Há uma tradição em festejar os números redondos. Como se existisse uma atracção pelas curvas, fazendo lembrar o trajecto sinuoso até à chegada.

Chegámos juntos à crónica número cem. Ou melhor, à número 100, para termos o impacto visual dos três algarismos. O problema em celebrarmos a centésima é que é como se esquecêssemos as outras noventa e nove. Quase como se não tivessem sido, elas próprias, únicas, mas apenas parte do processo. É da condição humana focarmo-nos na conquista e ignorar o que nos fez chegar a ela. Estou, para já, a festejar as outras noventa e nove, porque esta ainda nem sequer terminou. Consta-se que festejos precoces podem ser responsáveis por se ser bafejado pelo azar. E não há por que arriscar.

Há uma superstição ligada aos números, como se o infortúnio ou a sorte fossem sua competência. Muitos têm um significado religioso, que o tempo se encarregou de perpetuar. Se o número três é importante pelo equilíbrio e pela união, não fosse ele essencial na democracia sendo o número mínimo de pessoas necessário para se tomar uma decisão em grupo, religiosamente também aparece na Santíssima Trindade ou na ressurreição de Jesus. Por outro lado, também tem um lugar cimeiro nos Três Porquinhos, nos Três Mosqueteiros e o simbolismo de perder o número leva com ele a castidade.

O sete está acoplado à perfeição. Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo. Deu-nos o domingo (ora bolas!), os domingueiros, as filas de trânsito e o stress, como se do primeiro dia de trabalho se tratasse.

O treze foi condenado à desventura. Se Cristo imaginasse que, na Última Ceia, iria condenar todas as sextas-feiras e todas as refeições com treze pessoas, talvez preferisse que Judas apenas o tivesse traído, mas sem aparecer na tainada.

O número cem até pode significar muitas coisas que (agora) não me interessam, sob pena de desvirtuarem os três algarismos deste espaço que tão bem me acolheu. Durante todo este tempo, o mundo mudou e forçou-nos a mudar com ele. Mas manteve-nos juntos em todo o processo que fomos trilhando juntos, nas partilhas que criámos, nas cisões, nas desavenças e quando nos forçámos a concordar. Não deixámos que o tempo, essa imensidão que nos ocupa, nos esmagasse e fomo-lo preenchendo com palavras e, sem querer, ainda cá estamos. Se nos salvaram, não sei. Talvez até nos tenham só libertado, o que não é, de todo, mau ou redutor. Seja como for, pode ser que alguma coisa nos tenham feito e essa pequenez basta-nos.

Há uma homofonia na chegada até aqui. Cem crónicas, sem estar sozinho. Hoje é dia de celebrar, não as cem escritas, mas as cem que foram lidas.

E agradecer.

É que, se pouparmos nos agradecimentos, um dia arriscamo-nos a escrever para ninguém.

Obrigado.