Mariana Torres, a obstetra que nos dá tempo e transmite calma

É um feito que é preciso assinalar: desde 2015 que Mariana Torres não faz episiotomia nos seus partos. Em Portugal, haverá mais profissionais como ela, mas serão ainda a excepção e não a regra, ao contrário do que preconiza a Oganização Mundial de Saúde (OMS), nas últimas recomendações sobre parto, lançadas em fevereiro de 2018. Não há evidências da necessidade de recorrer a esta intervenção, diz-nos o documento. A realidade é outra. Mas há outras opções. E a voz de Mariana Torres é uma das pessoas que as divulga.

A sua página de Instagram tem mais de 16 mil seguidores e diariamente as partilhas vão no sentido de ajudar as mulheres a informaram-se e a conhecerem o caminho que querem seguir. No final tudo se resumo a isto: o parto é uma experiência poderosa e o caminho que se faz nesse momento é decisivo, para o bem e para o mal.

O que é um parto humanizado?

Existem vários nomes para a mesma coisa: parte humanizado, parto respeitado, há quem fale em parto positivo. O parto humanizado tem a ver com o foco nos direitos humanos. Por isso, mantendo a segurança e a qualidade em termos científicos, digamos assim, é voltar a pôr o foco na relação com os seres humanos que estão em trabalho de parto.

Esta humanização do parto tem a ver com o compreender quais são as expectativas que aquela grávida tem, quais são as suas individualidades, os seus medos e, ao longo do processo do trabalho de parto, permitir que ela seja a protagonista do momento, ser o centro de tudo o que está a acontecer, conseguir manter essa sensação de controlo da experiência e da sua opinião ser tida em conta.Por isso, o termo que até acho mais interessante é o de parto positivo, que é o termo que a OMS usa nas suas recomendações de 2018.

É a própria OMS que diz que nas últimas décadas verificou-se um aumento da medicalização do parto e que isto não foi necessariamente associado a melhores desfechos. Esse aumento das intervenções médicas não está propriamente a trazer vantagens em termos de saúde para a mulher e o bebé, regra geral no mundo. E por isso há cada vez uma maior tentativa que seja uma experiência satisfatória, da grávida, acima de tudo, mas também do bebé e do acompanhante.

Por isso, em 2018 acharam interessante reunir num documento quais são as intervenções durante o parto que são associadas a experiências mais positivas e basicamente é diminuir um bocadinho as rotinas. Há muita coisa que, ao longo do tempo, foi sendo instituída como uma rotina, no parto, e a OMS disse “isso não precisa de ser uma rotina”. E se não for feito, a mulher vai ter uma experiência mais positiva.

E no caso de cesarianas?

Isto não inclui só um tipo de parto. Podemos falar que uma cesariana pode ser uma experiência positiva e acima de tudo também pode ser humanizada, de forma a que as pessoas se possam sentir mais importantes, com um papel no processo, não é só aquele parto vaginal, sem intervenções. Não é isso um parto positivo ou um parto humanizado, é o caminho. É, acima de tudo, devolver o poder à grávida sobre a sua experiência, respeitar a sua autonomia e é a preocupação com a satisfação, que é uma coisa um bocadinho recente: as pessoas preocuparem-se não só a mãe e o bebé estarem vivos e de boa saúde física, mas também com impacto em termos emocionais dessa experiência de parto.

O que distingue uma cesariana humanizada?

Esta cesariana humanizada, ou o termo mais usado é cesariana centrada na família (do termo inglês  family-centered cesarean), é manter todas as condições técnicas de segurança da cesariana - que é uma cirurgia em que os passos normais devem ser mantidos - e o que pode ser feito, sem comprometer essa segurança, para que a experiência possa ser mais positiva.

Toda esta informação sobre perceber o porquê da cesariana é um passo muito importante para que esta seja uma experiência positiva. Perceber de onde é que surge, compreendê-la e aceitá-la. E a seguir, num ambiente calmo, a pessoa poder ter uma música da sua escolha, ter o acompanhante, que é uma coisa que está na lei desde 2016, e que infelizmente, mesmo antes da pandemia, não era uma prática recorrente nos hospitais. Depois, no momento do nascimento do bebé baixar-se os panos que estão a tapar, para a grávida poder presenciar o nascimento. Pode também ser realizado o contacto pele com pele, ou seja, o bebé sair e, não precisando de nenhum cuidado especial do pediatra, ser colocado em contacto com a mãe. E havendo vontade, pode-se começar a amamentação se parecer que é esse o caminho que mãe e bebé querem. Também é possível não fazer o corte imediato do cordão umbilical. São algumas coisas que vão sendo contruídas para que uma cesariana seja uma boa experiência.

A maioria das mulheres não tem a cesariana como o plano A. Nós sabemos que uma mulher que tem uma cesariana de forma inesperada, não planeada, é a que fica menos satisfeita, mas com este tipo de alterações fica uma experiência mais positiva.

Parece haver a ideia de que o parto humanizado é uma moda…

A minha perspectiva sobre isto é que até há pouco tempo tínhamos uns cuidados de saúde bastante paternalistas. Havia uma hierarquia e um profissional de saúde - um médico ou um enfermeiro - que tomava as decisões.

A posição da OMS relativamente ao parto

A 15 de fevereiro de 2018, a OMS emitiu um documento com 56 recomendações. Um dos pontos principais é a ideia de que as equipas médicas e de enfermagem não interfiram no trabalho de parto de uma mulher de forma a acelerá-lo, a menos que existam riscos reais de complicações.

Esta recomendação veio pôr em causa orientações que foram adotadas duraram décadas e que indicavam que um trabalho de parto que progride com uma taxa de dilatação do colo do útero menor que um centímetro por hora não fosse considerado normal. Perante este cenário, muitas vezes as mulheres recebem oxitocina para acelerar o trabalho de parto ou acabam por ser encaminhadas para cesarianas ou para trabalhos de parto com instrumentados.

“Pesquisas recentes mostraram que esta linha não se aplica a todas as mulheres e que cada nascimento é único", disse Olufemi Oladapo, perito em saúde materna da OMS. Segundo o responsável, a recomendação vai no sentido de indicar que esse limite de um centímetro de dilatação “não deve ser usado para identificar as mulheres em risco".

Para a OMS, muitas mulheres preferem um nascimento natural e confiam nos seus corpos para dar à luz o seu bebé sem intervenção médica desnecessária, considerando que, mesmo quando a intervenção médica é necessária, é preciso incluir as mulheres na tomada de decisões sobre os cuidados que recebem.

As recomendações incluiem ainda o direito a ter um acompanhante à sua escolha durante o trabalho de parto e respeito pelas opções e tomada de decisão da mulher na gestão da sua dor, nas posições escolhidas durante o trabalho de parto e ainda o respeito pelo seu desejo de um parto totalmente natural, até na fase de expulsão.

*com Lusa

Agora há uma maior consciência da sociedade e dos profissionais de saúde da importância de não haver este paternalismo, de ser uma medicina baseada na evidência, mas acima de tudo com respeito pelas escolhas e autonomia das pessoas, porque nada pode ser feito sem o consentimento de cada um. E acima de tudo, nem todas as escolhas são claramente uma melhor que a outra. Há várias escolhas que têm riscos e se aquele utente vai ter o risco, a consequência, faz sentido perceber qual é a opinião dele sobre esses riscos e qual é o caminho que parece ser melhor para si mesmo. Isto é algo que vai sendo feito.

Mas depois na medicina também existem muitas rotinas, muitos hábitos na obstetrícia em termos de acompanhamento de parto, e tudo o que é mudança gera algum tipo de desconforto e de medo. Há umas décadas os partos aconteciam num ambiente completamente diferente de hoje em dia. Os partos no hospital são uma coisa relativamente recente e sem dúvida que muitos beneficiaram desta mudança, mas também de tudo o resto que mudou nas últimas décadas (em termos de condições de saúde, de acesso a água potável, medicação que surgiu para infeções, etc) melhorou os cuidados e saúde no global.

Depois entrou-se nesta rotina de protocolos, de se fazer cada vez mais intervenções, de a medicina ser cada vez mais defensiva, de as pessoas terem medo de algum desfecho e por isso acharem que têm de fazer cada vez mais intervenções. Deixar de fazer coisas é um bocadinho mais difícil do que acrescentar coisas. Aos poucos também é uma questão de a própria sociedade começar a dizer que está preparada para isso e que vamos todos fazer esta mudança.

A visão que se tem deste tipo de parto está desajustada?

Ao longo da vida, sempre que vamos falando de partos, foi-nos passada aquela ideia de ser um momento de sacrifício da mãe. Isso vai sendo transmitido de geração em geração e começou-se a normalizar certo tipo de práticas. As pessoas, por mais que terminem um parto e olhem para trás e digam “o que é que me aconteceu” depois a sociedade diz “todas nós passámos por isso, é tudo normal”. Fica difícil ir contra a sociedade, que diz que é normal.

Muitos dos partos que acontecem – e isto não é um problema exclusivo de Portugal, é também a nível internacional – são muito intervencionados, em que há muito consentimento implícito (os profissionais fazem procedimentos sem pedir o consentimento explicitamente) e a pessoa quando se apercebe tem o parto a ser acelerado com oxitocina, já lhe fizeram uma episiotomia e ninguém lhe falou de nada. Aos poucos isto tem que ir mudando. Uma das minhas missões nas redes sociais é precisamente isso: dizer que não tem de ser assim, há alternativas, mantendo a segurança. E as pessoas começam a acreditar nisso.

É muito duro uma pessoa assumir que podia ter sido diferente e que podia ter sido melhor. Esta é uma mudança que tem de se ir fazendo. Aprendemos a não questionar o porquê, temos medo de que o outro fique ofendido por estarmos a perguntar coisas. É uma coisa que se tem de treinar.

De que forma a experiência de parto pode influenciar a vida de uma mulher?

Não existem muitos estudos onde nos possamos basear para falar sobre isto mas podemos falar, por exemplo, em termos de amamentação ou em termos de vínculo com o bebé. Não estou a querer dizer que uma mulher com um parto por cesariana ou com intervenções não se vai vincular ao seu bebé. Podem é surgir desafios que atrapalhem este processo.

Há estudos que mostram que o facto de um parto ser por cesariana pode dificultar a amamentação, haver um atraso na descida do leite. No geral, as recomendações são “vamos evitar procedimentos desnecessários”.

Depois temos o lado o parto que influencia em termos de autoestima, de a pessoa se sentir capaz. O que se costuma dizer é que o parto é um momento que tem potencial para aquela pessoa levar para a vida a sensação de ser capaz. E ser capaz não significa apenas ter um bebé sem epidural. É fazer esse caminho, fazer as escolhas que tem de fazer, ser protagonista do seu parto e ter um papel ativo. Isso eu vejo como uma oportunidade que é uma pena não ser aproveitada.

Depois em termos de relação com o companheiro, sabemos que existem algumas intervenções no parto que podem levar a que as pessoas tenham dores nas relações a longo prazo e que influenciam a relação sexual e em termos de imagem.

Há muita coisa que o parto pode influenciar, a seguir. Um medo na gravidez seguinte, o passar às próximas gerações essa experiência.

Preparação do corpo para o parto: o que a mulher deve fazer?

É importante ao longo da gravidez manter um estilo de vida saudável, em termos de exercício físico, ter mobilidade, não ter um ganho de peso que não seja o saudável para aquela pessoa.

Pode ser interessante fazer uma avaliação de fisioterapia de reabilitação do pavimento pélvico. Existem alguns estudos que dizem que fazer uma massagem perineal durante a gravidez pode diminuir o risco de lacerações no parto.

Mas acima de tudo eu acho que é a confiança. É ter a informação sobre o parto de forma a compreender que é um processo fisiológico, do corpo, e por isso as mulheres que acreditem nelas mesmas e na sua capacidade para que ele aconteça com um dano mínimo.

Que conselhos dá para o momento do parto?

É importante a informação na gravidez para as pessoas fazerem as suas escolhas e estarem alinhadas com as suas expectativas. Somos todas diferentes por isso fazemos escolhas diferentes. Estar informada é o mais importante.

Para o parto em si, o que está mais associado a uma experiência de parto positivo é permitir que o trabalho de parto inicie de uma forma espontânea, desde que não surja algo que nos leve a induzir, não ser acelerado por rotina, haver liberdade de movimentos durante o período expulsivo, a mulher ter acesso a bebida e a OMS também fala, em situações de baixo risco, acesso a comida durante o trabalho de parto, ter o acompanhante da sua escolha - algumas mulheres até optam por contratar uma doula durante a gravidez e terem esse apoio no parto e há estudos que mostram que traz várias vantagens.

E depois é dar tempo. Às vezes as pessoas têm uma expectativa que não é muito realista de quanto tempo demora um parto e essa informação também vai ajudar a ajustar essa espectativa.

No momento, manter a liberdade de movimentos, aquela pressão que às vezes se vê a fazer em cima da barriga das grávidas no período expulsivo não está recomendada. A episiotomia também não está recomendada pela OMS. Acima de tudo é dar tempo e ter paciência.

E pesquisar-se sobre técnicas de alívio da dor?

Sobre técnicas não farmacológicas é estar-se informada, sem dúvida. Porque há pessoas que podem estar a sentir dor mas conseguem gerir com um duche, uma massagem.

A dor do parto é diferente de tudo o resto, vai e vem, uma pessoa está bem nos intervalos e por isso não estou a menosprezar porque há mulheres que dizem que dói muito, mas há outras formas sem ser a epidural para se experimentar antes. É como se fosse uma escadinha em que vamos experimentando coisas menos invasivas. E só depois, se isso não funcionar, temos uma epidural.

Um parto positivo invalida o recurso a epidural?

Claro que não. Alguém precisar ou querer uma epidural e ser-lhe recomendada não é motivo para o parto não ser positivo. Este tipo de parto é aquele que responde às crenças daquela mulher, em que ela é respeitada pelas suas decisões. É importante é que a pessoa tenha acesso aos vários métodos de alívio da dor e que não lhe sejam feitas intervenções que a impeçam de sair da cama ou de tomar um duche quente, por exemplo, que levem a que a dor seja mais insuportável e que se peça a epidural como medida de desespero por não estar a conseguir aliviar esse desconforto de outra forma. Agora, se a grávida está a tentar gerir esse desconforto com recurso a métodos não farmacológicos, tem menos risco e são métodos menos invasivos, Mas, se mesmo assim sente necessidade de algo mais, a epidural é um ótimo método para aliviar essa dor. A pessoa tem só que saber das vantagens e desvantagens para fazer a sua escolha informada e ter acesso a essa opção.

A recuperação do pós-parto pode ser diferente?

Quanto mais não seja, a pessoa não se sente desrespeitada ou não compreendida, ou estar confusa com o que lhe aconteceu e pode influenciar aquele pós-parto imediato ao olhar para trás, compreender o que é que lhe aconteceu e ficar feliz e sentir que foi uma experiência positiva.

Porque é tão importante respeitar o contacto entre o bebé e a mãe nos primeiros momentos?

O que está recomendado, e faz parte também das recomendações da OMS, é o contacto pele com pele na primeira hora de vida, a considerada “golden hour” (hora dourada), que é o bebé estar em cima da mãe despido, é literalmente um contacto pele com pele. Isso é importante quer como forma de vínculo, como também é facilitador da amamentação. E além disso é uma experiência que a maior parte das mulheres diz que é prazerosa.

Qual a sua opinião sobre a afirmação “mais vale cortar que rasgar”?

É uma boa hipótese que foi colocada mas infelizmente começou a colocar-se em prática com esse argumento. Ao longo do tempo foram surgindo estudos que mostram que na realidade, cortar não evita as lacerações graves, que são essas que queremos evitar.

Todos os argumentos, todas as hipóteses que as pessoas foram levantando para o benefício de cortar, não estão a ser respaldadas por evidência científica. E por outro lado, também sabemos que cortar tem maior risco de hemorragia, de infeção, de dor a longo prazo, do que acontecer uma laceração espontânea.

Mais importante do que cortar para ajudar o corpo da mulher a tolerar melhor a saída do bebé é permitir a tal liberdade de movimentos, aplicar compressas quentes na altura do parto, não ter pressa, não manipular tanto o corpo da mulher. E isso sim é melhor que cortar.

Se até há pouco tempo a OMS falava em até 15% como uma taxa aceitável, nas últimas recomendações não consegue atravessar-se com um número. E até já começam a surgir estudos a comparar o nunca cortar com o cortar de vez em quando e acredito que daqui a algum tempo vamos chegar ao ponto de poder afirmar que a episiotomia está reservada para situações muito raras e não em 70% dos partos, como acontece em Portugal. Eu não faço episiotomia há sete anos e a minha experiência tem sido bastante positiva. Há pessoas que já não fazem há 19 ou 20 anos, como é o caso da doutora Melania Amorim, no Brasil, que é uma das autoras desse estudo entre não cortar nunca versus cortar pouco.

Plano de parto, sim ou não?

O plano de parto é uma ferramenta espetacular para as pessoas poderem descrever um pouco de si e das suas preferências, para que os profissionais de saúde que a vão receber consigam adequar as suas práticas às expectativas daquela pessoa. Essa é uma forma fácil de ajudar quem lá está a melhor cuidar de nós.

Além disso, só o caminho de termos a informação e ser capaz de escrever um plano de parto, que reflita mesmo a sua vontade, já fez com que o parto fosse muito mais positivo porque a pessoa teve essa informação.

Sendo o parto um momento em que, hormonalmente, toda a fisiologia diz que deve ser o menos perturbado possível, em termos biológicos e fisiológicos, é melhor no plano de parto ter a informação para não se ir perguntar à grávida sobre as suas preferências.

O plano de parto é o que a pessoa espera do seu parto, o que é importante para si e acima de tudo. Se houver algum desvio da normalidade as pessoas têm direito de ser informadas e de fazer escolhas diferentes do que as que estavam no plano.

Na minha prática costumo recomendar que o façam e tenho todo o gosto em conversar sobre ele e já está na lei desde 2019 como sendo uma coisa aconselhada e que deve ser incentivada.

Porque é que as mulheres têm tanto medo do parto?

Por dois motivos: porque é o desconhecido e temos tendência a ter medo do desconhecido, principalmente quando se afigura como desafiante; por outro lado é pelo que vamos ouvindo dizer, é muito cultural, o que vai sendo passado de geração em geração como sendo um evento difícil.

Espero que um dia consigamos passar às próximas gerações que o parto pode ser uma coisa positiva e que as meninas cresçam com entusiasmo pelo dia em que vão viver isso.

Eu não acredito que as coisas sejam más porque os profissionais sejam necessariamente maus ou que alguém faça as coisas de propósito. Acho que é um sistema, que são hábitos, é ainda haver pouca sensibilidade e noção do impacto que isto pode ter nas nossas vidas e as pessoas têm medo de mudar.

Os profissionais que acompanham partos também são seres humanos e não sinto que façam determinado tipo de práticas por querer incomodar aquela pessoa. Simplesmente há muitos fatores a influenciar o que vai acontecendo e a mudança não é tão rápida como todos nós gostaríamos.


Informação é poder e aumentar a taxa de literacia na saúde é a missão de Mia Negrão

Ainda não é mãe, mas nos últimos anos tem feito o seu trabalho por elas: seja enquanto advogada, jurista ou doula. Mia Negrão criou o projeto Nascer com Direitos onde explica a grávidas e seus companheiros quais são os seus direitos e acolhe as suas dúvidas. No seu site tem resumida a sua missão: melhorar a prestação de serviços de saúde com base na evidência e erradicar a violência obstétrica.

Mas o início não foi fácil. O ponto de viragem foi o primeiro confinamento quando, em conjunto com Ana Sanches, organizou um webinar de esclarecimento de dúvidas, num momento em que os direitos das mulheres grávidas estavam claramente a ser violados. As pessoas sentiam-se perdidas e buscavam ajuda. Hoje tem uma página no Instagram perto dos 13 mil seguidores onde continua a partilhar muita informação, sempre com a pretensão de ajudar outras mulheres.

Nascer com direitos. O que quer isto realmente dizer?

Em primeiro lugar, Nascer com Direitos é um projeto que não tem a ver com advocacia, mas onde reúno as minhas competências enquanto advogada ou só como jurista e consiste em dar informação gratuita, através das redes sociais, e também nas sessões Nascer com Direitos em que recebo os casais e ajudo-os a construir um plano de parto que seja cientificamente e legalmente fundamentado.

No fundo, aquilo que eu quero é que as pessoas conheçam as recomendações da OMS e aquilo que são as evidências científicas. Que conheçam também a lei em Portugal para saberem o que é exigível. Por exemplo, quando as pessoas querem ter um acompanhante no trabalho de parto. À partida é básico mas a maioria das pessoas não sabe que isto é um direito.

Aquilo que as pessoas encontram nas sessões não é só informação, não é só uma sessão, são várias, até termos um plano de parto construído. E o que vejo é que também há muito trabalho meu que tem a ver com o facto de ser doula e ter conhecimento daquilo que acontece nos hospitais, não só por já lá ter estado mas também de ouvir relatos de outras pessoas que são minhas clientes. Portanto fico a saber quais são as práticas dos obstetras e também dos hospitais e acaba por ser muito interessante porque as pessoas perguntam-me “sabe como é neste hospital” e a resposta é “sei”. Acaba-se por dar muita confiança a estes casais pela previsibilidade. Nós já sabemos que o parto vai acontecer, que o bebé vai ter de sair, seja por cesariana, seja por parto normal. O melhor que podemos fazer é prepararmo-nos para isso. E o que faço nas sessões é preparar os casais para vários cenários, não preparo só para o cenário ideal, que é o parto que desejam.

É muita gestão de expectativas…

Sim, isso é o principal. Há pessoas que chegam a sessões e dizem que querem o parto de tal maneira e eu começo a fazer perguntas e respondem-me “aí eu digo que sim, se o médico disser”. Não! Vamos ver a informação toda de base para no momento conseguirem auto-determinarem-se. Nas sessões eu preparo os casais desde o minuto em que estão em casa e a mulher entra em trabalho de parto até ao momento em que se deslocam até ao hospital, como funciona a admissão, o que geralmente acontece, com quem se vão encontrar, os procedimentos para o internamento… Eu acho que reduz muito a ansiedade. Sobretudo nesta fase de pandemia, é mesmo importante reduzir a ansiedade para as grávidas e os casais.

Como correu no início?

Foi difícil. Achava que as pessoas não queriam receber este tipo de informação, não queriam falar sobre isto até porque o parto acaba por ser um tema tabu. Decidi fazer este projeto depois de ter apresentado um trabalho na Faculdade sobre a episiotomia e o consentimento informado. Todos os colegas aplaudiram e gostaram imenso e numa aula seguinte, houve uma colega que me disse “pensei nisto e partilhei com a minha tia que é parteira e ela disse-me que isto é tudo mentira” e eu pensei “Meu Deus, estou aqui a remar contra a maré”.

Comecei a perceber que se calhar tinha de mudar a forma de comunicar e em vez de falar na violência obstétrica e nos atos sem consentimento tinha de falar de forma positiva e dizer que as pessoas têm direitos. Então vamos lá dizer quais são esses direitos! E resultou muito melhor, como é óbvio. As pessoas ficam mais aptas para perceber quando aquele direito está a ser respeitado sem ter que ser eu a dizer. Porque na verdade, a maioria que sofre violência obstétrica não percebe que o que lhe aconteceu no parto foi violência obstétrica. Elas sentem qualquer coisa, sentem-se desrespeitadas, injustiçadas, mas depois normalizam tudo porque acham que tem mesmo de ser assim.

O que é um consentimento informado?

É um ato em que a pessoa dá autorização para que, neste caso, um profissional de saúde, faça uma determinada intervenção no seu corpo. E o que é que isto significa: para haver consentimento informado é preciso haver informação. É preciso que alguém proponha uma intervenção e que informe quais são os riscos, os mais frequentes, e os benefícios, explicar porque se está a propor aquela informação e dar a escolher aquela pessoa se quer aceitar ou não. Inclui também dizer qual é o risco de aceitar ou não aquela intervenção.

Quanto ao formulário, é importante para reduzir o consentimento a escrito, ele não é necessário para a maioria dos procedimentos apenas para atos maiores (amniocentese, administração de epidural, cesariana). Aí é preciso reduzir o consentimento informado a escrito. Caso contrário pode ser verbal.

“As mulheres têm de resgatar o seu poder no parto” é uma frase da Mia. Sente que as mulheres estão cada vez mais alertas para estas questões?

Boa pergunta... Não faço ideia. Acho que há um nicho de mulheres que sentem essa vontade de resgatar o poder no parto e sinto que há outras que ainda estão alheadas disso. Não há propriamente aqui culpa ou responsabilidade. Isto depende muito do ambiente em que nós crescemos, daquilo que vamos ouvindo, depende de muitas coisas. Tem de ressoar em nós.

Recebo este feedback muitas vezes: “nós somos só mulheres, só estamos grávidas, temos o direito a ser respeitadas, não tem de ficar à nossa responsabilidade o ter de recolher informação para podermos exigir ser bem tratadas, isto devia ser um direito básico, devia acontecer em todos os hospitais”. Mas de facto não acontece e elas sentem-se culpadas e pressionadas para ter a informação quando na verdade é o sistema que lhes está a falhar.

Se o sistema mudasse haveria muitas mais mulheres a querer resgatar esse poder porque iam sentir que a responsabilidade era delas e assim poderiam escolher ter um parto respeitado, pesquisarem sobre isso e terem um parto sabendo que não têm de estar a lutar contra o sistema para ser respeitado, à partida seria garantido. Portanto, as mulheres só teriam de fazer o trabalho delas que é mais emocional em vez de terem de se informar sobre todos os seus direitos, o que em Portugal ainda é preciso fazer-se.

Quais são as principais preocupações das mulheres que a procuram na fase da gravidez?

Número um: ter acompanhante. Número dois: não ter episiotomia. E número três: evitar uma cesariana. Regra geral são estas as grandes preocupações.

Trabalho muito em rede, não trabalho sozinha e encaminho para profissionais de saúde, não estou a fazer um trabalho contra eles. Tenho uma rede de profissionais de saúde em quem eu confio porque sei que eles estão atualizados e que agem de acordo com as boas práticas clínicas e com as recomendações da OMS e encaminho as pessoas para pedirem segundas opiniões e para perceberem exatamente aquilo que querem. Dou-lhes a escolher as várias alternativas para buscarem informação e decidirem aquilo que querem fazer.

Também é procurada por profissionais de saúde?

Posso dizer que cerca de 20 % das minhas clientes das sessões são profissionais de saúde. Regra geral enfermeiras, também algumas técnicas de análises clínicas e outras profissões da área, mas muitas enfermeiras, sem dúvida. Também recebo alguns contactos de Enfermeiros Especialistas em Saúde Materna e Obstétrica (EESMO), não para atualizar os conhecimentos, mas para perceber quais são os direitos das grávidas para poderem agir de acordo com eles, para conhecerem a lei, saber quais são as boas práticas, para saberem o que estão a fazer de bem e de mal. Por isso tenho workshops e webinares para isso e o próximo vai ser dia 14 de maio.

Porque se generalizou a expressão “mais vale cortar que rasgar” quando não há indícios que a episiotomia de rotina seja uma mais valia?

Acho que tem muito a ver com o controlo, queremos muito controlar as coisas, então se cortarmos, em princípio sabemos o quanto estamos a cortar. Se deixarmos simplesmente lacerar, não sabemos qual vai ser a extensão da laceração.

Aquilo que já sabemos atualmente, em termos de evidências científicas, é que é muito melhor lacerar do que cortar. Mas continuamos a dizê-lo e acho que tem muito a ver com esta parte geracional, pois as nossas mães já foram cortadas, e é natural que elas nos digam que quando tivermos um bebé vamos ser cortadas. Depois o nosso médico diz-nos que tem de fazer uma episiotomia. E às tantas isto fica tão normalizado que nós acabamos por dizer “mas vale cortar do que rasgar”.

As recomendações da OMS estão ainda longe de serem seguidas, não só em Portugal, mas também a nível internacional. O que falta para se fazer este caminho?

É uma ótima pergunta… Em primeiro lugar, teríamos de alterar o sistema que temos e por exemplo ter casas de parto, porque a grande diferença entre os países em que há mais episiotomias e nos países em que há menos episiotomias é que nós temos um modelo biomédico e noutros países tem um modelo biopsicossocial, um modelo de parteira em que quem lidera e tem competências para estar nos partos, e aqui falo sempre naqueles de baixo risco, são as parteiras. E nós não temos isso.

Deviam ser os enfermeiros parteiros a estar nos partos e aquilo que vemos acontecer, sobretudo nos hospitais privados, mas também nos públicos, é que são os obstetras que estão nos partos. E há também a questão económica porque num sistema que seja privado ou públicos os EESMO recebem sempre o mesmo enquanto os obstetras recebem de acordo com os atos clínicos que fazem. Atenção que não estou a dizer que não são precisos obstetras nos partos, mas na maioria deles não é necessário, de facto. E essa mudança de paradigma seria importantíssima para reduzir o número de episiotomias que são feitas.

Como construiu os planos de parto que disponibiliza no site?

Comecei a pensar naquilo que é importante ter em conta quando nos preparamos para o parto e o que percebi é que as pessoas sabem o que querem mas chegam ao parto e percebem que nada daquilo é viável e saem muito frustradas. Nós à partida, quando vamos para um hospital parir nós subscrevemos, no fundo, todo um pack de intervenções e temos de perceber que dentro dessas intervenções, algumas podem ser desnecessárias.

Aquilo que é essencial é que as pessoas as conheçam para, na altura, dizerem se querem ou não, como um verdadeiro consentimento informado. Então criei aqueles dois planos de parto com a lista das intervenções mais comuns em obstetrícia para que as pessoas possam pensar sobre elas antes de chegarem ao momento. Nas sessões nascer com direitos o que faço é olhar para os planos de parto e falar sobre cada uma, dizer quais são as evidências científicas, o que está plasmado na lei.

Os dois planos são iguais, a diferença é o plano visual porque o plano de parto tem de ser mesmo visual. Nenhum profissional de saúde vai ler um plano com seis páginas e muito menos no momento em que a mulher entra no hospital em trabalho de parto, é impossível. Então vamos facilitar o trabalho e a comunicação entre as partes.

De onde surgiu a ideia de criar as perguntas ao obstetra?

Boa pergunta… foi com a Dida (Ana Sanches), ela tem imensas ideias destas. Ela partilhou comigo que as pessoas deviam ter uma série de perguntas a fazer ao obstetra para depois chegarem a uma conclusão e saberem se querem continuar com aquele obstetra ou não. Eu tinha toda essa lista de perguntas na minha cabeça, era só escrever.

Eu tenho recebido feedback da lista e fico impressionada pela quantidade de pessoas que me diz que a lista foi muito importante. E isto é muito bom. Sinto-me mesmo grata por estar a fazer este trabalho e a ajudar as pessoas.

A violência obstétrica não configura como crime no código penal português, mas que trabalho é feito pela Mia no pós-parto?

Essa é a parte da advocacia pura e dura. As pessoas contactam-me e têm sempre histórias muito más para contar, algumas que me deixam de rastos psicologicamente, e aquilo que querem normalmente é que não aconteça nada de mal a determinado profissional de saúde, mas querem justiça, perceber o que aconteceu, um pedido de desculpas. E eu tenho de explicar as opções que existem, as judiciais e as extrajudiciais. Muitas vezes as pessoas optam por fazer reclamações para os hospitais, Entidade Reguladora da Saúde, outras entidades que estejam em causa, mas que não querem seguir com um processo judicial porque é demasiado penoso para elas.

Mas há outras que, independentemente de tudo, querem avançar na justiça porque foram desrespeitadas. É verdade que a violência obstétrica, por si, não é crime em Portugal, mas há muitos atos que são crime, por exemplo as intervenções que são feitas sem consentimento podem configurar crime. Estou a lembrar-me da Manobra de Kristeller (aplicação de pressão na parte superior do útero com o objetivo de facilitar a saída do bebé), pode configurar um crime de ofensas à integridade física.

Já há países onde a violência obstétrica é crime e acredito que Portugal também será um deles.

A Mia tirou a formação de doula. Como tem sido esse trabalho, apesar de neste momento não acompanhar partos?

Muito gratificante. Fiz a formação em 2016 e acompanhei o meu primeiro parto em 2018. Foi uma formação que quis fazer para estar dentro de determinados assuntos sobre o momento do parto e poder melhorar a minha prática jurídica e deu-me uma outra perspectiva.

O primeiro acompanhamento foi em 2018. Uma pessoa amiga engravidou e disse-me que tinha mesmo de ser a sua doula porque se sentia à vontade comigo. Aceitei e tive aquele primeiro parto que terminou numa cesariana após três dias em trabalho de parto, um trabalho de parto estacionário, sem dúvida nenhuma, e pensei que precisava de mais porque aquilo que se sente num parto é absolutamente fantástico, mesmo para as pessoas que estão presentes, não apenas para a grávida. Senti que tinha de ver mais porque era muito interessante e acompanhei mais cinco ou seis partos e adorei.

Acho que é uma experiência muito boa, dá para perceber os timings em que as coisas acontecem num parto e dá para perceber porque é que as mulheres, quando contam a sua história de parto há pormenores que não se lembram mas há outros que ficam muito vincados.

Quando tenho de fazer reclamações, consigo colocar-me no lugar dessas pessoas precisamente porque já estive a assistir e consigo perceber os timings em que as coisas acontecem, o que é prejudicial à parturiente e assisti a violência obstétrica, também…

Quando as coisas correm mal e uma pessoa sente que não foi respeitada no parto eu digo para reclamar porque é isso que faz com que os serviços mudem. Quando houver muitas reclamações, alguém vai olhar para aquilo e dizer que é preciso de facto mudar alguma coisa, não é um ou dois profissionais, é todo um sistema que é preciso alterar. E as reclamações contribuem para que isto possa ser possível.


Precisamos de ouvir mais histórias de partos felizes como os da Ana Sanches

Se o tema parto é quase um tabu porque ou não se quer pensar no assunto ou porque se tem medo do que possa acontecer ou porque não é um tema que se queira recordar, faz falta ouvir mais histórias, que as haverá, como os partos de Ana Sanches, que transmitem serenidade a este momento.

Da vontade de partilhar o seu conhecimento com outros nasceu a página de Instagam Dido & Company com quase 24 mil seguidores. Ali podemos encontrar um pouco de tudo, o bom e o mau, porque nisto da parentalidade não há sempre momentos felizes, mas também não são sempre momentos difíceis.

Quando engravidaste a primeira vez, qual foi a tua maior preocupação?

Quando engravidei a primeira vez estava muito pouco desperta para os temas que depois fui descobrindo quase ao puxar um novelo de informação começando com “ok, estou grávida, o que é que preciso de fazer para me preparar, que escolhas é que tenho de fazer?”. Talvez a maior preocupação de todas tenha sido que profissionais ou informação é que eu tinha de conhecer e recolher para ter uma experiência positiva numa fase tão importante da minha vida.

Fiz o típico: inscrevemo-nos no Curso Pré e Pós-Parto, fomos ao ginecologista-obstetra. Fizemos as coisas que eu acho que são mais comuns. Depois fomos começando a perceber que havia muita informação que quase não batia certo com as práticas e as experiências que outras pessoas partilhavam connosco.

Onde procuraste informação?

Na primeira gravidez suportamo-nos, por um lado, em pessoas que sabíamos que tinham alguma prática atualizada, nomeadamente a Mariana Torres que é nossa amiga, a minha melhor amiga, Andreia, que é parteira no Reino Unido, lendo vários livros e recomendações. Lembro-me perfeitamente de o Diogo (Marido) ler as recomendações da OMS sobre diversos temas como a episiotomia e por isso foi uma mistura entre pessoas de referência, literatura e também círculos de partilha. Participámos num círculo de partilha de parto, de experiência de parto positivas.

Acho que agora o Instagram está muito mais recheado de boa informação do que há quatro anos.

Quais eram os principais receios que tinhas em relação ao parto?

Partilhava dos receios que a maioria das mulheres têm: será que vou conseguir, será que vou ter força, será que não vou querer desistir? Quanto é que isto dói, vai doer muito? Vai correr tudo bem, o bebé vai estar bem, eu vou estar bem?

Há muito a associação do momento do parto a sofrimento, ou seja, associar a dor a sofrimento e a dor não tem de ser um sofrimento. Por isso, no primeiro, ainda tinha muito essa perspectiva e essa dúvida.

Como correu o teu primeiro parto?

Diria que foi uma mistura de um momento inesperado – porque ainda estava de 37 semanas e super convencida que só às 40 o Rodrigo ia nascer – ansiedade – porque não sabia muito bem o que esperar e a minha obstetra, a Mariana, não estava por perto – com respeito, não só pelos timings do Rodrigo para que tivéssemos o tempo necessário para o trabalho de parto desenvolver, mas também pelas nossas decisões e pelas nossas preferências. Sentimos bastante isso na opção de hospital que escolhemos.

Foi um momento intenso, um momento emocionante. Acabei com aquela sensação de “Uau, consegui!”. Foi super desafiante em termos físicos mas emocionalmente senti-me apoiada e acarinhadas naquela sala de parto. E respeitada, sobretudo.

E o segundo?

No parto da Laura, acho que a grande diferença é que uma pessoa já sabe ao que vai e estando eu muito mais por dentro da fisiologia do parto, tive muito mais noção de como iria reagir e de como ia correr, sendo que há sempre um lado de imprevisibilidade, mas também ia muito aberta a isso.

Foi um parto que teve mais ou menos os mesmos timings, começou da mesma maneira, com a bolsa rota. Teve um lado de mais expectativas porque estivemos à espera do teste de COVID para garantir que o Diogo estava presente – isso era muito importante para nós – mas a Laura foi espetacular e esperou que o teste chegasse.

O parto em si foi bastante cru, muito conectada com o meu corpo, com a dor necessária para sentir as contrações e para perceber qual seria o momento em que entraríamos no expulsivo, mas diria que foi uma experiência mágica. No parto da Laura usei muito esta expressão, mas foi mesmo isto: “Pari numa bolha de amor”. Senti que todas as pessoas à minha volta me estavam a acarinhar e a dar o amor que eu precisava para a Laura nascer.

Foi num ambiente em que tinha música, tinha as luzes baixas, tinha todas as condições necessárias para me sentir bem, com força e empoderada para fazer a minha parte e ajudar a Laura a fazer a sua. Os meus partos não são rápidos mas permitem-me lembrar com nitidez esses passos que foram dados para ter os meus filhos nos braços.

Houve coisas que quiseste mudar de um para o outro?

Sim, essencialmente três coisas. Uma foi o facto de no trabalho de parto do Rodrigo ter estado uma parte sozinha e foi o período mais difícil para mim. Foi onde senti mais dor, onde me senti a descontrolar mais e eu sabia que neste não queria estar sozinha e queria garantir que o Diogo estava presente em todo o trabalho de parto. E fez realmente muita diferença.

A segunda era que não queria tomar epidural. No parto do Rodrigo pedi, mas como já estava com nove centímetros de dilatação deram-me uma raquidiana e isso atrasou o trabalho de parto. Já sabia o tipo de dor que ia ter, achei que aguentaria e confirmei isso.

E a terceira foi permiti-me ter o descontrolo, permitir que existe um momento no parto que nós não controlamos, que é o nosso lado animal que faz a sua parte.

Outra coisa que aconteceu, no caso do Rodrigo, fizeram-me alguns toques, tanto no exame de admissão como depois, quando estive em internamento e desta vez eu sabia que não precisava dos toques para perceber se estava com muita dilatação ou não. Só precisava de saber que eu estava bem e a bebé também. Se fizeram dois toques ou três, foi o máximo. Foi bastante diferente.

A página Dido and Company é já uma referência nos temas maternidade. Qual foi o objetivo quando a criaste?

A página começou porque senti necessidade de ir partilhando o que fui aprendendo. Na verdade, fui despertando para muitos temas depois, como por exemplo na amamentação, acabei por suplementar com o meu próprio leite com uma solução que eu nunca tinha visto outras pessoas partilharem ou comentarem. E fui percebendo que havia coisas que me estavam a acontecer, positivas, que as pessoas não tinham conhecimento.

Por outro lado, o Rodrigo sempre foi um bebé carismático. Tinha a minha página pessoal cheia fotos e vídeos e pensei que fazia mais sentido ele ter o seu próprio espaço. Já tínhamos começado de uma história engraçada, com as águas a rebentarem no NOS Alive. Acabei por pensar num espaço em que partilhamos o nosso crescimento enquanto pais e aquilo que vamos aprendendo, conjugado com este lado divertido do próprio Rodrigo.

No ano passado, com a gravidez da Laura, senti que tinha uma responsabilidade extra porque em tempo de pandemia vi que os direitos das mulheres estavam a ser claramente postos em causa e senti mais a necessidade de trazer este lado ativista para lhes dar voz, confiança, informação e permitir que elas pudessem escolher de forma mais alinhada com as suas preferências.

Vemos sempre o lado mais cor-de-rosa das coisas nas redes sociais e fazia falta mostrarmos o lado mais real e ao mesmo tempo informado. Sinto que a página veio ocupar um pouco esse espaço e fico feliz por me ter conectado com outras páginas com uma missão semelhante, de apoio às mulheres.

Que feedback tens tido das pessoas que te seguem?

Eu diria que 99,9% das pessoas nos dá um feedback positivo: são pessoas a agradecer a informação que partilho, pelas sugestões que dou. Temos recebido muito carinho e muita gratidão das pessoas que nos acompanham.

Há pessoas que vão ter à nossa página, que não se identificam, e está tudo bem. Mas quem fica, tem o gosto de nos acompanhar.

Vês a página como uma missão a cumprir?

Eu diria que sim. Desde o ano passado ficou ainda mais claro que é um chamamento meu. Sempre gostei de partilhar o que sei e ver outras pessoas a usar o conhecimento que eventualmente lhes passei, é uma coisa que me realiza bastante. E saber que temos um impacto tão positivo e significativo na vida de muitas famílias é espetacular e preenche-me como pessoa. É um lado que eu não gostaria de perder e que vou querer fomentar.

Com as iniciativas “Amãezing moments” onde já chamei o pediatra Carlos Gonzalez, a Márcia Tosin, ou com outros profissionais que trazem uma visão informada e respeitadora da criança, estou a cumprir a minha missão e a chegar a mais pessoas e a influenciá-las positivamente.

Artigo publicado originalmente em maio de 2021.