Existem memórias de eventos passados que deixam marcas profundas. A experiência de episódios emocionalmente ativadores e perturbadores (tais como ter sofrido abusos ou maus-tratos na infância ou adolescência, testemunhar um evento violento, ou viver em contexto de guerra) criam memórias traumáticas que são revividas com sofrimento e que influenciam diretamente a forma como pensamos, como sentimos e como nos relacionamos connosco próprios e com os outros.

O cérebro parece viver aprisionado no passado e isto acontece porque as memórias traumáticas têm a capacidade de mediar processos cerebrais e até alterar vários processos orgânicos, causando somatizações e perturbações tão debilitantes, como por exemplo, a perturbação de stresse pós-traumático.

A investigação científica tem demonstrado que as memórias de eventos traumáticos têm propriedades e características próprias que as diferenciam das memórias comuns. Estas memórias têm os seus próprios mecanismos para “perpetuar” a dor, aumentar a sensação de medo, experienciar o stresse de forma crónica e até afetar o funcionamento normal do cérebro. Desta forma, as memórias emocionais traumáticas levam-nos a criar padrões psicológicos e comportamentais repetitivos, tais como a hipervigilância (isto é estar sempre em estado de alerta), a necessidade de fugir, a angústia constante.

Todos estes processos fazem parte de um círculo de sofrimento permanente, mas que pode ser experienciado de forma diferente por cada pessoa e levar inclusivamente a alterações da própria memória. Por exemplo, há pessoas que passam a integrar memórias que não são inteiramente verdadeiras e que intensificam ainda mais o sofrimento e existem pessoas que bloqueiam certas experiências, funcionando como um mecanismo de defesa que tem como intenção diminuir o sofrimento (amnésia dissociativa).

É possível voltar à normalidade após uma situação traumática?

Nem sempre, pois irá depender do trauma, dos despoletadores do trauma, do acompanhamento terapêutico e da própria pessoa.

Embora seja possível superar os efeitos de um acontecimento traumático, o mesmo não se esquece. Os mecanismos de coping, ou seja, as estratégias que a pessoa utiliza, permitirão criar um espaço para outro tipo de normalidade, mas a experiência de eventos novos poderá estar sempre associada ao trauma, se não houver uma desconstrução dos mesmos.

A procura de ajuda profissional é fundamental. Com ajuda profissional especializada, o que vai acontecer é a criação de um programa psicoterapêutico com recursos personalizados a cada caso, que incluirá regulação emocional e recursos para lidar com o sofrimento. Pretende-se criar alicerces de segurança interna para que a pessoa consiga criar resiliência e um novo paradigma de pensamento, reestruturado e adaptativo. Para tal, é importante não criar a ilusão de que as pessoas que passarem por estas adversidades se tornam invariavelmente mais fortes. Há adversidades e adversidades. Por isso, é que cada plano tem que ser ajustado não só em função das experiências vividas, do tipo de trauma, mas também em função dos objetivos terapêuticos do cliente. Um dos grandes erros é tratarmos as perturbações de forma estandardizada e generalizada. Nestes e noutros casos, as especificidades podem ditar o sucesso da intervenção.

A cura não depende exclusivamente da força de vontade que a pessoa tem em superar. Alia-se antes ao desenvolvimento de capacidades, estratégias, ao aprender a ser flexível, resiliente e capaz de aceitar a dor e saber conviver com ela de forma funcional.

Sobrevivermos a algo tão negativo não é suficiente para sermos felizes. É preciso tratar o que dói para continuarmos a viver, é preciso ter ferramentas para superarmos o passado e permitirmo-nos viver um presente saudável, seguro e repleto de novas oportunidades e experiências profícuas. E para quem se quer libertar de correntes ao passado, os serviços de psicologia são absolutamente indispensáveis.

Um artigo da psicóloga clínica Laura Alho, da MIND | Psicologia Clínica e Forense.