A ortografia, a pontuação e os deslizes de pronúncia continuam entre os principais obstáculos no uso do português — dentro e fora das escolas. Com base em três décadas de experiência no ensino da Língua e Literatura Portuguesa, a docente e investigadora Sara de Almeida Leite lança, em coautoria com Paulo Freixinho, o livro 100 Maneiras de Melhorares o teu Português (edição Manuscrito) que procura ajudar estudantes (e não só) a evitar os erros mais frequentes.

O livro dirige-se sobretudo a um público jovem e escolar, mas pode ser útil também para pais, educadores e leitores em geral. Em destaque estão temas como o uso da vírgula, a diferença entre “à” e “há”, os casos de estrangeirismos e os erros comuns na conjugação verbal ou no uso de expressões — por exemplo, a ideia errada de que “pronto” tem plural.

Para além da explicação teórica das regras, o livro inclui uma componente prática. Cada capítulo integra jogos linguísticos concebidos por Paulo Freixinho, colaborador regular do jornal Público e autor de palavras cruzadas há mais de 30 anos. Estas atividades — que vão das palavras cruzadas às sopas de letras — servem como exercícios de consolidação, com o objetivo de tornar mais intuitiva a fixação das normas gramaticais e ortográficas.

Sara de Almeida Leite é licenciada em Línguas e Literaturas Modernas e doutorada em Estudos Portugueses, com especialização em Ensino do Português. Atualmente, leciona no ensino superior e tem vários livros publicados nas áreas da linguística e da literatura. Já Paulo Freixinho, cruciverbalista desde 1990, dinamiza sessões de palavras cruzadas em escolas e bibliotecas, tendo criado clubes e concursos escolares ligados ao vocabulário e à ortografia.

Do livro, publicamos os excertos abaixo:

Pronto não é “prontos”

Pronto/a(s) é adjetivo e pode ter diversos significados, entre os quais

os seguintes:

  • preparado. Por exemplo: Quando estiverem prontos para gravar, avisem!
  • terminado. Por exemplo: O jantar ficará pronto em cinco minutos.
  • apto. Por exemplo: As focas estão prontas para serem devolvidas ao seu habitat.
  • rápido. Por exemplo: Agradecemos a sua resposta pronta.

Podemos também usar a interjeição Pronto! quando pretendemos transmitir, de forma sintética e expressiva, a ideia de que algo basta, já chega. Trata-se de uma interjeição que pode assumir diversas reações ou diferentes estados de espírito: dita de forma entusiasmada ou carinhosa, pode expressar satisfação ou alívio; com uma entoação mais agressiva, pode denotar impaciência ou mesmo irritação. Vê se consegues dizer mentalmente estas frases com uma e outra entoação, para te consciencializares da diferença:

  • uma mãe a dizer ao filho, que caiu e começou a chorar — Pronto! Já passou, meu querido!
  • uma pessoa que está farta de ouvir outra a criticá-la — Está bem, pronto! Não precisas de me dizer isso outra vez!

Estes usos da palavra pronto — enquanto adjetivo e interjeição — são perfeitamente aceitáveis. O que não é recomendável é utilizar a interjeição pronto (ou o plural “prontos”) como bordão do discurso, isto é, como palavra esvaziada de sentido, a que apenas se recorre

para ganhar tempo, por insegurança, ou para encher o discurso, quando se tem falta de vocabulário.

Consegues resistir a essa tentação?

É claro que sim!

“Prontos”, “cena” e “tipo”: 3 deslizes no português de todos os dias (e os porquês para os evitar)
“Prontos”, “cena” e “tipo”: 3 deslizes no português de todos os dias (e os porquês para os evitar) créditos: Manuscrito

Deixa o bué fora da escrita

Em 2001, foi publicado, pela primeira vez, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, que ficou célebre por ter incluído a palavra bué na lista de vocábulos da língua portuguesa. Isto levou a que alguns estudantes pensassem que, por estar atestado no dicionário, o termo poderia ser empregado nos seus textos escolares sem que os professores condenassem o seu uso. Esse argumento, contudo, não tem razão de ser!

“Ovelha ronhosa! Como disse?” 8 palavras e expressões que andamos a tratar mal
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Muitas palavras usadas na linguagem coloquial e no calão (nas situações em que as pessoas têm muita confiança entre si e podem usar termos que seriam impróprios noutros contextos) — inclusive os chamados “palavrões” — podem ser encontrados nos dicionários. Contudo, isso não justifica a sua utilização em todas as circunstâncias. Num texto cuidado, ou num discurso formal, com certeza que são desadequados, não te parece?

Falar e escrever melhor implica empregar um registo cuidado, isto é, usar palavras não apenas corretas e adequadas ao que queremos comunicar, mas também diversificadas, evitando a repetição constante de termos comuns. Damos-te um exemplo: ao falar, tendemos a repetir a conjunção mas para ligar duas ideias contrárias.

Na escrita, porém, devemos alterná-la com outras conjunções que tenham o mesmo significado, como no entanto, todavia, contudo e aquela que usámos nesta frase: porém. O mesmo se passa com porque.

Se estivermos a escrever um texto cuidado, devemos substituir essa conjunção por pois, na medida em que, uma vez que, entre outras locuções com esse sentido.

Para ficares com uma noção clara dos diferentes registos ou níveis de linguagem, aqui fica uma tabela com uma breve definição e um exemplo para cada um.

Deixa o bué fora da escrita
Deixa o bué fora da escrita créditos: Manuscrito

Evita o tipo e a cena

Vale a pena chamar a tua atenção para um problema particular da oralidade: quando falamos, mais do que quando escrevemos, tendemos a apoiar-nos em certas palavras, ou porque funcionam como autênticas “bengalas” — daí serem chamadas de bordões —, ou porque servem para preencher lacunas no nosso vocabulário. E podemos habituar-nos de tal maneira a usá-las, que se torna difícil prescindir delas, quando a ocasião o exige.

Dois exemplos bem elucidativos são os termos tipo e cena, nas situações em que o primeiro não serve para nada, e o segundo serve para quase tudo.

A palavra tipo pode ser útil quando é usada com propriedade, ou seja, intencionalmente e apenas quando o seu significado é importante para transmitir uma ideia. Por exemplo, nas frases:

  • Que tipos de habitação conheces? (Isto é, que géneros…)
  • Aqueles tipos não inspiravam confiança. (Isto é, aqueles indivíduos…)

No entanto, a palavra tipo pode ficar esvaziada de significado quando é usada de forma repetida e inconsciente (apenas como “muleta” do discurso), como nas frases seguintes, em que não contribui minimamente para o sentido que se quer comunicar:

  • Ele era, tipo, confiante e corajoso.
  • Há pessoas que, tipo, não sabem o que querem.

A palavra cena, por seu turno, tende a ser usada como um termo ainda mais multifacetado do que já é, servindo, às vezes, para nos referirmos ao que não conseguimos nomear de forma precisa. Acaba, assim, por evidenciar uma certa preguiça linguística, ou mesmo falta de vocabulário.

Naturalmente, há contextos em que a palavra cena é adequada, quando tem os seguintes significados:

  • palco — “Quando os atores entraram em cena, o público aplaudiu.”
  • parte de uma peça de teatro — “As cenas implicam mudança de personagens.”
  • momento de um filme — “Só houve uma cena em que chorei.”
  • acontecimento digno de nota — “Hoje, houve uma cena caricata na cantina.”
  • birra ou fita — “Não precisas de fazer uma cena por causa disso.”

No entanto, existem muitos contextos em que é preferível empregar vocábulos mais específicos. Em seguida, apresentamos-te algumas frases com lacunas. Se apenas te ocorrer a palavra cena(s) para as preencher, deverás consultar as soluções no final do artigo.

cena e tipo
cena e tipo créditos: Manuscrito

Soluções:

Um anzol é uma peça para atrair e apanhar os peixes, na pesca.

Falar mal dos outros nas suas costas é uma atitude horrível.

Preciso de ir embora... Quando é que esta sessão acaba?

Saí do carro, e as calças caíram-me... Que situação embaraçosa!

A professora, às vezes, fala de assuntos que não se prendem com a matéria.

Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.