O Terry Jones partiu há uma semana. Há determinadas perdas que precisam de um delay para apurar o discernimento. Ou talvez para não esgotarmos o lamento todo na mesma altura.
Trato-o por “tu”, claro. Há uma proximidade ao trabalho dele que nos torna amigos. Daqueles que quase não se falam, é certo, mas que se precisar de alguma coisa sei que estará lá. Quer dizer, não é que ele vá falar, mas sinto que o trabalho dele fala por si. E todos sabemos que, quando recorremos a um bom amigo numa altura de aperto, não queremos que ele fale muito. Consta-se que os melhores amigos são os que falam pouco, porque se tornam bons ouvintes. A nossa amizade sempre foi assim, muito unilateral. Recorreu pouco aos meus préstimos, talvez possa ter contribuído o facto de não nos conhecermos. Quer dizer, ele a mim. E isso torna-me egoísta. Fui eu que recorri ao trabalho dele quando precisei e era eu que o conhecia a ele, quase que esmifrando tudo de bom que ele tinha, sem que eu nada retribuísse.
O Terry tinha uma mente brilhante, mente essa que foi menos amiga dele do que eu fui. Usou-o quando ele estava no uso pleno das suas capacidades e foi a primeira a saltar fora quando ele mais precisava. O Terry apenas cedeu à vida porque, convenhamos, seria ingrato alguém assim morrer. Cedeu após uma longa e corajosa batalha contra o que, inicialmente, se denominou por “uma forma de demência”. Não há maior desprezo pela finitude da vida do que desprezar a patologia que nos leva. “Uma forma de demência” mostra desdém, numa clara opção por não querer dar palco a quem não merece. É quase como pagar na mesma moeda. “Ai fazes com que não me lembre de coisas? Então começo já por me esquecer do teu nome, sua patologia ingrata”.
O Terry usou-se da vida. Se, por um lado, chega a ser quase irónico alguém que viveu ao reboque das suas ideias despedir-se desta forma, por outro relembra-nos que o fim não tem de ser a melhor parte da chalaça. Despediu-se quase numa piada de humor negro satirizando, até ao fim, a existência.
Preferiu, em vida, esquecer-se do que ela é para assim não sofrer com a morte. De génio.
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