Talvez não seja do conhecimento geral, mas a realidade é que falar inglês revela ser uma verdadeira tortura para milhares de pessoas no nosso país. Ouve-se dizer que os portugueses falam muito bem inglês e que temos muito mais facilidade do que os espanhóis, os franceses ou os italianos. Mas temos de perceber porquê.

Nada disto tem a ver com capacidades especiais dos portugueses e é importante ir desconstruindo alguns dos mitos em torno deste tema. A nossa boa pronúncia inglesa tem duas razões muito concretas de ser e que nada têm a ver com talento nacional.

A primeira é que temos uma exposição ao inglês mais intensa do que outras culturas. A segunda tem a ver com o facto de o português de Portugal ser uma língua que abrange muitos sons que ocorrem também em várias outras línguas do mundo. Isto significa que, só pelo facto de termos nascido em Portugal, e sem qualquer esforço ou capacidade especial, a nossa língua e boca conseguem produzir sons que pessoas de outras nacionalidades não conseguem.

Ao mesmo tempo, nas vagas de emprego exigem frequentemente um nível de inglês elevado. O que é que significa nível elevado? Por vezes, nem as empresas sabem, nem as pessoas que respondem aos anúncios.

Por estas e outras razões, para muitas mulheres portuguesas torna-se difícil aprender a falar inglês sem trabalhar as competências necessárias para lidar com o erro, que é tão necessário para aprender uma nova língua. Autoras como a norte-americana Brené Brown, com o seu "A Coragem de Ser Imperfeito", e a britânica Shahroo Izadi, autora de "The Kindness Method", ensinam-nos que, para mudarmos hábitos antigos, precisamos de mudar a forma como falamos connosco quando erramos ou não atingimos os objetivos a que nos propomos. Reconhece em si este diálogo interno?

Ana Calha, autora dos cursos English for Life, com aulas de conversação em pequenos grupos online, deixa-lhe algumas dicas que deve ter em conta para vencer o medo de falar inglês.

1. Quando falar inglês tire uns segundos para interiorizar o que está a sentir

Falar numa língua que não seja a materna pode provocar um estado de desconforto. E principalmente se for em frente a outras pessoas. O que requer coragem e  demonstra vulnerabilidade. Por isso o evitamos tanto, já que gostamos de controlar todo este processo. Como tal não é possível, começamos a sentir-nos mal.  A primeira dica seria, aos poucos, tentar não fugir do desconforto. Tirar uns segundos para sentir o momento. Não pensar, mas mesmo sentir. Para que, da próxima vez, seja um pouco mais fácil não tentar escapar do desconhecido.

2. Treine com pessoas com quem se sente mais à vontade

Em qualquer processo no qual nos apresentamos ao outro com alguma fragilidade ou vulnerabilidade, estamos a abrir-nos não só à nossa auto-crítica mas a uma variedade de reações. Na realidade, a maior parte das pessoas não nos estão a analisar com a intensidade com que nós nos auto-analisamos. Ainda assim, é importante irmos ganhando confiança para falar inglês gradualmente. Por que não começar com pessoas com quem nos sentimos mais à vontade? Brené Brown refere a importância de termos atenção ao facto de escolher não ouvir aqueles que são meros comentadores da vida dos outros. Aquilo a que chama "pessoas que não estão na arena da vida". Acontece muitas vezes prestarmos mais atenção à opinião destas pessoas do que à daquelas que são construtivas e participativas.

3. Defina pequenos objetivos

Ao invés de começar por uma apresentação profissional de 20 minutos, porque não inicia a sua intervenção com uma frase ou uma pergunta? Em muitos casos, as pessoas passam anos a evitar falar inglês, pedindo ajuda àquele colega que acham que fala melhor ou ao tradutor do Google. Nada de errado com isso. Mas, se o seu objectivo é, de facto, conseguir falar, vá passo a passo. E volte à dica número um deste artigo para perceber o que sente e não fugir do possível desconforto que isso implica.

4. Informe-se sobre o processo de aprendizagem de uma segunda língua

Temos muitas ideias erradas sobre o que significa ser bom falante de uma segunda língua. E as consequências naturais destes mitos levam-no a sentir um peso desnecessário. Que tal pesquisar "competências/estratégias de aprendizagem de língua estrangeira" no Google? Em qualquer curso de inglês é muito importante aprender como, por exemplo, ouvir e ler numa segunda língua. As expectativas erradas levam a impasses desnecessários. Também é interessante poder abrir o Quadro Europeu de Referência para as Línguas (QCER) e ver concretamente o que é esperado de cada nível de inglês. Geralmente está abaixo do que aquilo que realmente podemos fazer com o inglês que temos. Mais uma vez, expectativas erradas conduzem a um desgaste desnecessário.

5. Analise sinceramente como se refere a si próprio quando não fala como gostaria

Este é sem dúvida o trabalho mais profundo mas mais direto à verdadeira questão por detrás do processo de falar inglês. É a porta para passarmos diretamente a viver vidas mais autênticas e a desfrutar de qualquer processo de aprendizagem. Podemos, claro, aprender muitas técnicas, preparar em casa apresentações brilhantes em inglês. Mas falar inglês ou comunicar não é isso. As dificuldades associadas a isto abrem-nos a porta para uma vida mais sincera. Podemos, através disto, observar o diálogo interior que temos connosco e encontrar formas de sermos menos austeras. Com toda a certeza, não falaríamos com alguém que amamos da mesma forma que falamos connosco quando nos estamos a desafiar a fazer algo que é muito difícil.

Conclusão

Falar inglês livremente e de forma autónoma é um processo de constante tentativa e erro. E feito frente aos outros. Isto não ajuda nada quem sofre da maleita tão comum que é o perfecionismo, o fazer para os outros e não para nós. Falar inglês é, então, mais uma porta para escolhermos que tipo de vida queremos viver. Desfrutamos de quem somos a cada momento ou esperamos um momento de perfeição para entrarmos nas conversas, participarmos e estarmos presentes?

Podemos obviamente aprender mais inglês. É essencial e vai trazer mais e mais confiança. Mas, para milhares de mulheres em Portugal, parece que nunca chega o dia em que sentem que já têm inglês suficiente para dizer o que querem. Estas dicas são sobre esta parte essencial da aprendizagem, a parte de vencer o medo.


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