Para o psicólogo especialista em trauma João Veloso, um caso como aquele que acontece em Idanha-a-Nova, em que um menino de dois anos e meio esteve desaparecido durante mais de 30 horas, "tem um potencial traumático elevado".

"Não sabemos como esta criança viveu a experiência, até porque tem limitações da construção narrativa do evento. Possivelmente, ela vai instalar aquilo que seriam as situações de desconforto que possa ter passado. Por exemplo, se passou por muito frio pode instalar essa sensação de frio enquanto trauma, se sentiu fome pode instalar essa sensação de fome num contexto em que ela própria não vai conseguir explicar porquê", afirmou à agência Lusa o também investigador associado do Centro de Trauma da Universidade de Coimbra.

No caso de crianças pequenas, João Veloso destaca algumas manifestações para as quais a família deverá estar atenta, como a alteração do padrão do sono, do padrão relacional, do padrão alimentar, da sua autonomia, do controlo do esfíncter ou de uma dificuldade maior em ir para a cama.

"São indicadores que são particularmente importantes nos próximos tempos. É preciso estar atento a esses padrões", disse, defendendo ainda que o acompanhamento "é fundamental, mas não um acompanhamento qualquer".

Segundo João Veloso, é importante haver uma monitorização por técnicos da saúde mental com valências na área infantil e na do trauma.

"Como não mandamos um clínico geral tratar de uma fratura de um perónio ou de uma tíbia, nestes casos é também muito importante haver um acompanhamento especializado", defendeu.

Sem falar do caso em concreto, também a diretora do serviço de pedopsiquiatria do Centro Hospitalar e Universitário da Cova da Beira, Paula Correia, realçou que em situações destas a criança poderá ter "medo de voltar a ficar sozinha, podem aumentar as birras, ficar mais dependente dos pais e apresentar o seu sofrimento a partir de alterações no sono, na alimentação e ter dificuldade em separar-se dos pais para se deitar".

Em situações traumáticas, os pais devem ser "pacientes, tolerantes e promover um sentimento de segurança da criança, com atividades calmas e de conforto à hora de deitar e manter as rotinas familiares habituais", apontou.

"Devem estar atentos aos seus medos e dar uma dose extra de atenção e carinho que é o que as crianças precisam nessa fase", salientou.

Paula Correia realçou ainda que "as crianças são muito resilientes", considerando que após o acontecimento potencialmente traumático é importante os pais serem uma "grande fonte de tranquilidade e segurança" e estarem atentos a possíveis mudanças.

"Cada criança é uma criança. Face ao mesmo trauma, há crianças que não têm sintomatologia e outras que ficam com algum tipo de sintomatologia", realçou.

Na quarta-feira, foi dado o alerta do desaparecimento de uma criança, a cerca de 1,5 quilómetros do núcleo central da localidade de Proença-a-Velha, concelho de Idanha-a-Nova.

A criança esteve desaparecida durante mais de 30 horas e foi encontrada na quinta-feira, pouco antes das 20:00, num "setor de busca que foi alargado", a quatro quilómetros de casa (em linha reta), ainda na zona de Proença-a-Velha, mas muito próximo da povoação de Medelim.

Nas operações participaram militares da GNR, bombeiros, proteção civil municipal, sapadores florestais e voluntários, com apoio de equipas cinotécnicas, drones e mergulhadores, que estiveram a vistoriar poços e linhas de água.

Dezenas de voluntários, muitos deles estrangeiros, também participaram nas buscas.

Hoje, a diretora clínica do Hospital Amato Lusitano, em Castelo Branco, afirmou que a criança encontra-se "bem e livre de perigo", mas vai manter-se internada para estabilização.