Para muitos lisboetas, foi uma fatalidade. A pandemia não limitou a vida de muitas formas, mas também encerrou muitos restaurantes. Um deles foi o Pistola y Corazón, por muitos considerado omelhor mexicano da cidade”, que não sobreviveu à COVID-19. Mas, como “o que não nos mata, torna-nos mais fortes”, eis que nasceu o Duro de Matar, depois de uma incursão do coletivo Food Riders por uma dark kitchen, que lançou, entre outros projetos, Ameaça Vegetal e Las Gringas.

Agora, a mais recente encarnação da criatividade culinária de Damian Irizarry e Marta Fea chega ao coração da cidade. A taqueria mexicana Duro de Matar é a mais recente novidade do Time Out Market Lisboa, trazendo consigo os sabores autênticos do México e a alma vibrante que já se celebrizou noutras zonas da cidade. Após conquistar o público no Hub Criativo do Beato, num restaurante aberto em 2023, o projeto regressa agora ao Cais do Sodré, o bairro onde tudo começou.

Para muitos, o nome Pistola y Corazón ainda evoca memórias do espaço na Rua da Boavista. E é, precisamente, esse espírito que os fundadores conseguiram recriar com o Duro de Matar, primeiro na zona oriental de Lisboa e agora no mercado Time Out, dando continuidade a uma viagem de sabores, histórias e resiliência. “O nome significa duas coisas”, explica Damian, ao SAPO Lifestyle: “Por um lado, somos difíceis de matar. Isto não nos matou. Mas também temos uma grande comunidade de pessoas que nos seguem. Em inglês existe uma palavra para isso: diehard fans (fãs fervorosos)”. “Como o filme”, questionamos. “Sim, como o filme. Somos Hard to Kill e Die Hard”, ou seja "Duro de Matar", evidencia.

O Pistola y Corazón nasceu numa altura em que a zona ainda estava por descobrir. “Quando abrimos, só nós estávamos ali. Do outro lado da rua havia uma esquadra da polícia. Dissemos: ‘Nem precisamos de câmara de vigilância!’. Mas no dia da inauguração, a esquadra foi-se embora”, recorda Damian, entre risos.

Com o tempo, a zona começou a transformar-se e o restaurante tornou-se um ponto de encontro obrigatório para os amantes de comida mexicana. Agora surgiu o convite para entrar no Time Out Market. “Foi uma oportunidade de levar a nossa comida a muito mais gente. Aqui passam milhares de pessoas por dia. É quase um verdadeiro mercado de restaurantes”, constata.

Ao lado de nomes como o Ground Burger ou a ZeroZero, o Duro de Matar é o primeiro restaurante mexicano a integrar a seleção do mercado. A proposta, assegura Damian, é clara: “Boa comida mexicana feita com produtos locais, frescos, com alma e com um toque de nostalgia”.

O impacto promete ser intenso uma vez que o novo espaço se aproxima daquilo que de melhor se encontra nas ruas do México. “O ambiente é mais informal, de food truck, onde falamos com os clientes e criamos ligações diretas”, explica.

Assumem-se como uma taqueria de terceira vaga, com foco em ingredientes sazonais e métodos sustentáveis. No menu, as estrelas brilham com sotaque mexicano e coração português. Há Tacos Al Pastor (9€), de porco preto num espeto vertical, ao estilo shoarma, camarones embarazados (7€), um taco de camarão inspirado na tradição veracruzana, que não são “grávidos”, apesar do nome. Damien explica-nos que vem de um trocadilho de praia entre “embarrados” (no espeto) e “asados” (grelhados). Servem-se com molho verde de tomatilhos portugueses, pico de gallo com ananás, habanero assado e vinagre de maçã e laranja. E uma ousada Tinga de Pollo (7,50€) apimentada e cozinhada lentamente. A alma portuguesa aparece com o taco de polvo (10,50€), com notas de pico de gallo, um piscar de olho à tradicional salada de polvo nacional.

A criatividade também está nas quesadillas: uma versão vegetariana de cogumelos com manteiga de chipotle (5€) e outra com carne assada (9,50€) juntam-se aos clássicos da casa.

Para beber? Festança pura: Slushies com álcool (8,50€) - entre margaritas e palomas -, micheladas mexicanas (8,50€) - cerveja com molho inglês e limão -, e uma única, mas tradicional sobremesa: o Pastel de Tres Leches (4,50€).

Apesar de a maioria dos clientes serem turistas, cerca de 80%, há também lisboetas que fazem questão de os visitar. A operar no mercado desde maio, já têm algumas experiências para contar. “Os mexicanos vêm com ceticismo, mas acabam por se emocionar. Já tivemos um cliente a chorar ao provar os nossos pratos. Isso é especial”, afirma Damien.

Duro de Matar: a segunda vida do mexicano que conquistou Lisboa
Duro de Matar: a segunda vida do mexicano que conquistou Lisboa créditos: Rita Chantre

Ingredientes com nome, origem, propósito e uma vaca ainda por nomear

A preocupação com a origem dos ingredientes é uma das grandes marcas da casa, e responsabilidade direta do chef executivo Frederico Salvado, está no projeto desde o início. Com formação em fine dining e experiência em produção em escala, juntou-se a uma equipa multicultural, com chefs mexicanos e portugueses, onde todos colaboram até o prato estar perfeito. “Nada é feito isoladamente”, reforça Damian.

“O nosso objetivo sempre foi trabalhar com pequenos produtores locais, com modos de produção biológicos e sustentáveis. Fazemos planeamento anual com eles para garantir produtos frescos e qualidade constante ao longo do ano”, assegura Frederico Salvado.

Em janeiro, o chef senta-se com os agricultores e decide tudo o que será plantado e colhido ao longo dos meses seguintes. É um trabalho de afinação detalhada.

“Por exemplo, sabemos exatamente quantas curgetes vamos precisar por semana. Isso permite-lhes plantar em blocos e colher por fases”, explica, reforçando que “também comprámos toda a produção de morangos de um dos produtores. Assim eles sabem que têm escoamento garantido, e nós temos produto fresco e local todas as semanas”.

Entre os parceiros estão os queijos da Ortodoxo, cogumelos da zona Oeste, frango criado ao ar livre, carne do Talho das Manas e até tomatillos, tradicionalmente importados, agora cultivados em Portugal. Apenas o milho heirloom, a base das tortillas artesanais, vem da Alemanha.

E há uma vaca. Sim, uma vaca a sério. “Temos uma vaca Jersey partilhada com o produtor [Ortodoxo]. Eles fazem os queijos, e nós damos feedback, ajustamos as curas, experimentamos”, afirma Frederico Salvado. “Ainda não tem nome, temos de ir lá batizá-la, mas temos alguns nomes candidatos”, diz Damien.

Uma história com alma e banda sonora, num futuro sazonal, rotativo e feliz

Mais do que comida, Duro de Matar é uma experiência. “Não sei pintar, nem desenhar. Mas conto histórias com comida. Desde o momento em que entras, tudo — a música, o ambiente, os sabores — faz parte de uma narrativa”, partilha Damian, que encontrou na gastronomia o seu meio de expressão artística.

Damian nasceu no México, cresceu nos EUA, e tem uma ligação afetiva com Lisboa que nasceu de um filme: Lisbon Story, de Wim Wenders. Veio por curiosidade, o destino encarregou-se do resto. “Cheguei ao Rossio, tudo fechado. Subi umas escadas escuras e dei por mim no Bairro Alto. Havia DJs na rua, gente a dançar. Percebi: era aqui que queria estar”, afirma.

Depois de viver em Espanha e alugar uma casa em Granada, começou a receber viajantes, e eventualmente abriu o primeiro hostel de Lisboa, em Santa Catarina, que chegou a ser considerado o melhor do mundo.

Mas foi a cozinha que o chamou. Convenceu a namorada, arquiteta, a abrir um restaurante com ele. Foram ao México, comeram em food trucks. E o resto é história.

“Se ganhasse um milhão de euros amanhã, continuava a trabalhar em restaurantes. Gosto da hospitalidade. É das poucas transações honestas que ainda existem: alguém te paga e sai a sorrir”, afirma.

A energia festiva do Duro de Matar no Beato também está presente no Time Out Market, visível nos uniformes, na música e na estética do espaço. Mas o que não se vê — e se sente — é ainda mais importante: a constante reinvenção. “Aborrecemo-nos quando é tudo igual. Vamos estar sempre a mudar”, diz Damian, com convicção.

No fim, o nome Duro de Matar é mais do que um trocadilho. É uma filosofia de resistência, de persistência criativa e de amor pela comida que conta histórias. E como qualquer boa história, está longe de terminar.