A conclusão consta de uma pesquisa elaborada pelo instituto de investigação RAND Europe, que tem como objetivo melhorar a decisão política, com o apoio de uma rede de investigadores nacionais e do Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE, na sigla em inglês).
“Quando a pandemia nos atingiu, nenhum Estado-membro tinha um plano de crise sensível ao género para lidar com possíveis surtos de violência contra mulheres”, regista, logo no prefácio, Carlien Scheele, diretora do EIGE, agência da Comissão Europeia com sede em Vilnius, capital da Lituânia, que publicou o estudo.
Examinando a ação dos Estados-membros face à violência doméstica, entre março e setembro de 2020, o relatório conclui que as respostas à pandemia foram “reativas” e deixa recomendações sobre “o que pode ser melhorado para garantir que as vítimas têm acesso a serviços de apoio em tempo de crise”.
A pandemia foi acompanhada por “um aumento das queixas de violência doméstica” e, durante a primeira vaga de confinamentos na Europa, “as equipas de aconselhamento viram-se assoberbadas devido ao aumento da procura”, recorda o EIGE, num comunicado divulgado hoje, a propósito do estudo sobre o impacto socioeconómico da covid-19 que está a realizar, a pedido da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, para publicar em junho.
Os picos de violência doméstica relatados na UE durante os períodos de confinamento impostos pela covid-19 são “um triste lembrete de que os maiores perigos para as mulheres vêm frequentemente de pessoas que elas conhecem”, denuncia Carlien Scheele.
Já em contexto de emergência, todos os Estados-membros “adotaram mudanças ou criaram novas medidas para apoiar e proteger as mulheres e crianças vítimas de violência doméstica”.
Porém, todos os planos de ação ou políticas nacionais foram “respostas reativas”, desenvolvidas e implementadas após o surto e “raramente” acompanhadas por financiamento adicional.
Poucos foram os países que adotaram “planos abrangentes”, com “linhas de orientação detalhadas”, para a resposta de emergência que se impôs em contexto de pandemia e só “alguns” lançaram planos de ação nacionais para garantir que os serviços de saúde, de justiça e de polícia unissem esforços para proteger as vítimas.
Houve nova legislação ou alteração de leis em 14 Estados-membros, na maioria dos casos para classificar como essenciais os serviços de apoio às vítimas e assim assegurar o seu funcionamento durante os confinamentos e estados de emergência.
Foi “menos comum” a adoção de legislação que respondesse à realidade da coabitação entre as vítimas e os agressores em contexto de confinamento ou quarentena — e, quando isso foi feito, o foco recaiu nas vítimas (alojamento alternativo e garantia de mobilidade) e não nos agressores (medidas de afastamento, por exemplo).
“Quase todos” realizaram campanhas de sensibilização sobre a violência doméstica como uma violação de direitos humanos, e não um assunto da vida privada, e de consciencialização para informar as vítimas sobre a ajuda disponível.
Apesar das “medidas promissoras”, é preciso mais. “Serviços de apoio como casas-abrigo ou linhas de aconselhamento precisam de mais financiamento dos Estados-membros, no sentido de garantir que as vítimas têm acesso ao apoio gratuitamente e por 24 horas”, vinca a diretora do EIGE.
Segundo o relatório, as medidas de apoio às crianças foram escassas e foram “muito poucas” as dirigidas a mulheres de grupos vulneráveis, como migrantes e refugiadas.
“Ainda não sabemos a exata dimensão da violência contra mulheres durante a pandemia de covid-19″, nota Carlien Scheele, recordando que, em tempos ‘normais’ (não de crise) apenas um terço das vítimas reporta a violência doméstica.
Portanto, não se espera que os dados oficiais revelem “o número real de vítimas”, antecipa, realçando que as linhas de apoio, os serviços de aconselhamento e as casas-abrigo “registaram aumentos consideráveis na procura, em toda a UE”.
O estudo identifica sete desafios principais para os serviços de apoio às vítimas: garantir a continuidade do serviço, encontrar novas formas de apoio, responder aos picos de procura, gerir o ‘stress’ do pessoal técnico, chegar às vítimas, identificar o nível de risco, e financiamento insuficiente.
A mudança para o apoio remoto levantou “preocupações com a confidencialidade das vítimas” e demonstrou a falta de formação especializada dos técnicos para prestarem apoio à distância. Foi também especialmente difícil “identificar e avaliar com rigor o risco” para as vítimas.
Ainda assim, assinala o relatório, foram criadas formas “mais discretas” de apoio às vítimas, num contexto de maior coabitação com os agressores, como aplicações para telemóveis.
Entre as recomendações deixadas no relatório da RAND Europe está a adoção de planos de ação nacionais que garantam “uma resposta de longo prazo à violência de género em tempo de crise”, que passe, por exemplo, pelo “afastamento rápido do agressor” e por “fundos adicionais” que permitam aos serviços de apoio “expandirem a capacidade” de resposta.
Comentários