“Os ataques foram brutais e não deixaram ninguém ileso. Muitos tiveram ou viram seus pais, irmãos, avós, filhos, amigos e vizinhos serem assassinados, decapitados ou mortos a tiro. Alguns perderam toda a família (…) Temos visto casos de pessoas idosas que tomaram conta dos netos ou que perderam toda a família durante os conflitos. Vimos menores órfãos tendo que cuidar de outros menores”, aponta Luis Angel Argote, coordenador da MSF naquela vila da província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, num comunicado sobre a situação humanitária local.

As famílias retornadas, explica, pedem principalmente apoio com alimentos, água, abrigo ou cuidados de saúde, incluindo de saúde mental, apelando à mobilização de “assistência adicional” para as poucas organizações humanitárias que trabalham naquela vila costeira.

Atualmente, exemplifica, apenas um dos sete centros de saúde que existiam antes do conflito em Mocímboa da Praia continua a funcionar e a reabilitação do principal hospital e serviço de maternidade do distrito ainda está pendente.

“A maior parte das infraestruturas de saúde foi destruída e precisa de ser reconstruída para garantir o acesso aos cuidados de saúde. Há uma necessidade urgente de mais profissionais de saúde, medicamentos e equipamento médico para tornar os centros de saúde e os hospitais novamente funcionais” aponta o responsável da MSF.

Nestas condições, “os pacientes esperam longas horas e por vezes têm de partilhar camas devido ao número insuficiente de profissionais de saúde e de instalações disponíveis (…) Os motoristas de ambulância ainda não se sentem confortáveis em responder a emergências durante a noite devido a preocupações com a situação de segurança”.

Luis Angel Argote reconhece o “impacto significativo na saúde mental das pessoas”, já que voltar “significou reviver os traumas vividos”, em que metade das pessoas atendidas pela MSF no distrito lideram com perdas na família e 19% são vítimas diretas de violência.

Para a maioria das famílias de Mocímboa da Praia, apesar do regresso em alguma segurança, cada dia ainda “é uma luta para conseguir algo para comer, apesar dos esforços de algumas organizações humanitárias e da solidariedade dentro da comunidade”.

“Algumas pessoas cultivam tudo o que podem perto das suas casas, pois já não se atrevem a cuidar das culturas na floresta devido a preocupações de segurança. A comida é racionada dentro de cada família”, revela a organização.

A ONG – que conta com mais de 500 funcionários, a grande maioria moçambicanos, em Cabo Delgado -, relata que a rede de distribuição de água de Mocímboa da Praia “foi destruída” e as famílias “caminham quilómetros e esperam horas em filas para encher tantos baldes quanto puderem” às poucas fontes que existem.

Presentes em Cabo Delegado desde 2019, as equipas da MSF foram obrigadas a retirar de Mocímboa da Praia em março de 2020, face aos ataques, tendo regressado um ano depois com clínicas móveis a algumas áreas do distrito. Atualmente assegura serviços de cuidados de saúde primários no centro de saúde transitório em Mocímboa da Praia, e através de clínicas móveis em oito aldeias do distrito.

Entre janeiro e junho deste ano, MSF apoiou localmente mais de 100 mil pessoas com atividades de promoção da saúde, realizou 21.600 consultas médicas, forneceu apoio psicológico a 14.000 pessoas, tratou 7.300 casos de malária e 4.800 de infeções respiratórias, encaminhou 2.000 pacientes que necessitavam de cuidados médicos, realizou 1.500 consultas de saúde sexual e reprodutiva e assistiu 600 partos.

No primeiro semestre de 2023, as principais doenças observadas nas clínicas móveis da MSF em Mocímboa da Praia foram malária (33,9%), infeções respiratórias (22,4%) e doenças de pele (16,2%).