“Os Imprestáveis têm esta designação porque nos fazem perder tempo. Desperdiçam a nossa energia, de propósito. Vendem-nos sonhos e depois atiram-nos fora, e ainda por cima acabam a fazer-nos persegui-los, como se fossem reais”. Estas são reflexões da protagonista de Mel & Pimenta, livro que embrenha o leitor em temas como as desilusões amorosas, empoderamento feminino e ostracismo social. O livro editado pela Singular, estreia em Portugal a obra de Bolu Babalola, uma jovem escritora anglo-nigeriana, cuja tese de mestrado em Política e História Americana teve como base o álbum Lemonade, de Beyoncé. Especialista assumida em comédias românticas, Bolu Babalola escreve histórias sobre mulheres empreendedoras com vozes distintas, que amam e são amadas com arrojo.
No que toca à história que nos traz Mel & Pimenta, resume-se o argumento ao seguinte: Como a especialista em relacionamentos do Brown Sugar, um popular programa de rádio, Kiki tem como missão garantir que as mulheres da Sociedade Afro-Caribenha da Universidade de Whitewell sabem como navegar no caos dos relacionamentos casuais, falsos compromissos e desgostos amorosos. Mas quando beija Malakai Korede, que denunciou publicamente como o exemplo perfeito de um mulherengo desprezível, diante de todos no campus, tudo aquilo que Kiki conquistou parece estar perdido. Numa derradeira tentativa de salvar as reputações e o futuro de ambos, Kiki e Malakai envolvem-se num relacionamento falso e tornam-se o casal-sensação da universidade. Mas a jovem nunca se apaixonou. Porém, as sessões de estudo surpreendentemente divertidas e as conversas íntimas tardias em restaurantes cheios de charme forçam Kiki a encarar os seus próprios preconceitos, e não só em relação ao amor.
Sobre o livro de Bolu Babalola, escreveu o jornal The New York Times: “Tal como nos romances de Jane Austen, a narrativa centra-se no conflito entre a atração individual e os constrangimentos sociais [...]. E Babalola mistura o vernáculo e os ritmos da música negra norte-americana com a cultura britânica e as suas influências pan-africanas, tornando o texto ainda mais rico”.
De Mel & Pimenta publicamos o excerto abaixo.
– Chegaste cedo, Kikiola Banjo.
Entrei no gabinete da Dra. Miller a sorrir, enquanto ela sacudia migalhas de brownie dos dedos, num gesto elegante, alinhado com o seu visual: tinha as rastas presas num lenço ocre, brincos de bronze em forma de crescente e lábios brilhantes, castanho-ameixa. Deixei-me cair na cadeira à beira da secretária e pousei a mala a tiracolo no chão.
– É por isso que sou a sua aluna preferida.
– Não é correto termos preferidos.
– Portanto, admite que eu sou a sua. – Passei-lhe o flat white que trouxe do café do campus, o Beanz, quando fui buscar o meu latte.
A figura de autoridade feminina que eu mais venerava, a seguir à minha mãe e à Beyoncé, ajustou os óculos com armação tartaruga no rosto perfeito e impassível.
– Tecnicamente, não estou autorizada a aceitar nada dos alunos. Não posso beber isso. – Apontou-me um dedo, com a unha cor de vinho e um anel de prata robusto e bem ornamentado, indicando-me que pousasse a bebida na secretária. – É incrível como, assim por acaso, acabei de encontrar um flat white na minha secretária. Não creio que o possa desperdiçar. – Pegou na chávena, bebeu um gole e sorriu. – Obrigada.
Encolhi os ombros.
– Porquê? – Segurei na minha chávena e brindei aos limites entre professor e aluno. Não foi à toa que eu e a Dra. Miller fomos postas como dupla de mentoria. Eu estudava Política, Comunicação Social e Cultura e ela lecionava a cadeira de Comunicação Social e Cultura Intertextual. Além disso, só havia mais um docente negro a dar aulas na Universidade de Whitewell, e ela estava responsável pelos alunos da licenciatura. O outro docente negro era um homem, que certa vez discursou perante os rapazes blackwellianos, durante o Mês da História Negra, explicando-lhes que a melhor maneira de evitar problemas era fingir que não os tinham (não vistam calças largas, não pareçam negros). Escolhi-a para minha mentora no primeiro ano, no terceiro seminário. Durante um debate sobre o poder cultural da comunicação social misturada com a arte, em que eu citei Lemonade a título de exemplo, um rapaz chamado Percy, que vestia roupa da Barbour e que eu, certa vez, ouvi descrever a turma como «serviço comunitário» – para ele, as «cenas de diversidade ficam bem no currículo» –, interrompeu-me para dizer que o álbum visual era um exemplo de «um tipo de conversa que promove a política de identidade e não contribui nada para a sociedade em geral». Abri a boca, pronta a chamar-lhe idiota racista, inculto e tacanho, mas pensei que talvez fosse melhor pôr em prática uns exercícios de respiração que aprendi com a minha guru favorita do YouTube, a Coco, do canal Chill with Coco.
«Não achas que», respira fundo, inspira, expira, «isso é um discurso de quem vive numa bolha?» A sério, Kiki, respira fundo… expira. «Como homem branco, a tua cultura é o normal para ti», estarei a falar demasiado devagar?, «e é provável que essa seja a razão por que tu», és um idiota chapado, «pensas que qualquer coisa diferente seja inferior. Porque é que achas que qualquer coisa que não seja o expectável para ti é de somenos?»
Todos se calaram e o Percy parecia prestes a explodir, de tão vermelho. A Dra. Miller assumira um ar ostensivamente inexpressivo; parecia uma monarca firme e imparcial, e os brincos pendurados, assim como os lábios cor de bronze, pressionados de uma forma que quase obscurecia um possível movimento, ainda que muito ligeiro, ajudavam a compor o cenário. O leve movimento que intuí podia ser uma mistura de orgulho e diversão, ou ambos, ou algo mais que eu não conseguia interpretar.
Pigarreou e disse:
«Creio que a mensagem que a Kikiola Banjo quer transmitir é que o que você está a dizer vai ao encontro do que os críticos incapazes de sair da sua linha de pensamento rígida, racial e autoimposta diriam. Essa rigidez racial leva, muitas vezes, à expansão do preconceito e de opiniões preconceituosas. Devemos ser cautelosos com a forma como dizemos as coisas.»
A Dra. Miller fez uns segundos de pausa antes de continuar, dando-nos espaço para nos apercebermos de que ela tinha, de facto, acabado de chamar ao Percy «idiota racista», numa linguagem académica. A sua inteligência e experiência protegiam-na de processos judiciais e sanções.
«Contudo, isto abre espaço para uma discussão», prosseguiu, andando pela sala de aula, com a caneta a bater na palma da mão. «O que é que nós pensamos? Será que a comunicação social aproximou a sociedade de uma sociedade pós-racial? Uma sociedade inter-racial?» As perguntas eram para a turma, mas, antes, ela lançou-me um sorriso firme e pequeno, a mim, a única rapariga negra na sala.
Mesmo a Blackwell sendo uma Sociedade Afro-Caribenha, a Universidade de Whitewell ainda era uma instituição de ensino superior artístico liberal do sul rural de Inglaterra, o que significava que a validação do termo «diverso», nos folhetos da universidade, estava a cargo de uma minoria. Éramos um mundo à parte quando nos juntávamos numa festa em casa de um dos estudantes, com as luzes apagadas, tipo sardinhas em lata. No entanto, na realidade, estávamos espalhados pela universidade, pelas disciplinas, pelos anos, a sentirmo-nos rebeldes porque, em vez de cursos sérios (direito, economia, qualquer-curso-que-permita-ter-um-trabalho-das-nove-às-cinco-onde-se-vista-roupa-clássica-e-se-façam-valer-a-pena-os-sacrifícios-dos-pais-imigrantes), optámos por misturar diferentes cadeiras, que os nossos pais consideravam frívolas.
Pensávamos ser vanguardistas com a nossa variedade de cadeiras de diferentes cursos (com os nossos cursos em história da arte a fazerem os nossos pais africanos pensar onde teriam errado), mas o preço que pagámos pela nossa rebeldia na educação superior foi sermos ainda mais minoritários, num espaço onde já éramos marginalizados. Por esse motivo, quando a Dra. Miller me olhou naquele dia, percebi que ela estava a sugerir que nos uníssemos. Sabia que teria de escrever uma carta ao meu então mentor – que ao início me informara sentir-se bastante aliviado por me poder chamar Kiki ao invés do meu primeiro nome completo, Kikiola – a solicitar a troca. Devido ao tipo de racismo benévolo com o qual podemos sempre contar – como quando o teu amigo branco te tentar juntar com o único rapaz negro que ele conhece –, não precisei de implorar muito para que o meu desejo fosse concedido e ter a Dra. Miller como minha mentora. De bónus, ainda ganhei um kit universitário de sobrevivência.
– Portanto – a Dra. Miller recostou-se na cadeira –, tu és um dos alunos mais bem-sucedidos que eu tenho.
– Podemos dizer que sou a aluna…
A Dra. Miller esboçou um sorriso pequeno e recatado.
– Bom, ultimamente, parece-me que tens tido alguma concorrência…
Impossível.
– Que piadinha, Dra. Miller.
A expressão da Dra. Miller não demonstrava sinais de estar a brincar. Endireitei-me. Tinha escolhido a versão mais avançada desta disciplina por ser o único módulo em que seria ensinada por alguém que me compreendia e também porque poderia falar sobre a substituição da tia Viv na série O Príncipe de Bel-Air, e, dessa forma, abordar a política da desejabilidade racial. Era onde eu prosperava, onde a minha mente se sentia tranquila e desafiada ao mesmo tempo, e era também um assunto em que eu conseguia ser das alunas com melhores notas. As palavras da Dra. Miller foram humilhantes.
O sorriso da Dra. Miller expandiu-se ainda mais quando olhou para mim, e continuou:
– De facto, era sobre isso que te queria falar. Como sabes, o Instituto das Artes e da Comunicação Social Brooks, da Universidade de Nova Iorque, é uma entidade com a qual temos uma parceria, e todos os anos cada professor pode indicar um aluno do segundo ano para se candidatar a um dos programas de verão que eles disponibilizam. Será uma boa experiência para enriqueceres o currículo, dá-te vantagem na seleção para um futuro emprego e é uma oportunidade para viveres uma experiência nova, para expandires horizontes. Considero o programa Pop Media deles perfeito para ti. Os candidatos serão remunerados e poderão passar pelos diferentes departamentos de uma empresa de comunicação social que inclui rádio, digital, televisão e gráfica. Muitos dos estudantes que participaram acabaram a trabalhar para as diferentes organizações que acompanharam. Já ouviste falar da Temilola Lawal?
Engoli em seco.
– A jornalista cultural que se tornou a pessoa mais nova a ganhar o prémio Pulitzer pelo seu artigo de fundo?
A Dra. Miller assentiu.
– Ela frequentou este programa. Acho que tens tudo para ser uma excelente candidata.
– Isso é a sério?
Era demasiado bom para ser verdade – era tudo o que eu queria, tudo por que tenho esperado. A felicidade nem me cabia no peito. No verão antes de entrar para a universidade, perdi a oportunidade de fazer um estágio, para o qual muitos estudantes concorriam, de comunicação social em Londres, por múltiplas razões que rotulei como «pessoais». Várias circunstâncias atrapalharam a minha capacidade de pensar da última vez, a minha cabeça estava uma confusão e o meu coração descontrolado. Desta vez, tinha a cabeça no sítio, estava controlada, ou seja, não estava prestes a estragar tudo.
Os olhos da Dra. Miller até brilharam.
– Sim, é, não ia brincar com isto. As piadas são entediantes, não achas? Vou enviar-te o formulário por e-mail, tens até janeiro para o preencher. Quanto ao ensaio que terás de escrever, sei que te vais sair bem. É sobre o poder da comunicação social e a forma como as pessoas se conectam através dela, e também vais precisar de um projeto extracurricular excecional e que esteja relacionado com comunicação…
– Essa última parte é fácil.
– Sim, eu sei que já tens o Brown Sugar – continuou a Dra. Miller, com a sobrancelha intencionalmente arqueada –, o que é fantástico, mas deves focar-te em… – Clicou no portátil com a unha polida e pintada de vermelho e ajustou os óculos no nariz. – «Construir, criar ou crescer. O candidato vai precisar de alcançar um crescimento tangível de um projeto ou plataforma de comunicação, modificando-lhe o formato ou começando-o do zero.» No caso, é pegar no que já tens e relatar o que fizeste e como chegaste a este ponto. Um plano de projeto…
– O Brown Sugar é um dos programas de rádio mais populares do campus.
– O teu público é louvável, decente, leal. Tenho espreitado os números das audiências, mas ainda há bastante espaço para crescer. É um ótimo programa e há várias maneiras de o melhorar, se quiseres. Ia sugerir que começasses por perceber quem é que não ouve o programa e por que motivo tal acontece.
Aquiesci e sentei-me.
– Está bem. Quero dizer, claro, assim farei, mas não é bem a minha função andar a perseguir os ouvintes, certo? Eles ou ouvem ou não ouvem. Não me posso transformar em algo que não sou…
A Dra. Miller sorriu, esboçando um lampejo gentil e cortante, o que me levou a pensar se o que ia dizer a seguir teria um tom amigável ou se ia acabar comigo.
– Kikiola – ouvir o meu primeiro nome na sua versão completa fez-me concluir que seria a segunda hipótese –, pertencer à comunicação social implica que te mantenhas fiel a ti e à tua voz, claro, mas também é sobre interagir com as pessoas com as quais comunicas. Não se trata de falar para, mas sim falar com, em conjunto.
»O que é que as pessoas querem? Como podes aliar isso ao que estás a tentar alcançar? Estás a estabelecer um diálogo com os ouvintes ou estás só a dar respostas didáticas? Há coisas sobre nós próprios que às vezes não conseguimos ver bem e tu não és exceção, em especial quando se trata de receber alguém novo.
Por norma, não me importava que a Dra. Miller fosse tão direta, mas, neste caso, incomodou-me. Não podia ter perguntado, com jeitinho, como me estavam a correr as coisas na universidade, enquanto empurrava panfletos sobre o alcoolismo entre a população estudantil na minha direção, como fazem os outros mentores?
– Dra. Miller, eu trabalho em grupo em todos os seminários.
A Dra. Miller ergueu uma sobrancelha.
– Kiki, quando estás em grupo, não dás oportunidade aos outros de expressarem as suas ideias.
– Mas na nossa apresentação sobre comunicação em massa, o Harry sugeriu que os livros deveriam poder ser injetados em forma de sérum. Isto é preocupante. Já agora, precisamos de falar sobre o sistema de aconselhamento desta universidade…
– Foi uma ideia fora da caixa. Porque é que não pomos em causa o modo tradicional de comunicar? Teria valido a pena discutir isso, mesmo que chegasses à conclusão de que não daria em nada, que isso é assunto da eugenia e da doutrinação. – Os seus lábios curvaram-se
ironicamente. – Outro problema é que tu organizas o trabalho todo e depois divides pelo grupo…
– Eu n…
– Eu conheço a tua voz e duvido muito que o Percy cite alguma frase da Patricia Hill Collins. Kiki, eu quero mesmo sugerir o teu nome para este estágio. Acho que és a candidata perfeita; mas também quero ver-te dar o teu melhor e isso passa por te desafiares a ti própria. O Brown Sugar pode crescer mais e acredito que esse crescimento pode acontecer se trabalhares, em conjunto, com as necessidades da tua comunidade.
Os ombros descaíram-me e recostei-me na cadeira. Não foi uma condição, mas um senão, um sapo a engolir, como se me tivessem oferecido bilhetes para um concerto do Drake, só que antes teria de ouvir pseudomachos brancos a cantar-me ao ouvido durante as três horas que antecedem o espetáculo. A minha estratégia funcionava.
As pessoas escreviam-me e eu respondia – de que outra forma poderia interagir com a minha comunidade?
Suspirei.
– Dra. Miller, espero não estar a ser arrogante, mas eu sei o que estou a fazer no Brown Sugar. Sou boa nisso. Não conseguirei eu descobrir uma outra forma de aumentar a audiência?
Os lábios da Dra. Miller curvaram-se, num sorriso subtil.
– Kiki, não se é arrogante ao se reconhecer no que se é bom.
Arrogante é pensarmos que não precisamos de crescer. Descobre o que mais podes fazer pelas tuas pessoas; sei que vais encontrar uma forma criativa. Nos seminários também arranjas sempre forma de chamar a mesma coisa ao Percy, usando palavras diferentes. – Bebeu um gole de café, escondendo a língua na bochecha.
Tentei equilibrar a minha euforia por saber que ela acreditava em mim com o pormenor de me ter pedido para fazer o impossível. O Brown Sugar era o meu espaço. Confere: partilhava-o com outras pessoas, mas sentia-me segura atrás do microfone. Pedir a opinião dos outros significava perder o controlo do programa e quiçá criar alguma desordem. Podia correr mal e eu não estava habituada a isso.
A Dra. Miller sorriu abertamente.
– Que expressão doce e inquieta. Ouve, lembrei-me de algo divertido que é capaz de ajudar. Ume outre alune meu…
Claro, o meu arqui-inimigo.
– … está a trabalhar num novo documentário. Também sou mentora delê. Perguntou-me se eu achava que fazer um filme era uma boa hipótese e respondi que sim. Ainda não tem tudo e eu acho que falar contigo é capaz de ser boa ideia, da mesma forma que também será bom para ti falares com elê. Poderia ajudar-te a alcançar mais pessoas. Elê é afável...
– Dra. Miller, está a dizer que eu não sou…
– És uma delícia, Kikiola, mas as pessoas recorrem a consultores com frequência, na comunicação social. Elê é ume alune brilhante e perspicaz. Também é novê por aqui, por isso, acho que seria bom poder contar contigo para se integrar. É diferente dos teus colegas de seminário, vocês estão no mesmo comprimento de onda. Vão dar-se bem a trabalhar juntes.
– Ah, é prete?
A Dra. Miller ignorou-me, possivelmente porque, ao responder a esta questão, arriscar-se-ia a ser suspensa.
– Eu vou enviar-te alguns dos sues trabalhos para o e-mail. Acho que vais achar interessante.
Esfreguei a ponta do nariz e senti-me incomodada com o fantasma do meu inimigo académico. Fiquei a pensar se seria alguém descarado; provavelmente, sim. Se calhar, era trágico, mas a escola era a minha praia, a minha aptidão era agora uma âncora e, ao que parece, precisava de alguém que me ajudasse a alcançar os meus objetivos.
Os olhos cor de âmbar da Dra. Miller devolveram-me um olhar caloroso, enquanto me avaliava.
– Quero que vás para Nova Iorque fazer este estágio, Kikiola, e que o consigas da melhor forma. Aproveita a oportunidade.
Fiquei na dúvida se a Dra. Miller gostava de mim ou se me odiava secretamente. Para quê desviar-me do meu caminho se eu estava a ir tão bem sozinha? A culpa fora minha, ao escolher uma universidade de artes liberal em Inglaterra. Quem é que faz isso? Lá porque não é o normal e não escolhi bioquímica ou direito, como as boas filhas nigerianas, tenho de passar por uma experiência holística e abstrata com ume estranhe? Por favor, inscrevam-me num torneio de futebol americano, como o Rose Bowl. Talvez seja mesmo culpa dos meus pais, por me terem compreendido e dado a liberdade de escolher um curso que eu quisesse, em vez de um que os tranquilizasse. Foi bastante tolo da parte deles valorizar a minha felicidade. Ser advogada até nem teria sido assim tão mau. Claro que a minha alma poderia ter-se tornado numa carcaça calcificada, mas eu ficaria ótima numa saia formal e afunilada. Tenho o rabo certo para isso.
– Têm três meses, dá mais do que tempo. Quero ver o que vais fazer com o Brown Sugar. – A Dra. Miller agiu sem dar espaço para mais perguntas, ao pousar o seu café pela última vez. – Por hoje, é tudo. Vai aproveitar a festa com os teus colegas. E obrigada por me teres trazido um flat white.
– Não posso dizer que tenha sido um prazer.
Ela ergueu a chávena vazia, em saudação.
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