A inteligência artificial já está a ser usada para ensinar e avaliar línguas. De que forma estas ferramentas podem realmente apoiar um estudante a aprender melhor uma língua?

Uma das vantagens das ferramentas de IA é o facto de estarem sempre disponíveis e, por norma, disponibilizarem resultados imediatos, sendo por isso muito convenientes. Isto permite que os alunos utilizem estas ferramentas de forma a satisfazerem as suas necessidades. Além disso, como a IA é ótima a personalizar conteúdos, os alunos podem criar exercícios específicos para praticar áreas problemáticas, obter exemplos e explicações de forma a poderem compreender facilmente e receber feedback personalizado. Tudo isto pode tornar o seu processo de aprendizagem mais eficiente.

Muitas pessoas recorrem a tradutores automáticos e corretores gramaticais no dia a dia. Estas ferramentas ajudam-nos, realmente, a melhorar a forma como escrevemos numa outra língua, ou corremos o risco de nos tornarmos dependentes da tecnologia, ao invés de investirmos na aprendizagem de um idioma estrangeiro?

Os serviços de correção gramatical e de tradução já existem há bastante tempo e não tenho conhecimento de qualquer prova que demonstre que são prejudiciais para a capacidade linguística. Desde que as ferramentas sejam fiáveis e utilizadas nos contextos adequados, não creio que representem um risco. De facto, acredito que podem ajudar-nos a identificar e a aprender com os nossos erros. Dito isto, penso que as pessoas podem desenvolver uma dependência de outras ferramentas, como os modelos de criação de texto, o que pode afetar a nossa capacidade de escrita e criatividade. Se nos habituarmos a ter tudo feito por nós, arriscamo-nos a perder as competências essenciais que nos tornam humanos.

Não nos podemos relacionar com a IA, é apenas uma ferramenta. Uma ferramenta maravilhosa e útil, mas não passa disso.

Alguns professores revelam o receio de que a IA possa vir a substituir o seu trabalho. Acredita que é uma realidade admissível ou a tecnologia será sempre uma aliada do ensino?

A IA pode ser muito útil, mas não pode substituir o ser humano, a presença de um professor ou de qualquer outra pessoa. Os professores são muito mais do que meros instrutores. Conhecem os seus alunos, compreendem o seu contexto, dão-lhes apoio emocional, são modelos a seguir. A IA nunca será um modelo a seguir. Não nos podemos relacionar com a IA, é apenas uma ferramenta. Uma ferramenta maravilhosa e útil, mas não passa disso. Não consigo imaginar um mundo sem professores.

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Cada individuo aprende de forma diferente. A inteligência artificial pode personalizar de forma eficaz e justa o ensino para cada estudante ou ainda estamos longe dessa realidade?

Há muitos exemplos de ferramentas que podem personalizar a aprendizagem de acordo com as necessidades e o estilo de cada aluno, desde aplicações de aprendizagem que podem estimar o que um aluno é suscetível de esquecer e sugerir revisões, até ferramentas que podem ajustar a dificuldade do conteúdo de acordo com as suas capacidades. Tudo isto já existe atualmente e, sem dúvida, continuará a melhorar no futuro.

Com ferramentas como o ChatGPT, os alunos têm acesso a respostas instantâneas e a textos escritos com média qualidade. Como podemos integrar estas tecnologias na educação de forma a incentivar a autonomia e o pensamento crítico dos estudantes?

É uma boa pergunta. Penso que há muitas pessoas demasiado preocupadas com a possibilidade de os alunos utilizarem a IA para fazer batota, e não conseguem ver como podem transformar isto em algo construtivo. Por exemplo, podemos deixar que os alunos realizem um trabalho utilizando a IA e depois passá-lo a outro aluno para que o avalie e critique. Podemos ensinar os alunos a utilizar a IA para fazer uma revisão da literatura, gerar textos com informação parcialmente incorreta e incentivar os alunos a identificar os erros, criar tarefas interativas em que os alunos têm de interagir com um bot para resolver um problema, ensinar os alunos a utilizar chatbots como examinadores virtuais para se prepararem para os exames. Há muitas formas de os alunos e os professores utilizarem a IA de forma criativa para fazer mais do que apenas criar textos.

Mariano Felice, Investigador Sénior e Cientista de Dados para a Avaliação de Línguas e Aprendizagem de Inglês no British Council, é o responsável pela condução da estratégia sobre inteligência artificial para a aprendizagem e avaliação da língua na instituição onde atua. O seu papel envolve a investigação da aplicação do processamento da linguagem natural (PNL) na avaliação linguística, fornecer orientações estratégicas para o desenvolvimento e a adoção de soluções de IA, bem como promover a literacia em IA e a utilização responsável das novas tecnologias.

O cientista trabalhou nos mais variados temas, incluindo correção de erros gramaticais, digitação automática de erros, avaliação de sistemas. Publicou inúmeros artigos científicos em conferências de NLP e é orador regular em conferências internacionais. Mariano é também investigador convidado nas universidades de Reading e Cambridge.

Num futuro próximo, prevê que a inteligência artificial consiga avaliar competências como criatividade e argumentação de forma eficaz? Ou há limites para o que a tecnologia pode alcançar na avaliação linguística?

É difícil prever o que será ou não possível fazer no futuro, dada a natureza bastante imprevisível do setor. Até ao momento, todos os novos modelos de uso geral têm mostrado um desempenho superior ao das versões anteriores, pelo que esperamos que esta tendência se mantenha. A que ritmo e para que tarefas, não sabemos. No entanto, mesmo que pudéssemos avaliar automaticamente a criatividade e a argumentação, não tenho a certeza de que seja algo que gostaríamos de fazer, especialmente no que respeita à criatividade. Seria ético deixar uma máquina avaliar a criatividade de alguém? Não será essa uma caraterística inerentemente humana?

Muitos testes e exames já são corrigidos automaticamente por inteligência artificial. Podemos confiar nestes sistemas para avaliar as capacidades de uma pessoa de forma justa?

Os sistemas automatizados de classificação utilizados pelas principais organizações de testes são normalmente construídos com base em grandes coleções de respostas de alunos que são classificadas por examinadores humanos qualificados. Este processo, conhecido como “treino”, é efetuado de forma a maximizar a concordância entre as classificações atribuídas pelo computador e as atribuídas pelos humanos, para que o “modelo” resultante seja o mais exato possível. Desde que os dados de treino utilizados para construir o modelo de classificação tenham uma boa mistura de antecedentes dos alunos, classificações, níveis de proficiência, entre outras variáveis, e se definirmos um objetivo de precisão que consideremos suficientemente bom (frequentemente acima de 80% com um desvio mínimo das classificações), podemos ter a certeza de que as classificações automatizadas serão justas e fiáveis. Os modelos de avaliação automatizada são normalmente submetidos a testes rigorosos antes de serem utilizados na vida real

Há muitas formas de os alunos e os professores utilizarem a IA de forma criativa para fazer mais do que apenas criar textos.

Se tivesse de dar três conselhos a pais, alunos e professores sobre como usar a inteligência artificial na educação, quais seriam?

Em primeiro lugar, não tenham medo. A IA veio para ficar, por isso, o mais sensato é aprender sobre ela para podermos tomar decisões informadas sobre quando e como a utilizar. Em segundo lugar, utilizar a IA de forma responsável. É importante lembrar que os seres humanos estão em primeiro lugar, por isso não deve utilizar ferramentas que possam causar danos ou ir contra os valores humanos. Por último, encontrar o equilíbrio certo. A IA não é a solução definitiva, é apenas uma ferramenta que nos pode ajudar a ser mais eficientes, por isso deve ser utilizada quando valer a pena. A IA é interessante, mas não há nada melhor que uma boa gargalhada na sala de aula.