A PSD e a GNR registaram 5.250 ocorrências em ambiente escolar no ano letivo de 2018/2019, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna divulgado este mês, que mostra que a ofensa à integridade física, injúrias e ameaças são os crimes mais habituais.
Os relatos que chegam ao Sindicato Independente dos Professores e Educadores (SIPE) revelam que, invariavelmente, o aluno é agressor e a vítima é um docente, contou hoje no parlamento Júlia Azevedo, presidente do SIPE e subscritora da petição.
A justiça só acontece se apresentarem queixa, mas para isso têm de lutar contra a vergonha da exposição, o medo de represálias e ainda têm de pagar 102 euros de taxa de custas judiciais, alertou Júlia Azevedo.
Estas “realidades tão tristes e decadentes” deram lugar a uma petição exigindo que as agressões fossem equiparadas a crime público, explicou a presidente do SIPE. Com mais de oito mil assinaturas, a petição chegou à Assembleia da República e esteve hoje em análise na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
A legislação já prevê que a agressão a professores, examinadores ou membros da comunidade escolar possa ser considerada crime público, mas está sempre dependente da avaliação das autoridades.
“Mesmo que não haja dúvidas de que um aluno bateu num professor pode o Ministério Público, numa primeira fase, e depois o juiz de instrução entenderem que as circunstâncias concretas não constituem censurabilidade ou perversidade e, portanto, não ser considerado crime público”, sublinhou a presidente do SIPE.
Segundo Júlia Azevedo, muitas vezes as autoridades não consideram a agressão suficientemente grave: “Não vou dar aqui exemplos de casos que já estivemos em tribunal e que foram completamente desvalorizados pelos juízes”.
Para os peticionários, é preciso uma alteração legislativa que coloque os profissionais de educação ao lado dos agentes policiais, no artigo do Código Penal que define o crime público.
Júlia Azevedo apontou as vantagens desta mudança: obriga à denúncia, não cai sobre a vítima o ónus da queixa, há menos hipóteses de sofrer retaliações, não é possível desistir e é um indicador de uma proteção do Estado sobre o docente.
“Muitas vezes a vítima não expõe por medo de represálias”, alertou Luís Filipe Santos, também membro da SIPE, lembrando o caso de um docente a quem foi dito “se fizeres queixa mato os teus filhos e a tua mulher”.
Um docente agredido e humilhado na escola tem de regressar ao local de trabalho e lidar diariamente com as pessoas que assistiram a tudo e mesmo com o agressor, acabando muitas vezes por desistir de apresentar queixa. Resultado: há cada vez mais “casos de depressões crónicas”, disse Luís Filipe Santos.
Para o processo avançar é preciso pagar uma taxa de justiça de 102 euros. Os peticionários pedem a isenção dessa taxa e a ideia foi hoje apoiada pelos deputados do PSD, Bloco de Esquerda e CDS-PP.
Já menos consensual foi passar estas agressões a crime público, uma alteração que contou apenas com o apoio claro do CDS-PP.
O deputado Telmo Correia disse que o CDS tem apresentado várias iniciativas defendendo a autoridade do professor e o ambiente escolar como um espaço sem violência: “Temos um projeto que segue muito estas preocupações, que tem a ideia de que as penas devem ser mais graves se os crimes forem cometidos em ambiente escolar”, afirmou, prometendo agendá-lo “oportunamente”.
Já a deputada do PS, Cláudia Cruz Santos, observou que no caso de agressões praticadas por alunos menores de 16 anos “a alteração do Código Penal revela-se totalmente inútil”, uma vez que são inimputáveis, e considerou que deve ser protegido o interesse da vítima, no sentido de esta poder desistir da queixa e não a tornar pública.
A deputada do PS lembrou que existem realidades familiares complexas, que são do conhecimento dos professores, que leva a que os próprios prefiram que o processo não avance: “Se for crime público, a vontade do senhor professores será totalmente desconsiderada”, alertou, defendendo ter dúvidas sobre a “efetiva vantagem” da alteração legislativa.
“Um crime quando se dá numa escola já é publico, porque ou aconteceu dentro da sala de aula, no corredor ou à porta da escola, tem sempre imensas pessoas a assistir. Esse professor sabe que toda a gente vai saber, agora é uma questão de haver ou não justiça neste caso”, respondeu a professora Rosa Sá, também do sindicado.
Na mesma linha do PS, o deputado do PSD Artur Sobral de Andrade defendeu a importância de os docentes poderem decidir se querem que a queixa avance. “Vamos analisar o contributo e retirar todas as consequências que nos pareçam proporcionadas”, disse, lembrando que também os médicos e advogados têm pedido mais proteção.
O Bloco de Esquerda prometeu que iria apresentar um projeto para acompanhar a petição, que em breve será discutida em plenário, olhando para o quadro legal e penal, mas também “enquadrando-a num contexto da complexidade socioeducativa da violência escolar”.
A deputada bloquista Joana Mortágua lamentou a “desvalorização sistemática da violência nas escolas, que passa pela escola, pelo Ministério da Educação e eventualmente pelos tribunais que dá aos agressores uma sensação de impunidade, mas, acima de tudo, dá aos docentes e profissionais uma sensação de desproteção”.
Júlia Azevedo lembrou os deputados que a petição também pretende proteger o agressor, ao mostrar que os seus atos têm consequências. A presidente do SIPE recordou a história de um aluno que cuspiu na cara do professor de Físico-Química, de 66 anos: “Aquela criança, que fez esse ato, não lhe aconteceu nada. Isso não é bom para ela, não é bom para o colega dela que presenciou que não aconteceu nada, nem é bom para a sociedade. Nós temos de perceber que os nossos atos têm consequências”.
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