Que neurónios são responsáveis pelo desenvolvimento de comportamentos aditivos, como o consumo de droga? Pode a manipulação de células estaminais esclarecer o que origina a microcefalia? Qual o papel dos arrozais do Estuário do Tejo na preservação de aves aquáticas? Pode a simulação de pequenos tumores em laboratório ajudar a tratar o cancro?

Estas são algumas das questões colocadas pelos quatro projetos científicos distinguidos pelas Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência, que na sua 18ª edição vai apoiar a investigação de Sandra Tavares, i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde; Carina Soares-Cunha, Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde da Universidade do Minho; Sara Carvalhal, Algarve Biomedical Center e Edna Correia, Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Doutoradas ou pós-doutoradas nas suas áreas de especialização, as investigadoras com idades compreendidas entre os 32 e os 35 anos, foram selecionadas entre mais de 72 candidatas por um júri científico, presidido pelo Professor Alexandre Quintanilha.

Prémio no valor de 15 mil euros

Cada vencedora recebe um prémio no valor de 15 mil euros, como incentivo à sua pesquisa e ao trabalho desenvolvido nas áreas da saúde e ambiente. Uma iniciativa que visa, de forma mais ampla, contribuir para uma ciência e uma sociedade mais inclusivas e equitativas.

“A ciência sempre esteve na génese de toda a nossa atividade e os fenómenos recentes a que assistimos, como a pandemia ou as alterações climáticas, vieram provar que apoiar a investigação científica é uma responsabilidade de todos”, avança Gonçalo Nascimento, Country Coordinator da L’Oréal.

E acrescenta: “o conhecimento não pode ter género. É lamentável que em 2022 se continue a subvalorizar o contributo de mulheres brilhantes, um pouco por todo o mundo, tanto nos núcleos de investigação como nos órgãos decisores das organizações académicas".

"Na L'Oréal acreditamos que esta mudança de paradigma fará a diferença na ciência do futuro e é por essa razão que continuamos a promover iniciativas como o For Women in Science, lançado pelo grupo há mais de duas décadas, com o objetivo de alavancar o trabalho de jovens cientistas em duas áreas essenciais: a saúde e o ambiente", conclui.

A parceria que deu origem ao L’Oréal-UNESCO For Women em Science foi celebrada em 1998, entre a L’Oréal e a UNESCO, e inspirou várias iniciativas regionais nalguns dos países em que a empresa está presente. Portugal seguiu o exemplo em 2004, com as Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência, uma iniciativa conjunta entre a L’Oréal Portugal, a Comissão Nacional da UNESCO e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

As quatro investigadoras distinguidas

SANDRA TAVARES, 35 anos, Investigadora no i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde

Pós-Doutorada em Biologia do Cancro, pela University Medical Center Utrecht, Países Baixos, Sandra Tavares, casada e com 35 anos, é investigadora no i3s. Apesar de nunca se ter sentido discriminada ao longo do seu percurso, reconhece que “ainda há um sentimento de culpa associado às mulheres que partilham a responsabilidade familiar para seguirem a sua carreira”.

O que pretende descobrir?

A investigadora pretende descobrir uma nova abordagem no combate ao Cancro da Mama Triplo-Negativo é o principal objetivo da investigadora Sandra Tavares, que alerta: “compreender os mecanismos que levam à agressividade deste tipo de cancro é urgente para resolver este problema de saúde”. Embora a evidência revele que a expansão do tumor (nomeadamente sob a forma de metástases em órgãos distantes) depende da reciclagem de proteínas, os mecanismos moleculares que desencadeiam este processo ainda não são completamente conhecidos. Em busca destas respostas, a investigadora propõe-se identificar que proteínas estimulam a reciclagem proteica e consequente formação acelerada de metástases. Esta ambição ganha corpo graças a uma combinação inovadora de rastreios, que vão permitir avaliar níveis de expressão de genes e níveis de proteínas em estruturas tridimensionais, que podem ser manipuladas em laboratório. Por se comportarem como pequenos tumores, as ditas estruturas abrem caminho à identificação de um grupo de reguladores de reciclagem proteica - responsáveis pelo comportamento invasivo deste tipo de cancro – e à definição de estratégias terapêutica que permitam limitar a sua atividade.

CARINA SOARES-CUNHA, 32 anos, Investigadora no ICVS - Instituto de Investigação em Ciências da Vida e da Saúde (ICVS) da Universidade do Minho

Pós-Doutorada em Neurociências pelo Zuckerman Institute, Columbia University, Estados Unidos, Carina Soares-Cunha, solteira e com 32 anos, é investigadora e professora convidada na Escola de Medicina da Universidade do Minho. Apesar de otimista com a mudança de paradigma na igualdade de acessos a oportunidades entre homens e mulheres, a investigadora reconhece “as mulheres despendem muita da sua energia com a vida familiar, o que pode dificultar a gestão da atividade profissional e progressão na sua carreira”.

O que pretende descobrir?

O projeto da investigadora Carina Soares-Cunha consiste na identificação de grupos de neurónios específicos que são ativados em exposição a recompensas naturais ou a drogas de abuso, no núcleo accumbens, uma área do cérebro muito importante para a mediação de experiências recompensadoras.

SARA CARVALHAL, 34 anos, Investigadora no Algarve Biomedical Center

Doutorada em Filosofia pela Universidade de Dundee, Reino Unido, Sara Carvalhal, tem 34 anos, é casada, mãe de uma menina de 3 anos e investigadora no Algarve Biomedical Center. Embora reconheça que a conciliação da vida familiar e profissional representa, por vezes, um desafio, sublinha que “muitas gerações, incluindo a minha desenvolveram estratégias e soluções para equilibrar as exigências da vida e do trabalho”.

O que pretende descobrir?

A investigadora Sara Carvalhal procura compreender a relação entre doenças raras que causa defeitos no tamanho do cérebro (a qual se chama microcefália quando o cérebro é mais pequeno) e a mitose. A mitose é o processo pelo qual as células se multiplicam. Existe uma relação estabelecida entre genes que regulam o processo de mitóse e a microcefália, porém ainda não se percebe o porquê dessa relação. O seu trabalho debruça-se nisso mesmo. Para tal, vai usar células de pacientes que são células estaminais pluripotentes induzidas (do inglês induced Pluripotent Stem Cells - iPSCs). Estas células têm como característica a possibilidade de desenvolver em qualquer tipo de célula no nosso corpo. Neste caso, vai estudá-las quando elas se transformam em células do nosso cérebro formando até à pequena estrutura que, de algum modo, se assemelha a um ‘’cérebro’’ (chamamos a estas estruturas organoides cerebrais). Com elas pretende compreender como é que a divisão celular está afetada nestas células neuronais em particular. 

EDNA CORREIA, 34 anos, Investigadora no CESAM - Centro de Estudos do Ambiente e do Mar

Doutorada Biologia e Ecologia da mudança global pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Edna Correia, 34 anos, é investigadora no CESAM. Embora considere a área da investigação muito exigente para todos os profissionais, a investigadora reconhece que a desigualdade de género é uma realidade, por exemplo, “no acesso a oportunidades de desenvolvimento da carreira entre homens e mulheres, o que resulta numa predominância de homens em posições de coordenação/chefia.

O que pretende descobrir?

O ponto de partida do projeto de investigação de Edna Correia será fazer “o seguimento com aparelhos de GPS de algumas das espécies de aves que usam frequentemente as zonas de arrozais, como a Íbis-preta (uma espécie muito abundante nos arrozais do estuário do Tejo), de forma a determinar como e com que intensidade estes e outros habitats são usados por esta espécie”. Depois de caracterizar esta dinâmica, Edna Correia ambiciona fazer uma “avaliação rigorosa do prejuízo causado pelas aves aquáticas à produção de arroz” e desenhar, como parte da solução, um conjunto de diretrizes que orientem a coexistência sustentável entre Homens e aves. O fim último deste projeto de investigação é, por isso, “reconciliar as preocupações dos produtores de arroz, com uma gestão dos arrozais em conformidade com a conservação da biodiversidade”.