
O angioedema hereditário é uma doença genética rara que se manifesta por episódios recorrentes e imprevisíveis de angioedema - ou “inchaços” - , que afetam a pele e as mucosas de várias partes do corpo, sendo as localizações mais frequentes a face, lábios, extremidades, genitais, mucosa gastrointestinal e mucosa das vias aéreas superiores, incluindo da laringe. Habitualmente exuberantes, incapacitantes e dolorosos, sobretudo quando há envolvimento abdominal, os episódios de angioedema podem ocorrer de forma espontânea ou ser desencadeados por fatores como ansiedade/stress emocional, pequenos traumatismos, infeções e fármacos (como estrogénios, inibidores da enzima de conversão da angiotensina e fibrinolíticos). O angioedema da laringe é a forma mais grave de apresentação, potencialmente fatal pelo risco de asfixia e constituindo, assim, uma emergência médica.
Tratando-se de uma doença rara, com uma prevalência estimada de 1 em 50.000 pessoas - em Portugal, estima-se que existam cerca de 300 doentes -, é muito provável que nunca tenha ouvido falar desta doença. Mas apesar de afetar um reduzido número de pessoas, o angioedema hereditário pode condicionar e limitar enormemente a vida dos doentes, em termos laborais/académicos, familiares e sociais, pelo que é importante a consciencialização para o angioedema hereditário.
Imaginemos uma pessoa que, de forma súbita e inesperada, fica com angioedema marcado da face ou dos lábios, que o desfiguram e o impedem de ir a um compromisso importante, ou que pode evoluir para uma crise laríngea que pode colocar a sua vida em risco; uma crise abdominal com uma dor tão intensa que o obriga a ficar na cama durante alguns dias; ou mesmo um “inchaço” aparentemente sem gravidade da mão ou do pé, mas que o impedem de escrever, de se calçar ou de conduzir. E que isto acontece repetida e frequentemente ao longo da vida. Para quem vive com angioedema hereditário, sem tratamento adequado, esta é a realidade, sendo facilmente compreensível o elevado impacto em termos de qualidade de vida e saúde mental destes doentes, que vivem em constante sobressalto pela imprevisibilidade da ocorrência e da gravidade das crises.
As primeiras manifestações da doença têm início, habitualmente, nas 2 primeiras décadas de vida ou início da vida adulta. Contudo, existe, muito frequentemente, um atraso de anos no diagnóstico relativamente ao início dos sintomas. As crises a nível da pele, embora não sejam acompanhadas de prurido ou de urticária, são frequentemente interpretadas como reações alérgicas, e as crises abdominais frequentemente confundidas com gastroenterite, apendicite aguda ou outros quadros abdominais.
O diagnóstico de angioedema hereditário é baseado na clínica e confirmado laboratorialmente, através do estudo do complemento e/ou estudo genético. Mas para que seja feito o diagnóstico tem de existir uma suspeita clínica. Embora a história familiar de angioedema apoie fortemente esta suspeita, dado ser uma doença genética de transmissão autossómica dominante, a sua ausência não exclui o diagnóstico, uma vez que cerca de 20 a 25% dos casos correspondem a mutações genéticas de novo.
Apesar das diversas dificuldades que ainda enfrentamos na gestão desta doença, ocorreu um avanço enorme, ao longo das duas últimas décadas, também em termos terapêuticos. Assim, uma vez estabelecido o diagnóstico inequívoco, existem atualmente várias opções terapêuticas disponíveis para as 3 vertentes de tratamento, com fármacos específicos para o angioedema hereditário, com melhor perfil de eficácia e segurança.
O tratamento da crise aguda que visa impedir a progressão da mesma, deve ser instituído o mais precocemente possível, preferencialmente em autoadministração. O tratamento com corticosteróides, anti-histamínicos e adrenalina não é eficaz e não está indicado.
A profilaxia de curta duração está recomendada previamente a procedimentos médicos ou cirúrgicos (dentários, endoscópicos, entubação traqueal, por exemplo), associados a impacto mecânico no trato respiratório ou digestivo superior, potencialmente causador de crise aguda.
Já a profilaxia de longa duração tem por objetivo final o controlo total da doença e a normalização da vida do doente, objetivos potencialmente alcançáveis com o advento de novos tratamentos, específicos para esta doença rara.
A raridade e potencial gravidade da patologia exigem uma abordagem altamente especializada e um acompanhamento regular do doente com angioedema hereditário, acompanhamento esse que deve ser feito por especialista, em serviços com experiência em angioedema hereditário e com um número suficiente de doentes que permita a adequada diferenciação. Estes serviços devem, por sua vez, estar integrados num hospital que disponha de todos os meios necessários para o diagnóstico, tratamento e respetiva monitorização. Capacitar e envolver o doente com angioedema hereditário em todo este processo é fundamental. Porque viver uma vida normal, sem as limitações e o peso da doença ou do tratamento é já uma realidade possível para quem tem angioedema hereditário.
Um artigo de Eunice Dias de Castro, médica especialista em Imunoalergologia, Coordenadora da Consulta de Angioedema Hereditário no Serviço de Imunoaolergologia do Centro Hospitalar Universitário de S. João - ULS São João.
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