Acaba de fazer 60 anos. A escritora italiana, Susana Tamaro, nascida em Trieste, em 1957, é autora do romance "Vai aonde te leva o coração", que conquistou o coração de milhares de pessoas em todo o mundo. Falámos com ela quando esteve em Portugal para contactar pela primeira vez com os seus leitores. Entre autógrafos e flashes, explicou o sentido do livro "Para sempre" e abordou o papel que a mulher ocupa na sociedade moderna.
Numa conversa franca e emotiva, a escritora, que diz que escreve "para combater o cinismo", dá a conhecer o seu lado mais íntimo. A autora do best-seller que marcou a história da literatura italiana no século XX, assume-se uma "analfabeta em sentimentos" no que toca a relacionamentos, revela que gosta de cultivar na terra da propriedade onde vive e explica como a separação dos pais influenciou para sempre a sua vida.
No livro "Para sempre", relata o caso de Matteo, um homem que é abalado pela perda da sua esposa e filho num trágico acidente de viação. Inspirou-se num caso real ou é apenas uma história?
O livro é baseado numa tragédia verdadeira de um homem que viu a mulher e o filho morrerem num acidente de viação. É uma história bastante dramática que me impressionou muito. Acho que, para quem sobrevive, é terrível lidar com o sentimento de culpa de ter sobrevivido.
Se esta história acontecesse consigo, como é que acha que reagiria?
Como o Matteo, seguramente. Quando ocorre uma tragédia destas, é inevitável andar à deriva. Perdemos completamente o controlo e humanamente não temos capacidade de a enfrentar. É preciso ir ao fundo da nossa alma para renascer.
Foi criada pela sua avó depois do divórcio dos seus pais. De que forma essa separação afetou a sua forma de ver a vida e o amor?
Os meus pais separaram-se logo depois de eu nascer, em 1957. Nessa altura, o divórcio era raríssimo e uma criança com os pais separados sentia-se diferente. A minha avó foi a minha âncora. O facto de não ter tido um modelo de família afetou muito a minha vida.
Não casei nem constituí família porque nunca tive esse modelo. As pessoas que não viveram em situações de equilíbrio familiar como eu, têm esta falha. Não conseguem construir gerações...
Então, não construir família não foi uma opção mas, sim, algo que não conseguiu concretizar?
Por um lado, o facto de eu escrever é pouco conciliável com a vida familiar. Quando escrevo, preciso de me isolar. Entro num mundo à parte, o que é difícil de compreender e de aceitar para um homem. Depois, como não cresci com um modelo de família, sou uma analfabeta no que toca a relacionamentos familiares.
Sendo, como diz, uma analfabeta em relacionamentos familiares, como consegue abordar nos seus livros temas como a família, o amor e os relacionamentos interpessoais?
Tenho uma amiga, casada há mais de 25 anos, que depois de ler o "Para sempre" me questionou como era possível eu descrever tão bem o matrimónio no livro, nunca tendo estado casada. Eu sou uma analfabeta em sentimentos mas só no que toca à minha vida privada. E é por isso mesmo que consigo analisar com muita lucidez os sentimentos e as relações dos outros...
A sua fonte de inspiração são os outros e não a sua vida privada?
É uma mistura da minha vida e da dos outros. Eu tenho uma grande capacidade de observação e de memória. Mas o que eu escrevo e o que eu retiro da vida dos outros complemento sempre com a minha visão.
O seu livro mais famoso "Vai aonde te leva o coração" foi escrito em 1994. Desde aí, já publicou mais oito livros, mas nenhum deles alcançou o sucesso desse. Como explica isto?
Não consigo explicar, é algo misterioso. Antes de lançar o livro, não imaginava que iria ter esse sucesso...
O seu primeiro livro "Ilmitz" foi escrito em 1978. Nunca foi publicado. Gostaria de relançá-lo agora? Ainda fazia sentido?
Já muitas pessoas me perguntaram isso. Uma delas, o Cláudio Magris [escritor italiano], telefona-me todos os anos a dizer que deveria publicar o livro. Mas eu acho que agora seria complicado para os meus leitores perceberem o meu primeiro livro. Como foi escrito quando eu era muito jovem, acho que agora tenho que escrever primeiro todos os meus livros de adulta. Talvez o publique como o meu último livro para encerrar a minha carreira.
Nos seus livros, fala das diferentes personalidades femininas. Umas mais frágeis do que outras. Como vê o papel da mulher na sociedade moderna? Ainda são o sexo fraco, como muitas vezes são descritas?
A mulher sempre foi mais forte do que o homem e isso sempre assustou os homens. A mulher tem o poder extraordinário de gerar vida e isso dá-lhe uma energia única que os homens invejam. Mesmo na saúde física, a mulher tem mais longevidade.
Mas, atualmente, a condição feminina está em maus lençóis, porque a mulher assumiu muitas responsabilidades. Por um lado, tem que trabalhar e, por outro, cuidar do lar e dos filhos. São dois papéis difíceis de conciliar.
O que acha que seria preciso mudar na sociedade para que a mulher possa ser mais valorizada?
Em Itália, muitas mulheres têm que prescindir de ser mães para apostarem na sua carreira profissional ou vice-versa. Acho que deveriam ser criadas mais condições para apoiar as mulheres na maternidade. Se houvesse mais apoios, a mulher conseguiria chegar mais longe e seria seguramente mais valorizada.
Atualmente, apesar de alguns avanços, ainda continuam a ser os homens a ocupar a maioria dos cargos de chefia. Na sua opinião, isso acontece apenas porque a mulher tem que ser mãe, esposa e profissional ao mesmo tempo?
Exatamente, porque profissionalmente a mulher é, muitas vezes, melhor do que os homens. Em primeiro lugar, temos uma capacidade muito maior para entender os sentimentos e uma maior facilidade para criar empatia com os outros. Por outro lado, também temos uma maior flexibilidade mental.
Como é o seu método de trabalho? Tem horas específicas para escrever ou escreve à medida que a inspiração chega?
Costumo escrever nos meses mais frios do ano, entre novembro e fevereiro. Vou para uma pequena casa de madeira que tenho no meio de um bosque, acendo a lareira e fico ali o dia inteiro a escrever. Como sou uma pessoa do norte, o frio traz-me felicidade e esta é também a altura do ano em que tenho mais disponibilidade. Como tenho uma quinta e cultivo, este é o período em que eu não faço nada no campo.
É nesse local que se sente mais inspirada?
Não... Vou para ali para escrever! Quando estou à procura de uma ideia para escrever um livro, vou sempre a Trieste é aí que me sinto mais inspirada.
Por ser a cidade onde nasceu?
É algo bastante misterioso. Mas já cheguei a falar com o meu médico sobre isso e ele disse-me que o sítio onde nós nascemos consegue despertar-nos uma energia especial. E ele deve ter razão porque, sempre que tenho um bloqueio criativo, vou a Trieste e isso passa...
Estudou cinema em Roma e chegou a trabalhar como assistente do realizador Salvatori Samperi. Essa paixão pelo cinema morreu e foi substituída pela da escrita? O que é feito dela?
Não, essa paixão mantém-se. Aliás, eu quero rodar uns filmes, depois dos 60 anos. Na altura em que comecei a trabalhar no cinema, era muito complicado para uma mulher conseguir financiamento para produzir um filme e então pensei antes em contar histórias no papel, porque era mais barato. A escrita foi uma fuga, uma segunda oportunidade.
Já esteve em Portugal por, pelo menos duas vezes, em lazer e em trabalho. O que é que já conhece do país?
Só conheço Lisboa e o que me impressionou mais quando cheguei foi ver que a cidade mudou muitíssimo desde a última vez que estive aqui, em 1984. Está irreconhecível!
Do que é que mais gosta na cidade?
Gosto muito da Praça do Comércio porque é muito parecida com a praça da minha cidade. Aliás, Trieste e Lisboa são muito parecidas. Ambas as cidades são nostálgicas, porque tiveram um esplendor no passado que se perdeu.
O que achou dos leitores portugueses que encontrou nas sessões de autógrafos de promoção do seu livro em que participou?
Gostei muito de os conhecer e de ver que são muito apaixonados mas que, ao mesmo tempo, têm um certo pudor em relação à minha obra. E isso impressionou-me!
Gostaria de regressar um dia?
Sim, gostava de voltar para conhecer a vossa natureza, que já me disseram que é maravilhosa.
Texto: Sofia Santos Cardoso com Vicki Satlow (fotografia)
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