O que é que me faz sentir frustração a cada dia? Porque é que não sou capaz de estar satisfeito com o meu ambiente de trabalho? Porque é que perco a cabeça com os meus filhos? A todas estas perguntas, a psicóloga clínica espanhola Silvia Álava, responde com um caminho, o de encontrarmos o nosso bem-estar emocional. No livro Porque é que não sou feliz? - Goza a vida sem complicações (edição HarperCollins), Silvia Álava apresenta-nos a sua abordagem à felicidade. Destituí-a dos modelos que a nossa sociedade encontrou para definir felicidade, como a busca constante do prazer e satisfação, e ensina-nos a saber lidar com a frustração. Não é possível “ter emoções agradáveis 24 horas por dia, nos sete dias da semana”, sublinha a professora universitária e divulgadora científica.

Para a autora, ser feliz não significa viver num mundo cor-de-rosa. Esse é um lugar que não existe. Como também não existe, de acordo com Silvia Álava, fundamento para levarmos à letra expressões como “luta pelos teus ideias e sonhos porque vais conseguir”. Nem todos os objetivos são concretizáveis, há que saber viver com metas realizáveis e objetivas.

Há muitas definições para a felicidade. Qual é a definição perfilhada pela Silvia Álava?

É certo que conseguirmos alcançar a felicidade vai depender da definição que lhe damos. Qual é o problema? Atualmente, confundimos a felicidade com a sensação de alegria. Dizemos que estamos felizes, quando na realidade estamos a experienciar uma sensação agradável que é a alegria. A felicidade está em compreender a vida e compreender, em parte, as emoções, quer as agradáveis, quer as desagradáveis. Saber propiciar os bons momentos e saber aceitar aqueles que não são tão positivos. A minha definição de felicidade aproxima-se daquela que foi definida por Santo Agostinho: “A felicidade é continuar a desejar tudo o que já se possui”. A felicidade encontra-se nas pequenas situações e momentos do dia a dia. Há que saber colocar a atenção e aprender a criar situações agradáveis, mas também aceitar aquilo que não podemos mudar.

“Morremos literalmente mais depressa ou mais devagar quando não temos amor na nossa vida” - Neuropsicólogo Alexandre Machado
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Certo, mas o ideal de felicidade varia de acordo com o período histórico e as diferentes sociedades.

Creio que se trata de um enfoque mais filosófico aquele que aponta. No que toca ao ponto de vista psicológico, a ideia de felicidade varia muito dependendo do momento em que vivemos, a nível histórico e a nível pessoal. Quase todos conhecemos a Pirâmide das Necessidades de Maslow [cinco categorias de necessidades humanas: fisiológicas, segurança, afeto, estima e autorrealização], com impacto na felicidade. Se não cubro as necessidades básicas, é muito difícil passar ao patamar seguinte. Quando olhamos para algumas épocas históricas em que essas necessidades elementares estão comprometidas, eventualmente, a sociedade não associará a felicidade ao prazer. Hoje em dia, o problema é associarmos a felicidade, ao nível da sociedade, ao hedonismo, ou seja, ao prazer. Não é viável ter emoções agradáveis 24 horas por dia, nos sete dias da semana. Por isso é tão importante aprender a tolerar a frustração. Para aprendermos a estar bem, temos de viver com a frustração. Há que saber tolerá-la, assim como as emoções que são desagradáveis. Podemos ser felizes com algo tão simples como crescermos como pessoas.

De facto, a sociedade parece “oferecer-nos” a felicidade como a recompensa de um acumulado de experiências e de bens materiais. De acordo com as suas palavras é algo muito negativo…

Sim, como disse, a sociedade vive a felicidade numa perspetiva hedónica, ou seja, associada à fruição e ao prazer, o que em si mesmo não é mau. Todos nós gostamos de viver bons momentos. Contudo, tira-nos uma perspetiva mais equilibrada de felicidade, associada ao crescimento pessoal, o de vivermos de acordo com os nossos valores e princípios e encontrarmos neles um sentido para a nossa vida. Quem sabe, se regressássemos a essa perspetiva mais harmoniosa de felicidade, a encontrássemos e, de facto, nos sentíssemos muito melhor.

“Muito cuidado com a frase, ‘luta pelos teus ideais e sonhos porque vais conseguir’” – Psicóloga Silvia Álava
De acordo com Silvia Álava, ser feliz não significa viver num mundo cor-de-rosa, onde tudo é maravilhoso. créditos: Pablo Blázquez

Sairíamos a ganhar…

Sim. O problema da felicidade hedónica é que nem sempre é possível estar a fazer coisas divertidas ou agradáveis. Uma perspetiva como essa seria tremendamente infantil, a de não enfrentarmos as coisas que não são agradáveis. Seria fantástico, mas tenho a dizer: bem-vindo ao mundo real. Quando assinamos um contrato de trabalho, temos de programar o despertador para nos despertar de manhã cedo. Daí encontrarmos o tal sentido para a vida, o crescimento e, sobretudo, que se trabalhe o bem-estar emocional.

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Atualmente falamos muito de saúde mental e de como a pandemia destapou os problemas de saúde mental que antes estavam encobertos. A definição da Organização Mundial da Saúde para a saúde mental é “o estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza as suas capacidades, pode fazer face ao stress normal da vida, trabalhar de forma produtiva e frutífera e contribuir para a comunidade em que se insere”. Não é aquilo que tem acontecido ultimamente. O dia a dia complicou-se muitíssimo, com a crise do Coronavírus, uma inflação crescente e a guerra na Ucrânia. Face a isto, não implementámos as ferramentas e capacidades que temos e, por isso, vemos que depois do primeiro ano de pandemia os transtornos emocionais associados à ansiedade e ao stress cresceram 95%. Por isso é importante aprender a regular estas emoções, não só porque seremos mais felizes, como também iremos cuidar da nossa saúde mental.

Hoje em dia, o problema é associarmos a felicidade, ao nível da sociedade, ao hedonismo, ou seja, ao prazer. Não é viável ter emoções agradáveis 24 horas por dia, nos sete dias da semana.

Neste sentido, a felicidade depende menos das condições envolventes do que da forma como nos relacionamos connosco?

A felicidade não está tão fora de nós mesmos como muitas vezes pensamos. Algo que nos afasta da felicidade é pensarmos que a alcançaremos quando atingirmos os nossos objetivos. Mas, muitas vezes estamos a hipotecar a nossa felicidade porque não nos permitimos ser felizes nesse caminho para objetivos como, por exemplo, tornar-me independente, ter filhos, mudar de trabalho. E quantas vezes, atingido o objetivo, percebemos que não estava aí a felicidade. Ou seja, relaciona-se mais com a perspetiva de como narramos a nossa vida e vemos o mundo. Para incrementar o bem-estar emocional e para ser feliz, muitas vezes não há que fazer grandes mudanças na vida. Por exemplo, começarmos a cuidar-nos com coisas que são alcançáveis, como dormir oito horas, descansar, praticar uma dieta equilibrada e, a partir daí, começar a gerar sensações agradáveis. Outro exemplo, o de implementarmos a nossa rede de amigos, a rede de apoio social que, sabemos, é uma grande força para momentos agradáveis e também um fator protetor num momento em que nos possa surgir um problema de saúde mental.

“Muito cuidado com a frase, ‘luta pelos teus ideais e sonhos porque vais conseguir’” – Psicóloga Silvia Álava
Silvia Álava desempenha as funções de psicóloga sanitária e educativa. Pablo Blázquez

Por falar em redes sociais, neste caso as digitais, estas são muitas vezes apontadas como meios superficiais para exteriorizar uma felicidade que não existe. Não estaremos a construir uma falsa imagem de felicidade que, na realidade, não praticamos?

Não podemos afirmar que as redes sociais sejam más em si mesmas, nem lhes apontar a culpa de tudo o que nos acontece. Estas redes têm muitas coisas positivas, mas quando não as usamos corretamente podemos ter consequências que são negativas. Como sabemos, nas redes sociais a nossa vida não é, muitas vezes, reportada de forma objetiva. Projetamos uma vida que não temos. Os adultos poderão ter consciência disso, mas aos adolescentes falta-lhes a experiência vital para avaliarem a sua vida face à dos outros e perceberem que não é menos interessante. Muitos jovens estão frustrados por acharem que aquilo que veem nas redes é muito mais interessante do que a sua vida pessoal. Depois, há a questão da comparação social, com os nossos iguais. Comparamo-nos para sermos infelizes. Comparamo-nos com os que nos são próximos porque têm algo que eu quero: é mais alto, mais elegante, tem um carro melhor...

Há que saber usar as redes sociais com inteligência, perceber que não são um concurso sobre quem tem mais seguidores ou mais “gostos”. Temos de saber trabalhar a nossa autoestima fora das redes. Saber quem somos, como somos e não necessitarmos do reforço das redes sociais que pode ser extremamente envolvente.

Como sabemos, nas redes sociais a nossa vida não é, muitas vezes, reportada de forma objetiva. Projetamos uma vida que não temos.

Uma das frases que mais escutamos é a de que “devemos lutar pelos nossos sonhos”. Mas, na realidade, como começar uma luta se não temos as ferramentas? Onde as vamos encontrar?

Há algo que é bastante controverso e que os psicólogos têm como claríssimo: muito cuidado com a frase “luta pelos teus ideais e sonhos porque vais conseguir”. Nem todos temos as mesmas habilidades e recursos e, por muito que nos empenhemos com o “tu podes”, lamento, mas não é assim. A primeira coisa a fazer é conhecermo-nos a nós mesmos. Não é algo novo, é algo inscrito há milénios no Templo de Apolo, em Delfos, na Grécia: "conhece-te a ti mesmo". Temos de ter claro quais são os nossos pontos fortes e os fracos e, a partir dai, estabelecer objetivos que sejam alcançáveis. Aí, podemos estabelecer um plano de ação.

O problema é colocarmo-nos objetivos que não são realistas. Por exemplo, não sou uma pessoa particularmente coordenada o que me leva a não ser boa desportista. Logo, se o meu objetivo na vida for ser atleta olímpica, isso não será possível. Os objetivos têm de ser fazíveis, alcançáveis. Reforço, cuidado com a mensagem “tu vais conseguir”. Nem sempre assim é e não há qualquer problema em não alcançarmos tudo.

porque é que não sou feliz?
créditos: Oficina do Livro/CalderónSTUDIO

Se, como relata no seu livro, 50% da felicidade se liga à genética, não estaremos prisioneiros dos nossos genes na procura da felicidade?

Aludo no livro a alguns estudos de Sonja Lyubomirsky [professora na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos] que sublinham que 50% da felicidade se deve à genética. Estudos em irmãos gémeos monozigóticos [partilham 100% da carga genética], separados à nascença, constata-se que quando chegam à maturidade o seu bem-estar emocional depende menos do meio em que cresceram, do que da genética, esta com um peso de 50%. As circunstâncias em que vivemos concorrem com 10% para a felicidade. Acresce que 40% da nossa atividade emocional concorre para a felicidade.

É certo que podemos considerar que 50% é muito para ser determinado pela genética. A ciência diz-nos que a genética tem uma carga importante em muitíssimos aspetos. Gosto de interpretar com um “cuidado”. Se perguntarmos às pessoas o que tem mais peso na sua felicidade, dir-nos-ão que são as circunstâncias que lhes coube em sorte. Parece-me animador saber que as circunstâncias têm uma carga de apenas 10% e que todos temos um incrível potencial de melhorar a nossa felicidade em 40% ao podermos incrementar o nosso bem-estar emocional. Para isso é importante contar com técnicas que nos servem para implementar esse bem-estar como explico no meu livro [ex. aprender a ser realista, praticar o pensamento positivo, tomar boas decisões].

Porque nos diz a Silvia Álava no seu livro que somos “analfabetos emocionais”?

Somos “analfabetos emocionais” no sentido em que as emoções não nos são bem explicadas, quais as diferenças entre elas e de como nos informam sobre o que acontece connosco. As emoções más não existem, todas são boas porque nos estão a informar. É claro que algumas são agradáveis, todos queremos sentir alegria, calma, orgulho ou satisfação. Por outro lado, ninguém quer sentir tristeza, aborrecimento ou raiva. Muitas vezes, o que nos ocorre é que nos falta um vocabulário emocional que nos permite definir uma emoção em específico. Quando nos perguntam, “como estás?”, a nossa resposta é “bem” ou “mal”, mas há um universo de tonalidades entre uma emoção e outra. Uma vez atribuído um nome à minha emoção, serei capaz de lidar com ela. Ou seja, há que implementar um vocabulário emocional que seja preciso.

Finalmente, como pode a psicologia positiva apoiar-nos neste caminho para a felicidade?

Um dos pais da psicologia positiva é Martin Seligman, que propõe algumas atividades que transpus para o meu livro. Por exemplo, pensar a cada dia em três momentos agradáveis e passá-los a escrito chegada a noite. Também nos fala das seis virtudes do carácter que são traços positivos da personalidade. A psicologia positiva entende a felicidade como a possibilidade de ir adquirindo as fortalezas de carácter. As seis virtudes são a sabedoria/conhecimento, a coragem, a humanidade, a justiça, a temperança e a transcendência.