O nome pode ser-nos desconhecido, mas Eglantina Zingg é uma figura com grande influência na América Latina, no mundo da moda, televisão e ativismo social. Além de ter sido apresentadora da MTV Latin America e do Project Runway Latin America, a venezuelana fez capas de revistas de moda como a Elle e a Vogue – onde foi reconhecida como ícone de uma geração pela iniciativa "Vozes da Mudança".
Em 2016, fundou o projeto Goleadoras, cujo principal objetivo é promover a igualdade de género através da prática de futebol.
Depois de implementado em países como Colômbia, Estados Unidos, México, Venezuela e Haiti, Goleadoras chega a Portugal, e à Europa, através de uma parceria com a Fundação Sporting e o Centro Social da Musgueira, onde vai decorrer o programa, focado em raparigas entre os 7 e os 17 anos.
Como surgiu a ideia de criar o projeto Goleadoras e qual foi a sua principal motivação?
O Goleadoras surgiu da minha experiência na infância. Cresci no meio da Amazónia venezuelana, e os meus únicos vizinhos eram comunidades indígenas. Não tínhamos a mesma aparência, não nos vestíamos da mesma forma e nem sequer falávamos a mesma língua. Mas havia uma bola de futebol. Aquela bola ensinou-me, desde muito nova, que temos muito mais em comum do que aquilo que nos separa. Mais tarde, enquanto construía a minha carreira na MTV, alcançando milhões de jovens em toda a América Latina, e ao ver as dificuldades na Venezuela – a profunda crise política e todos os desafios sociais que a acompanharam – senti a responsabilidade de usar a minha plataforma para me relacionar com os jovens e promover valores como a solidariedade e o respeito. Foi daí que surgiu a ideia para o Goleadoras: criar um caminho para a próxima geração, usando o futebol como o grande catalisador de mudança, ajudando as raparigas a quebrar barreiras, igualando o campo de jogo e unindo pessoas e comunidades.
Quais foram os principais objetivos que definiu para o projeto desde o início?
O Goleadoras sempre teve uma missão clara: derrubar as barreiras de género e dar às raparigas oportunidades iguais para ter sucesso. Os nossos principais objetivos sempre foram capacitar raparigas e jovens adultas, fortalecendo a resiliência, a autoconfiança, o trabalho em equipa e as competências de liderança, não só no desporto, mas também na vida. Cada rapariga deve ter um espaço para sonhar, crescer e realizar os seus objetivos, apoiada por uma forte comunidade e com as competências necessárias para concretizá-los.
Qual é a metodologia do projeto e de que forma a colaboração com a Universidade de Columbia ajudou a desenvolver essa abordagem?
A nossa metodologia é única. Foi desenvolvida com psicólogos, jogadoras profissionais e especialistas, especificamente para raparigas, de forma a combater a desigualdade de género no desporto e apoiar este grupo desfavorecido. Estamos alinhados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, especialmente o ODS 5, sobre igualdade de género. A nossa colaboração com a Universidade de Columbia consistiu num estudo de caso feito por Jeffrey Sachs e a Escola de Economia de Columbia, que mostrou como a nossa metodologia ajuda a reduzir a desigualdade de género e a contribuir para erradicar a pobreza, ao construir a autoconfiança das raparigas e proporcionar-lhes uma comunidade que as apoia. O Goleadoras ajuda-as a manterem-se envolvidas na escola e a desenvolver as competências para traçarem o seu próprio caminho, dentro e fora do campo.
Quais foram as histórias de participantes do Goleadoras que mais a tocaram e ilustram o impacto positivo do projeto nas suas vidas?
Temos muitas histórias de sucesso emocionantes, mas a história de Deyna Castellanos é notável e merece ser partilhada. A Deyna foi uma das nossas primeiras formandas na Venezuela e tem alcançado coisas incríveis desde então. Conseguiu uma bolsa na Florida State University. Hoje, é uma das jogadoras de futebol feminino mais reconhecidas do mundo, com títulos como Melhor Golo da FIFA, a Bola de Ouro e a Chuteira de Ouro. Ela jogou pelo Atlético de Madrid, pelo Manchester City e agora pelo San Francisco. O sucesso de Deyna é prova de que, embora a nossa principal missão seja capacitar raparigas com competências socioemocionais, também ajudamos jovens atletas talentosas a encontrarem o seu caminho para o palco global.
De que forma o futebol, como ferramenta de empoderamento, pode ajudar a transformar comunidades e a promover a igualdade de género?
O futebol, tal como a música, é uma linguagem universal que une as pessoas, independentemente da sua origem. Quando incentivamos as raparigas a jogar, estamos a derrubar estereótipos que não nos definem, mas que nos limitam. Isso muda mentalidades nas comunidades, abrindo portas para conversas e nivelando o terreno, dentro e fora do campo. As raparigas que se sentem empoderadas pelo nosso programa levam essa confiança para outras áreas da vida. Isso inspira não só as próprias e as suas famílias, mas também as comunidades a apoiar a igualdade de género e a dar uma oportunidade justa a todas as pessoas.
Que desafios encontrou ao implementar o projeto em diferentes comunidades?
Não podemos esquecer que os desafios também trazem oportunidades, e cada comunidade é diferente. Por vezes, há resistência à ideia de que as raparigas pratiquem desporto, especialmente em lugares com normas de género muito fortes. Em outras comunidades há falta de espaços seguros ou de recursos. Mas esses "desafios" tornam-se oportunidades para os líderes locais e as famílias adaptarem o programa às suas necessidades específicas, construindo confiança e um espírito de colaboração que faz toda a diferença ao ajudar as raparigas e as famílias a adotarem o Goleadoras como parte da comunidade.
Com a expansão para a Europa e a parceria com a Fundação Sporting, quais são as suas expectativas e como pretende implementar o projeto em Portugal?
As expectativas são elevadas, embora ainda estejamos a consolidar o projeto. O Sporting é um clube com grande mérito e propósito. Partilhamos muitos valores, por isso consideramos que é o parceiro ideal para o nosso projeto. Estamos muito orgulhosos de iniciar esta parceria. O objetivo é expandir pela Europa depois deste primeiro ano-piloto. Em parceria com o Centro Social da Musgueira, temos a oportunidade de testar a metodologia num contexto europeu e criar um impacto significativo nas vidas destas jovens.
Como tem sido a receção do projeto por parte das comunidades e das jovens envolvidas?
A resposta tem sido incrível. Famílias, professores e líderes locais têm realmente abraçado o programa porque veem o impacto positivo que ele tem nas raparigas. As participantes dizem frequentemente que o Goleadoras parece uma segunda família, um lugar onde pertencem e são apoiadas. Este sentido de comunidade tem sido essencial para o nosso sucesso, e somos muito gratos a todos os que confiaram em nós para fazer parte das suas vidas.
Que tipo de apoio e parcerias têm sido mais eficazes para o crescimento do projeto e como a associação de celebridades influencia?
As nossas parcerias com organizações que partilham a nossa visão, como a Nike, o Atlético Nacional e agora o Sporting e a Fundação Sporting, têm sido inestimáveis. Elas trazem recursos, visibilidade e credibilidade, o que nos ajuda a crescer e a alcançar mais raparigas. A associação com celebridades amplifica a nossa mensagem e ajuda-nos a criar relação com um público maior. Estes apoios de alto perfil (como o Ricky Martin, que faz parte da nossa direção e apoia a causa) chamam a atenção para o programa e inspiram outros a envolver-se. Mas, no final, o nosso maior impacto vem do trabalho que fazemos diretamente com as raparigas em campo.
Que competências ou habilidades as participantes desenvolvem através do Goleadoras que podem ser úteis na sua vida pessoal e profissional?
O Goleadoras centra-se em desenvolver competências interpessoais que vão além do futebol. As raparigas aprendem trabalho em equipa, liderança, comunicação e disciplina, entre outras. São competências que levam consigo para a escola, carreiras futuras e para as suas vidas pessoais. Muitas das nossas participantes destacam-se academicamente e tornam-se modelos nas suas comunidades. A confiança que ganham com o programa dá-lhes força para enfrentar os desafios de frente, sabendo que têm a capacidade de fazer as coisas acontecerem.
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