Animais gigantes, lagostas a treparem cerâmica, andorinhas sem levantar voo, couves rústicas, frutas tropicais e figuras cheias de ironia e humor passam de molde em molde, de mãos em mãos, nas diferentes secções da fábrica. As madres — moldes originais de Raphael Bordallo Pinheiro - recuperadas pelo filho permitem hoje perpetuar a obra e respeitar a técnica do mestre. Apesar da evolução industrial, grande parte do trabalho feito na fábrica é manual. Visitámos o local e constatámos um ambiente diferente.

É pelos pés de Nádia Rodrigues, diretora da fábrica desde novembro de 2019, que seguimos pelos diversos corredores desde espaço com mais 12.000m2, onde trabalham cerca de 370 funcionários, distribuídos pelas diferentes áreas. “Atualmente mais de 70% são mulheres”, afirma a diretora da fábrica. “Acredito que se deve essencialmente ao tipo de trabalho que fazemos: com muito detalhe, meticuloso e que requer paciência”, esclarece.

Mulher trabalha na fábrica bordallo pinheiro
Colaboradora trabalha maualmente figura de Amália Rodrigues créditos: A. Palma

Mulher e jovem, Nádia, de 35 anos, reconhece que estes são dois  fatores que geram por vezes alguns preconceitos. “Sinto por vezes no contacto com exterior, fornecedores e clientes, que me subestimam. Além de mulher, sou relativamente jovem e esse preconceito existe, ainda que inconsciente, para algumas pessoas. Parece que temos sempre algo a provar para mostrar que somos tão ou mais capazes”, diz. Caso para entrar em ação o Zé Povinho com o seu famoso gesto.

Criação de Raphael Bordallo Pinheiro. Nascido no jornal humorístico “A Lanterna Mágica “, em 1875, é o símbolo do modesto povo português respondendo a todos que o oprimem com o conhecido manguito em sinal de resistência.

É neste sentido que têm sido desenvolvidas formações em diversas áreas para sensibilizar para a igualdade. “ Isto é uma questão cultural, crescemos a ouvir comentários sexistas e por vezes agimos sem nos apercebermos. É muito importante contrariar estas formas de pensar e, acima de tudo, criar os nossos filhos já com esta consciência”, conta.

Nádia move-se por todos os sectores da fábrica e cabe-lhe a ela a vistoria de tudo. Desde miúda que admite ter perfil de líder. Sempre tomei a iniciativa e sempre fui muito comunicativa com tudo o que isso traz de bom e de mau. Penso que é algo inato”, diz. Apesar de algumas características terem nascido consigo, há desafios da função que tiveram de ser apreendidos com a experiência da vida. “Sem dúvida a gestão das pessoas, acho que é a ‘tarefa’ que me faz questionar todos os dias se o caminho que estou a tomar é o correto”, confessa.

Habituada a moldes, sabe que não há modelos iguais no que toca a lidar com pessoas. “Cada pessoa tem características próprias, necessidades únicas e diferentes formas de estar. O meu objetivo nunca foi, nem será agradar a todos, mas queria muito tentar ser o mais justa possível dentro das limitações que possam existir”, conta.

Mãe há quase sete meses vê na maternidade outro desafio na sua função. “É aqui que eu acho que o papel da mulher ainda é muito desigual. Não que o pai não tente partilhar todas as tarefas, mas há coisas que biologicamente não são possíveis, como a amamentação, e outras que a sociedade ainda não permite. Coisas como os fraldários ainda serem praticamente todos nas casas de banho das mulheres, diz muito”, alerta.

trabalho de detalhe fábrica bordallo pinheiro
créditos: Lionel Balteiro | LaMousse

Apesar de não sentir pressão hierárquica durante o período de licença de maternidade, Nádia confessa que acabou por infligir essa pressão nela própria. “Em funções de maior responsabilidade, estar ausente tanto tempo é sempre muito complicado, e por mais confiança que tenha na equipa que tenho comigo, sentimo-nos sempre culpados e que estamos a falhar de alguma forma com a empresa e com as pessoas que nela trabalham”, desabafa. “E isto está completamente errado, tenho consciência disso, mas é aquilo que senti e acredito que seja o sentimento de muitas mulheres mães. A gestão de tempo torna-se crucial na maternidade”.

Na Bordallo Pinheiro, também a responsável de produção é uma mulher, função que é tipicamente associada ao sexo masculino. “Ela faz um trabalho incrível, que não deixaria de ser incrível se fosse um homem a fazê-lo e é este o objetivo: avaliarmos as nossas competências por aquilo que fazemos e não pelo nosso género”, diz.

Outra mulher que veio dar mais brilho e cor à marca foi a modelo Cláudia Schiffer que se juntou em 2020 à Bordallo Pinheiro para a criação da coleção Cloudy Butterlfies. No mês passado, a parceria renovou-se com novas e arrojadas peças.  As borboletas invadiram a faiança e à mesa convivem com pratos, canecas, tigelas e jarros.

Estas peças já estão disponíveis na loja online e física e podem custar entre 20 a 80 euros. A  nível de valor esta é a coleção mais vendida, contudo “em termos de quantidade as coleções mais vendidas são a banana da Madeira, a linha couve, andorinhas e jarrões”, confirma Nádia.

Em ano de aniversário da fábrica, decidimos celebrar o facto de no mundo industrial - um mundo maioritariamente liderado por homens - também as mulheres conseguirem vingar. Nádia é só um dos muitos rostos que nos fomos cruzando entre pratos e pratinhos, jarras e jarrões, taças e tacinhas. “Torço muito pelo sucesso das mulheres para que estas questões de desigualdade sejam cada vez mais raras e consigamos um mundo mais fácil para as gerações seguintes”, remata.

O SAPO Lifestyle visitou a fábrica a convite do Grupo Visabeira.