Esta é uma daquelas histórias de mudança de vida que daria um primeiro capítulo de livro: um engenheiro mecânico e uma gestora largam carreiras de topo na indústria automóvel italiana e radicam-se em Portugal. Gostam do sol, do Sul do país, da capital. Bons ingredientes. Mas não chega para a história destes empreendedores. É neste ponto que começa o segundo capítulo que tem uma casa, na Avenida 5 de Outubro, os dois protagonistas, Giuseppe e Stefania e um argumento urdido em torno da pasta fresca. Este é um assunto sério em Itália onde massa não é apenas comida, é cultura, orgulho local e fruto de uma antiga linhagem de cozinheiras.

Está dado o mote para esta conversa a três vozes. Apresentações feitas à porta deste La Pasta Fresca, a troca de palavras começa com uma provocação lançada a Stefania, olhar de um azul firme, sorriso fixo e expressando-se num português claro.

La Pasta Fresca
La Pasta Fresca Ravioloni com recheio de queijo gorgonzola e pera, passados em frigideira com manteiga e guarnecido com nozes picadas e guanciale di Amatrice D.O.P. La Pasta Fresca

Stefania esta deve ser uma pergunta que já lhe foi feita inúmeras vezes. Não encontramos pizas no restaurante? Sabemos que não, mas a pergunta espicaça a veia purista da nossa interlocutora. “Não. Este é um restaurante de pasta fresca que segue a tradição italiana. O nosso objetivo é dar a provar e esclarecer os clientes sobre o que é a nossa verdadeira cozinha”. Stefania encaminha-nos para o expositor à entrada do restaurante. Nele há uma amostra da diversidade de pasta desta casa que abriu portas em julho de 2015. “Não nos limitamos a ter uma ementa de restaurante. O cliente pode levar a pasta fresca para casa. Vendemo-la em doses recomendadas de 150 gramas. Quem gostar muito pode levar mais [risos]”.

A diversidade no produto exposto leva à pergunta natural: Não nos quer fazer uma visita guiada a este mundo de massas? “Claro, temos a pasta não recheada e a recheada”, refere a empresária. Neste ponto a diferença é óbvia um Casarecce (um rolinho de massa), um Maccheroni ou um Spaghetti diferenciam-se nitidamente de um Ravioli com recheio. Mas é aqui que entramos num mundo feito de infinitas horas de tentativa/erro para chegar a proporções, texturas, combinações, tempos de cozedura e diferentes fins. Através de Stefania ficamos a saber que “uma massa fresca leva diverso tempo a cozer dependendo do número de dias que tem” (nunca muitos, claro), ou que “um Ravioli grande tem 70% de recheio e 30% de massa. Se for pequeno a proporção é de 50/50”.

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La Pasta Fresca Raviole de abóbora em creme de taleggio La Pasta Fresca

Para não deixar a massa órfã de molho, o La Pasta Fresca disponibiliza os ditos na vertente “leve para casa”. Também aqui nos arriscamos a desfazer alguns mitos. Um exemplo? Nem tudo o que é Pesto combina com verde. O napolitano Cetarese, ao contrário do congénere, acresce ao pinhão, manjericão, uma essência de anchova o que lhe confere sabor e tonalidade diferentes. Peculiaridades que Stefania e Giuseppe explicam com agrado a quem visita o estabelecimento.

O espaço é aquilo que comumente nos habituámos a designar “clean”. Um limpo onde não passa despercebida a cor das peças cerâmicas expostas nas paredes. Não nos foge, num primeiro momento, a analogia aos elementos naturalistas de Bordalo Pinheiro. Mas, aqui a decoração inspira-se noutras geografias e as rãs e couves são substituídas por representações gigantes de massa fresca. “Estas peças chegaram diretamente de um artista de Vietri. Acho-as lindas e tornaram-se o ponto central da sala”, diz com orgulho Stefania.

Como também é de origem transalpina a quase totalidade de ingredientes utilizados no La Pasta Fresca. “Queijos, enchidos, farinhas e os vinhos (uma generosa seleção que inclui vinho a copo e dezenas de referências) chegam através de um importador. A exceção são o azeite e os produtos frescos”.

Da sala para a cozinha

Nesta história não há palco, mas há uma enorme janela que, a partir do restaurante, espreita para uma cozinha. Chamemos-lhe fábrica artesanal. Isto não obstante a extrusora de massa de porte industrial. É ela o incansável braço mecânico do trabalho de artesão de Giuseppe Godono. Alto, apaixonado pelo seu labor, envergando uma jaleca preta. Fala em italiano. Não é entrave para percebermos o sentido da conversa. Tudo se centra agora na produção da massa. Giuseppe reduz toda a complexidade do fabrico da massa a alguns itens.

“Quando se fala de massa fresca precisamos de duas coisas, uma parte sólida e uma líquida. A primeira é-nos dada pela farinha branca ou de sêmola de trigo. A segunda, pela água e pelos ovos”. É certo que uma vez mais a fórmula não é estanque. Variam as combinações. “É diferente termos uma massa só com água, de uma com água e ovos, ou com água e gemas”, sublinha Giuseppe.

La Pasta Fresca
La Pasta Fresca A equipa deste La Pasta Fresca, em Lisboa. créditos: La Pasta Fresca

Hoje, com Giuseppe, vamos fazer um Spaghetti. Quando se trata de fornecer as necessidades de um restaurante as quantidades não podem ser modestas. Estão em causa 25 doses da dita massa. O napolitano pesa os ingredientes. “Três quilos de farinha branca e de sêmola e 990 g de água”. Na extrusora, farinha e água amassam quatro minutos. “Há que ir vendo a textura da massa para ajustarmos os ingredientes. Queremos uma pasta que se pareça com o miolo do pão quando o amassamos entre os dedos”, explica o nosso interlocutor.

Pronta a massa é hora de obtermos a forma do Spaghetti. Uma vez mais opera o engenho da extrusora. Diferentes cabeças amovíveis permitem obter inúmeros tipos de massa. “Quando sai da máquina a pasta tem de secar um pouco”, acrescenta Giuseppe enquanto vai cortando meadas com perto de 30 cm, dispondo-as num tabuleiro. Chegado a este ponto restam duas viagens ao Spaghetti. Para a cozedura, perto de três minutos e, dai para a mesa. Ai protagoniza mais de uma dezena de pratos. Dois exemplos: Esparguete de tinta de choco com camarão, morango, espumante, tomate cereja, piripíri, hortelã, limão, cacau e nata q.b.; Esparguete com amêijoas, azeite extra virgem, salsa, alho, piripiri e vinho branco.

La Pasta Fresca
La Pasta Fresca Raviole de abóbora em creme de taleggio La Pasta Fresca

“Vamos fazer Ravioli?”. Os olhos de Giuseppe brilham. Toneladas de massa depois, horas a fio na cozinha, não lhe desgastaram o gosto pela pasta. Façamos o Ravioli. Giuseppe dispensa a extrusora e apresenta-nos o processo manual a partir de um enorme rolo de massa obtido mecanicamente. “Esta quantidade dá para oito quilos de Ravioli. Vou estender uma pequena quantidade na bancada que salpiquei com farinha de arroz”. Com o cortador (há-os de diferentes formas), Giuseppe traça na massa o Ravioli. Sobre cada meia-lua deposita um pouco de recheio, neste caso uma mistura de queijo Ricota, espinafre, salsa, noz picada, pimenta preta e um pouco de pão ralado”. Juntas as duas meias luas, acomodadas as pontas com os dentes de um garfo, o Ravioli está pronto para a cozedura.

La Pasta Fresca
Avenida 5 de Outubro 186, Lisboa
Horário: 10h00 às 23h00
Contacto: Tel. 217 960 997

Da cozinha do La Pasta Fresca saem diferentes pratos de Ravioli. Há-os com recheio de abóbora, mostarda de fruta e amaretti (bolachas italianas de amêndoa) com molho de queijo Taleggio D.O.P. e manteiga; os Ravioli com recheio de ricotta e espinafres com molho bolonhesa ou Ravioli com recheio de carne de alcatra e ricotta com creme de vinho tinto.

Ficam para o fim mas não é por desmerecimento, apenas porque na ordem natural da refeição fazem as honras do encerramento. As sobremesas, claro. Stefania nutre-lhes especial afeto e apresenta-nos um Cannolo siciliano, um rolinho de massa frita recheado com ricotta, açúcar, fruta cristalizada, canela e pepitas de chocolate que é referência da pastelaria siciliana. Quem não dispensa uma gulodice com chocolate, pode atrever a colher no Semifreddo di cioccolato con cuor di arancia, uma base esponjosa de cacau e um recheio confecionado com laranjas vermelhas sicilianas.

 

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La Pasta Fresca Raviole de abóbora em creme de taleggio La Pasta Fresca