas crónicas — cansaço, insónias, distúrbios menstruais, dificuldade em perder peso. Em que medida estas manifestações podem ter como raiz um estado de inflamação persistente?
Essas manifestações tendem a surgir ou intensificar-se entre os 30 e os 50 anos porque é uma fase de transição profunda no corpo da mulher. Há uma oscilação natural das hormonas, sobretudo estrogénio e progesterona, que começa anos antes da menopausa, e esse processo torna o corpo mais sensível à inflamação.
Além disso, é uma fase em que muitas mulheres acumulam responsabilidades: trabalho, filhos, casa, falta de tempo para cuidar de si. O stresse crónico, o sono irregular e a alimentação rápida e desequilibrada vão-se somando, muitas vezes de forma silenciosa, e o corpo entra num estado de inflamação persistente.
Essa inflamação, por sua vez, interfere com o sistema hormonal, o metabolismo e até com a saúde intestinal. E é assim que surgem os sintomas: cansaço que não passa, dificuldade em dormir, ciclos irregulares, peso que não baixa, mesmo com esforço.
Não é só uma questão hormonal ou de idade, é o corpo a reagir a anos de sobrecarga, muitas vezes sem pausa para recuperação.
O plano que propõe tem sete dias e promete um reset profundo ao organismo. Quer, brevemente, explicar-nos como estrutura este plano? Que tipo de resultados concretos é possível alcançar — física e emocionalmente — ao fim de uma semana?
O plano de sete dias que proponho é uma introdução simples, mas eficaz, a uma alimentação mais anti-inflamatória. Não é uma dieta restritiva, nem uma solução milagrosa, é um ponto de partida. As receitas foram pensadas para reduzir alimentos que mais frequentemente promovem inflamação, como açúcares, glúten em excesso e lacticínios, e dar lugar a ingredientes naturais, variados e cheios de cor e sabor.
Em apenas uma semana, claro que não se transforma toda a saúde, mas já é possível sentir mudanças reais: menos inchaço, mais energia, digestões mais leves, melhoria no sono e até maior clareza mental. Muitas pessoas também sentem, pela primeira vez em muito tempo, uma sensação de bem-estar no corpo.
O objetivo não é a perfeição, mas sim mostrar como comer de forma mais consciente pode fazer uma grande diferença e que esse é um caminho possível e prazeroso de continuar.
O sono e o stresse continuam a ser dois grandes fatores ligados à inflamação e, ainda assim, são desvalorizados.
Como refere, o seu plano vai muito além da comida. Propõe uma abordagem holística — que envolve o sono, o stresse, o movimento e até a qualidade das relações. Que hábitos quotidianos têm mais impacto na inflamação e são, ainda assim, sistematicamente desvalorizados?
O sono e o stresse continuam a ser dois grandes fatores ligados à inflamação e, ainda assim, são desvalorizados. Dormir mal, noite após noite, deixa o corpo em alerta, sem tempo para se regenerar. E viver com o stresse sempre no limite, a tentar dar resposta a tudo e a todos, só alimenta esse estado inflamatório de fundo. Vivemos numa era em que “parar é morrer” como se costuma dizer mas, na realidade, não parar é que pode estar a originar a falta de saúde de muita gente.
Mas há outras coisas menos faladas e que vejo muito nas minhas consultas. Uma delas é a forma como comemos. Muitas vezes, a pessoa até escolhe bons alimentos, mas come a correr, sem mastigar bem, ao telemóvel ou ao computador. E isso já é um fator de stresse para o corpo. A digestão começa na boca: se não mastigamos, o intestino paga a fatura e a inflamação começa muitas vezes no intestino.
E depois há o excesso de estímulo. Estamos sempre ligados, sempre a consumir conteúdo. Nunca há um verdadeiro descanso mental. Esse ritmo constante, mesmo quando estamos sentados, mantém o sistema nervoso em alerta, e isso inflama.

Em que medida o plano é acessível a quem tem uma rotina intensa, filhos pequenos ou pouco tempo para cozinhar? O seu livro propõe uma mudança de fundo ou acredita que bastam pequenos ajustes para começarmos a sentir benefícios reais?
Tenho uma rotina intensa, um filho pequeno e pouco tempo para cozinhar e fazer exercício, por isso, sei exatamente o desafio que é. Mas cuidar de nós é mesmo essencial para conseguirmos estar bem para eles.
O plano que proponho é acessível porque não exige perfeição, mas sim organização e escolhas simples. Preparar refeições para mais do que um dia, fazer a lista de compras no fim de semana, ter sempre legumes prontos, uma panela de sopa no frigorífico, ou mesmo, em último caso, juntar uma salada de pacote à refeição, são estratégias que facilitam muito o dia a dia.
Quanto ao exercício, não é preciso ir ao ginásio. Uma caminhada com os filhos, subir e descer escadas, brincar no parque…. tudo conta como movimento e já ajuda a reduzir a inflamação e a melhorar o bem-estar.
O meu livro propõe imensas estratégias anti-inflamatórias, mas acredito que pequenos ajustes consistentes já fazem uma grande diferença e são o melhor ponto de partida para sentir benefícios reais, mesmo com pouco tempo. O segredo está em começar, sem culpa, e ir adaptando conforme a rotina.
O plano que proponho é acessível porque não exige perfeição, mas sim organização e escolhas simples.
No fundo, podemos entender o seu livro como um apelo a uma nova forma de viver: mais presente, mais simples, mais alinhada com o que o corpo precisa. Acredita que estamos prontos — cultural e emocionalmente — para essa mudança?
Acredito que nunca estaremos “totalmente prontos” para mudanças profundas. Vivemos num mundo acelerado e as desculpas aparecem, o stresse do dia a dia pesa, e a sensação de que não temos tempo ou espaço para cuidar de nós é muito real.
Mas a verdade é que não precisamos de estar prontos para começar. O mais importante é dar o primeiro passo, mesmo que pequeno, e fazê-lo por nós mesmos, não por pressão externa, mas pelo desejo de melhorar o nosso bem-estar. Essa mudança não acontece de um dia para o outro, é um processo gradual, que pede consistência e flexibilidade.
E quando começamos a notar os primeiros resultados, isso dá motivação para continuar, mesmo quando surgem desafios.
Por isso, o meu livro é, antes de mais, um convite para uma nova forma de viver. Não é sobre perfeição, mas sobre respeito próprio e cuidado progressivo.
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