Num tempo de ruído e simplificação, importa recentrar o debate sobre saúde no conhecimento informado, no tempo clínico e na dignidade humana.
Num tempo em que a saúde domina a atenção mediática, importa fazer uma pausa para refletir, com rigor e responsabilidade, sobre as soluções que realmente importam. Vemos uma tendência crescente para julgar tudo e todos com base em análises rápidas, parciais e muitas vezes desenquadradas do todo, que é sempre mais complexo do que a simples soma das partes. Disparam-se críticas fáceis, multiplicam-se discursos populistas. Surgem com impacto imediato nas redes sociais, criam instabilidade, incendeiam, destroem, mas pouco ou nada mudam no essencial.
Mais do que contestar, é fundamental construir com visão. Para isso, é preciso escutar com profundidade, pensar com prudência e agir com sentido ético. O debate sobre os sistemas de saúde não se pode resumir a slogans. Exige pensamento crítico, conhecimento informado e coragem para enfrentar as zonas cinzentas onde não há soluções simples. É nesse espaço que a medicina se afirma, não como técnica fria, mas como prática científica, ética e profundamente humana.
A liderança médica tem de ser, antes de tudo, intelectual e moral. Num mundo em transformação acelerada, com novos desafios tecnológicos, sociais e éticos, o médico continua a ser chamado a ocupar um lugar central: como guardião da relação clínica, intérprete sensível da fragilidade humana e ponte entre o rigor da ciência e a escuta da pessoa. Essa liderança não se impõe por decreto, nem pelo resultado de umas eleições. Constrói-se na coerência entre o saber e o ser. É preciso coragem para dizer “não” quando seria mais fácil alinhar, dizer “sim” quando tudo parece ruir, avançar quando todos param e refletir quando a maré mediática tudo arrasta.
Num ambiente dominado por opiniões instantâneas e soluções apressadas, é urgente reafirmar o valor da ponderação. A complexidade da vida humana não cabe num post nem num comentário viral. A medicina, enquanto intérprete dessa complexidade, exige tempo, reflexão e discernimento. São qualidades que não se ensinam em vídeos de vinte segundos nem se aprendem em tweets de cento e cinquenta caracteres. Cada decisão em Medicina tem consequências que tocam a vida, e cada vida é um mundo que merece respeito.
Mais do que uma profissão, ser médico é, acima de tudo, um compromisso: com a verdade, com a prudência, com a dignidade humana. Um compromisso que não se esgota no gesto técnico, mas se prolonga na forma como se cuida, comunica e decide. É um compromisso de responsabilidade para cada um e de obrigação para quem forma, regula, inspira e lidera os médicos. A liderança faz-se entre o rigor e a autoridade: rigor alicerçado no conhecimento e autoridade expressa pela posição, ambos fundamentais, complementares e mutuamente inclusivos. Ser líder é saber, saber fazer e saber estar, definindo o padrão, a atitude e a meta.
Os médicos sabem-no na sua clínica diária, no exercício de exigência, integridade e respeito, liderando a saúde dos seus doentes, independentemente do contexto, do momento mediático ou do interesse imediato.
É esta mesma liderança que tem de se afirmar na organização dos serviços de saúde: Contra o erro, afirmamos a ciência. Contra o simplismo, afirmamos a ponderação. Contra o populismo, afirmamos a ética. Contra a frieza, afirmamos a humanização. É esta a medicina capaz de liderar processos e alavancar a saúde de todos, encontrando em si mesma as soluções necessárias aos desafios do presente, sem perder a alma.
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