Despertar o interesse de alguém é uma atitude multifactorial. Não sabemos bem o que envolve, mas sabemos que é muita coisa. Seja o cabelo ou a falta dele, a barriga que permite lavar a roupa à mão ou aquela que parece ter as dimensões de uma máquina de lavar, os dentes certinhos de quem os corrigiu ou aqueles menos direitos de quem ama a assimetria. Tudo é válido, menos o acto penoso de ver pessoas com lancheira.
A lancheira é aquele acessório que, mesmo sendo inanimado, consegue roubar três terços da potência sexual e ter o mesmo charme do que realizar a cópula com meias. O que se poupa em dinheiro perde-se em desejo, proporcional ao poder de atracção de dois ímanes, mas virados ao contrário. Viver com a sacola atrás chega a ser um estilo de vida. O desplante de entrar numa cantina e pedir por empréstimo (leia-se “roubo”) uma folha de papel, para não colocar o conteúdo directamente em cima da mesa, já quase se entranha na personalidade do indivíduo. Isto para não falar nos talheres alheios que pedem de forma quase imperativa para depois os deixarem para alguém lavar.
Os reis da sacola entendem-se dentro do seu culto. Começam por olhar para a lancheira imediatamente ao seu lado, comentando o almoço dos seus camaradas, tal e qual aqueles homens que fazem um estudo de mercado quando estão num urinol. Metem a conversa em dia enquanto a comida aquece no micro-ondas comunitário. Ao invés de praticarem uma orgia alimentar, permitem-se trocar odores na refeição devido a aquecerem um bife imediatamente a seguir a um bacalhau cozido apanhando, com sorte, o quente do aparelho e uma ou outra gota do almoço anterior que ficou agarrada ao tecto do micro-ondas após a ebulição.
Já para não falar na torre de tupperwares que conseguem meter dentro do saco. Tem de ir tudo individualizado, porque a comida destes seres é como eles e não quer cá misturas. Abrem o tupperware da sopa, emanando aquele odor a flatulência que nos faz imaginar a digestão daquela quantidade de couve e de nabo. A tampa, com restos de papa, faz antever uma doce e saudável refeição com a mesma rapidez que o asco que me gera. Voltam a cobiçar o prato alheio enquanto se desdobram em comentários do “quão fácil foi fazer aquilo”, vendendo a ideia de que são muito práticos e saudáveis ao mesmo tempo, quase me deixando a sentir culpado pela minha falta de eficácia em ter de pagar uma refeição, devido ao meu dia ter menos dez horas do que o deles. Terminam a refeição a descascar uma laranja, com a faca emprestada, deixando espirrar sumo para o prato que inicialmente tive a honestidade de pagar a pronto com o meu subsídio de alimentação. Pedem licença e perguntam se me importo que coloquem o guardanapo a que limparam a boca, os talheres com que lambuzaram uma saudável refeição e as cascas de uma laranja que lhes dará um cheiro a citrino nas mãos até ao final do dia, no meu tabuleiro. Quase me fazem sentir culpado por ter pago o almoço e por dar qualquer resposta que seja contrária a um “sim, claro! Não me importo nada de transportar essa nojeira e dar trabalho a alguém para que te poupes (uma vez mais!) e que possas ter tempo para, amanhã, trazeres um novo picnic e vires para um local público viver de favores!”.
Há ainda espaço para aqueles homens que se nota a quilómetros que não foram eles que prepararam a refeição. À quantidade de comida que as mulheres lhes preparam para o almoço, a única justificação é que esperam que eles não voltem. Só eles é que não percebem. Também há o oposto, como aqueles inchados do ginásio de injecção que, quando abrem o tupperware, têm uma bela quiche de tofu, terminam-na em segundos e o resto da mesa come a refeição com o medo de, a qualquer segundo, ver devorado o seu tabuleiro por um bombado faminto.
Acho que o país devia aproveitar esta embalagem do Estado e nacionalizar os almoços de lancheira, como medida cimeira para aumentar a natalidade em território nacional. Ou então assumimos que vamos todos realizar o coito de meias, para fazer pandã à sensualidade do almoço.
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