"Sinto sempre que o que vai falar mais alto é a canção. E isso neste disco está bem presente, porque adoro as canções e depois de as ouvirem vão perceber que a voz das pessoas [que colaboraram comigo] faz todo o sentido". Diogo Piçarra está grato pelas colaborações que conseguiu concretizar no seu novo álbum, 'Sentimental', que ajudaram a completar este novo trabalho.
Este disco chegou no dia 1 de março mas, conta o artista, já poderia ter sido apresentado no ano passado porque as canções já estavam feitas [não terminadas]. No entanto, precisou de mais tempo para maturar as ideias e chegar a "um conceito forte".
Diogo Piçarra acaba de lançar um álbum cheio de sentimentos e com toques eletrónicos, mas sem deixar de lado a sua essência das baladas. Um trabalho que faz ainda referência à inteligência artificial, uma visão mais futurista, pelo que esta nova era foi também tema de conversa com o Fama ao Minuto.
O que traz este 'Sentimental'?
Gostava que fosse como uma viagem. Levar as pessoas a viajarem por sentimentos em cada uma das canções. Logo no início do disco vão poder ouvir uma música que é a 'Sentimental', que me mostra um pouco mais vulnerável -- e a própria letra mostra um pouco das minhas inseguranças e algumas incertezas em relação a mim próprio, a sentir-me confiante como cantor ou compositor. Começo logo com a frase: 'Hoje acordei sentimental, mas acho que isto não é de hoje. Convivo com tempestades que destroem o meu jardim'. Sinto que isso sou eu constantemente a autosabotar-me e, ao mesmo tempo, a alavancar-me. Estou confiante numas alturas da minha vida, noutras não gosto de nada do que faço e acho que sou o pior cantor e compositor de sempre. Por isso, começo logo com essa mensagem mais vulnerável que acho que é um bom cartão de visita do disco.
Todo o disco está bem distribuído de mensagens, estilos e temáticas. Logo a seguir temos a 'Não te Odeio', que abre o novo leque para um novo tipo de escrita que ainda não tinha feito até agora -- que não é, de todo, sobre amor. É sobre relações tóxicas, pessoas falsas que nos rodeiam a toda a hora e que não queremos ter por perto. Claro que depois a essência está lá. Algumas das músicas românticas e também mais sensíveis vão estar sempre, até mesmo mais acústicas.
No âmbito da eletrónica, acho que me aventurei um bocadinho mais e o desafio foi incorporar estilos de que gosto ou que tenho ouvido como o garage, drum'n'bass, deep-house e future bass, mas incorporá-los na língua portuguesa. E esse é que é o desafio da escrita e da produção, tentar fazer as coisas com bom gosto e não fazer só porque ouvi ou porque quero imitar, ou recriar. O desafio está mesmo em fazer soar bem a música eletrónica na nossa língua.
Tem de haver sempre um bocadinho de profundidade nas minhas canções.
Os sentimentos acabam por ser a principal 'ferramenta' de um cantor e compositor?
Sim, mas experiências também. É muito importante haver alguma experiência de vida, viagens, livros, música… Essencialmente, ouvir muita música ajuda. Mas isso tudo vai despertar-te sentimentos. Por isso, começaria mesmo pela experiência. É bom sair de casa, pelo menos, é um bom ponto de partida para acontecer qualquer coisa para escrever uma canção. Nem que seja um dia mau, isso já vai inspirar e tudo o resto já vem por acréscimo.
O teu próprio bom gosto também tem de amadurecer, crescer contigo. Tento não descurar disso e ser bastante autocrítico. Também tenho de gostar, não vou lançar só porque sim, só porque está fixe e é uma grande 'vibe'. Tem de haver um bocadinho de profundidade nas minhas canções apesar da roupagem eletrónica. Claro que nem toda a gente faz igual, mas na minha experiência gosto mais da parte solitária de compor e produzir.
Ia perguntar se o casamento com a Mel Jordão no ano passado o tinha inspirado, mas já percebi que estava tudo 'pronto' antes do casamento…
As coisas boas na vida nunca inspiraram ou nunca me vão inspirar. Óbvio que estou sempre bem e, felizmente, não me posso queixar em relação à vida profissional e pessoal. Mas as coisas menos boas são as que me inspiram, quer sejam presentes ou passadas -- mais as passadas do que as presentes, porque estou a viver uma fase lindíssima da minha vida. Muitas vezes tenho de ir lá atrás buscar coisas para tentar compor, ou até coisas platónicas, ou que me tenham contado ou de pessoas que conheço. Nem tudo é autobiográfico e acho que seria um disco muito aborrecido se fosse tudo biográfico. Era tudo feliz e alegre. Amo a minha família seria o nome do disco.
Com algum tempo e amadurecimento, a inteligência artificial vai sempre facilitar a vida na composição e na produção.
Faz referência à inteligência artificial e, nestes últimos tempos, há artistas que se têm deparado com versões 'fictícias'… Este novo caminho assusta-o ou acha que pode beneficiar com ele?
É um misto. Estou ainda dividido, porque acho que ainda estou na fase de que o que é novo é interessante e vamos dar sempre um passo para a evolução quando estamos a criar algo que seja novidade. É sempre um passo de inovação e evolução. Temos é sempre de nos atualizar e de, pelo menos, legislar e proteger os autores e os criadores. Não falo só de música mas de vídeo e fotos. Numa fase inicial tornou-se perigoso, mais no âmbito do design e do vídeo, porque há pessoas que já criam do zero conteúdos originais e super credíveis só com a inteligência artificial -- e até já ganham prémios com fotografias falsas feitas por inteligência artificial em segundos.
Na área da música, sinto que ainda estamos meio embrionários porque o que foi feito por inteligência artificial nota-se que está mal feito, ou que ainda não está a 100%. Mas, claro, que até chegar a esse ponto já vamos ter, se calhar, alguma legislação para proteger os compositores. É bastante perigoso porque uma pessoa pode criar uma música com a voz de um artista. [Mas com] algum tempo e amadurecimento, a inteligência artificial vai sempre facilitar a vida na composição e na produção. Já facilita até na mistura e na masterização -- que já é feita quase só com um clique. Por isso, nesse aspeto muitos produtores ou engenheiros vão nascer sem curso. No entanto, o bom gosto nunca se vai comprar…
Acho que é importante inovar nesse sentido, principalmente nesta nova era de redes sociais em que os olhos comem primeiro do que todos os outros sentidos.
Está a preparar dois grandes concertos – para os dias 13 e 20 de abril no Porto e Lisboa, respetivamente. O que se pode esperar nestes espetáculos?
Já estamos a começar a ensaiar e o objetivo é tentar renovar o concerto que já existia. Incluir as músicas novas do novo disco é bastante importante porque os concertos são a apresentação do disco, a primeira vez que o vou tocar e o primeiro concerto de 2024. Estou há muito tempo sem tocar e apetece-me já subir a um palco -- quase três meses é muito tempo. Acima de tudo, espero contar com os convidados do disco e não só. E com algumas coisas diferentes em termos de cenário que não vou poder levar para o verão, por isso, é melhor as pessoas virem a este concerto que vai ser único.
Um concerto mais compacto e, claro, os visuais vão falar mais alto. É onde tenho investido mais. Todas as músicas têm um vídeo em 3D a representar essa canção e isso é algo que ainda não tinha feito até hoje.
Os artistas têm apostado muito no visual. Sente que esse é o 'ponto atual' para a evolução de um artista? Sente que agora as pessoas também precisam desse lado visual além da música?
Depende sempre do artista, do projeto, do que queres transmitir. Mas sem dúvida que, na maior parte das vezes, temos apostado no visual. As redes sociais falam mais alto e o visual é sempre o primeiro impacto. Mesmo que seja para a apresentação de um single, fazer um vídeo interessante e diferente para chamar a atenção, tentar ter algo mais chamativo, sou adepto disso. Quem não é, também não condeno e há trabalhos que funcionam sem a parte visual forte -- uma canção pode falar por si sem uma grande capa de single ou de disco. Sempre tentei presentear as pessoas com uma capa diferente, com algo que ainda não tenha sido feito em Portugal ou com um conceito diferente.
Acho que é importante inovar nesse sentido, principalmente nesta nova era de redes sociais em que os olhos comem primeiro do que todos os outros sentidos.
É todo um novo amor e um novo orgulho. Será sempre um orgulho tudo o que ela fizer e escolher. Não condeno nada. Tem de ser livre e feliz
A pequena Penélope [filha do cantor] pode participar num próximo álbum do Diogo Piçarra?
Ainda é cedo. Nunca vou obrigar nem puxar esse assunto. É algo que tem de ser natural. Já fizemos brincadeiras, mas quem sabe um dia. Adorava. Era incrível poder estar lado a lado num palco ou em estúdio. Ter ali a filhota a cantar, acho que era lindíssimo. É todo um novo amor e um novo orgulho. Será sempre um orgulho tudo o que ela fizer e escolher. Não condeno nada. Tem de ser livre e feliz, é o mais importante. Nunca a vou obrigar a fazer nada que ela não queira.
Este lado da parentalidade acabou por mudar também a sua visão da carreira?
Posso dizer que o que mudou, pelo menos na nossa vida, é a perspetiva. As prioridades mudam e uma coisa que era importante antes da parentalidade, deixa de ser. Temos de estar estáveis, felizes enquanto pais e transmitir essa estabilidade a um filho – neste caso à nossa filha. Se ela não estiver bem, nós não estamos bem. O ponto de partida é ela. Se uma música correr menos bem, isso deixou de ser o mais importante.
Quando somos mais novos, afastamo-nos sempre do medo e queremos estar confortáveis. E estamos só a fechar a porta por vergonha, por medo. Se calhar até perdi mais oportunidades por causa dessa vergonha e desse medo
O jovem que venceu o 'Ídolos' está a fazer o percurso com que sonhava?
Nunca sonhei nada, nunca imaginei nada. Não sei se é por ser algarvio e isso já trazia muitas limitações geográficas, nunca vi nenhum exemplo próximo. Claro que agora mais recentemente temos bons exemplos de algarvios como é o caso do Dino d'Santiago, que tem conseguido sucesso, mas na altura não havia nada que me pudesse dizer 'vais participar no programa, vais ganhar e vais um dia ter uma carreira a solo'. Nunca foi algo que tenha desejado. O meu objetivo era sempre fazer música como 'hobby' e ter o meu trabalho fora da área da música…
De repente, as coisas começaram a acontecer e comecei a acreditar que a música podia ser um plano A, podia ter uma carreira. Até então, era sempre um desejo fazer música por diversão mas sempre com banda, nunca sozinho com medo da exposição, com medo da fama, de tudo o que isto trazia. Mas não me arrependo nada e, felizmente, os meus pais foram bastante sensatos e responsáveis nas escolhas - ou pelo menos a ajudarem-me nas minhas escolhas. Se não fossem eles, ainda estava em casa, em Faro, a tentar compor uma música e a guardá-la para sempre só para mim.
Foram eles que influenciaram a sua participação no programa?
Sim, foram eles. Fui quase por obrigação porque era um universo assustador, de repente, estar na televisão, num casting, estar à frente daqueles jurados. Não queria nada daquilo por medo. Quando somos mais novos, afastamo-nos sempre do medo e queremos estar confortáveis. Nunca percebemos o que pode estar atrás da porta - pode ser uma coisa lindíssima - e estamos só a fechá-la por vergonha, por medo. Se calhar até perdi mais oportunidades por causa dessa vergonha e desse medo. Esse é o melhor conselho que muitas vezes dou a alguns jovens que não querem participar porque estão com medo, e que não querem dar concertos em bares. É super importante sair da zona de conforto.
Ganhei muita bagagem a tocar para sítios vazios, só com os meus pais a assistir, 'covers' que ninguém cantava comigo ou originais que também ninguém conhecia. E os castings, claro. Principalmente o do 'Ídolos', de 2012, que me deu a vitória, o contrato da Universal que mantenho até hoje, a escola de música em Londres, que me deu as bases de produção para fazer os discos que faço hoje e aprender o piano que sei tocar hoje. E o carro, que também me deu muito jeito para os concertos logo depois do 'Ídolos'. Foram só vitórias!
Todos os anos a indústria muda e atualiza-se. A forma de ouvir das pessoas hoje em dia é diferente da forma como ouviam música em 2012
Arriscar é o conselho que leva para o resto da carreira?
Sim! Vai ser sempre o arriscar. Claro que agora já tenho a noção do que pode ser perigoso, o que pode ser mais arriscado ou não, já consigo perceber porque já estou dentro da indústria. E, ainda assim, não sei nada porque tudo muda. Todos os anos a indústria muda e atualiza-se. A forma de ouvir das pessoas hoje em dia é diferente da forma como ouviam música em 2012, quando entrei no 'Ídolos'. Por isso, é uma constante adaptação, aprendizagem e vou estar sempre a aprender a cada disco e a cada música que faça.
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