Nos últimos anos ouvimos e com insistência referências a centenas de médicos e de enfermeiros que, no SNS, entregaram pedidos de escusa de responsabilidade.

Pretendem assim assumir e publicitar que não se responsabilizam pelas condições em que estão a tratar os doentes.

O Serviço Nacional de Saúde é o maior prestador de cuidados médicos em Portugal.

Outros profissionais se foram seguindo, dentro e fora do SNS – mas todos no âmbito da Administração Pública – como farmacêuticos, docentes, oficiais de justiça, funcionários de finanças, sapadores bombeiros…

No que respeita à relação com a instituição que serve, somos de parecer que o médico não apenas pode, mas deve – ainda com maior vigor – pronunciar-se sobre as condições humanas e materiais de exercício da medicina no hospital ou clínica privada.

Falemos dos médicos como exemplo e como preocupação major.

E principiemos por recordar o que estabelece o artigo 6º do Capítulo II do Código Deontológico da Ordem dos Médicos a propósito dos “Deveres dos Médicos”:

– “1. O Médico deve exercer a sua profissão com o maior respeito pelo direito à Saúde dos doentes e da comunidade.

– 2. O Médico não deve considerar o exercício da Medicina como uma actividade orientada para fins lucrativos, sem prejuízo do seu direito a uma justa remuneração, devendo a profissão ser fundamentalmente exercida em benefício dos doentes e da comunidade.

– 3. São designadamente vedadas todas as práticas não justificadas pelo interesse do doente ou que pressuponham ou criem falsas necessidades de consumo médico.”

Dito isto, o que pretende o profissional médico ou o que visam alcançar os que promovem esta ideia da escusa de responsabilidade?

A coberto de alegadas ou eventuais insuficiências ou omissões dos empregadores públicos, eximirem-se os subscritores de responsabilidades resultantes de efeitos ou prejuízos provocados aos utentes ou doentes, pela falta de condições de trabalho, quaisquer que sejam as dimensões ou tonalidades desta situação.

Mas qual o valor jurídico deste documento?

A intenção do profissional não o dispensa nunca de ser responsável pelos próprios actos, comportamentos e decisões.

Os direitos das pessoas, em contexto de necessidades em saúde, não podem ficar legalmente limitados pela existência de uma declaração ou escusa de responsabilidade.

Perante os utentes do SNS, nomeadamente, estas declarações não isentam o profissional de responsabilidade civil, nem da sanção penal ou disciplinar, sendo essa declaração unilateral ineficaz, devendo-se considerar nulas, por “violação da ordem pública”.

Atente-se ainda que, a Constituição da República Portuguesa, no artigo 271.º, sobre “Responsabilidade dos funcionários e agentes”, em razão de matéria identifica e tipifica três tipos de responsabilidades: civil, criminal e disciplinar.

Convém recordar que, as obrigações dos médicos são de extrema complexidade, sendo, no entanto, designadas de “obrigações de meios”, isto é, o objeto da prestação médica não é a cura, não é um resultado certo ou garantido ou contratado, mas sim o de ser diligente, cuidadoso e respeitador das boas práticas, dos princípios éticos e deontológicos e das leis aplicáveis, tendo em conta o dever de assegurar adequadamente o tratamento do seu doente.

Não esqueçamos portanto que, os danos por acção ou omissão provocados à pessoa fragilizada e doente terão sempre um “culpado” que responde por tal exercício e que, em situação alguma, com ou sem escusa, se verá afastada dessa responsabilidade.

Esclareçamos, as “escusas de responsabilidades”, na ausência de um enquadramento legal que as suportem, deverão ser encaradas como instrumentos de propaganda negativa, alimentando os meios de comunicação e os interesses sindicais, com base em percepções, sejam elas correctas ou não.

Sobretudo porque os utentes terão sempre direito à reparação dos danos causados pelos profissionais que os assistem, seja ao nível civil, criminal ou disciplinar!