É certo que o mieloma ainda deve ser considerado como uma doença incurável, mas já há doentes com sobrevivências muito longas, acima dos 20 anos após o diagnóstico e há casos de remissões, obtidas após tratamento, com duração idêntica. Talvez já existam doentes curados, pelo menos "funcionalmente curados", ou seja, sem doença ativa. Isto é possível por fatores que ainda não conhecemos completamente e é provável que estes resultados encorajadores venham a melhorar substancialmente na próxima década.

A maioria dos doentes que morrem com mieloma, morrem por causa das infeções associadas à fragilidade do sistema imune. O mieloma é uma doença das células que produzem os anticorpos. Quando adoecem deixam de cumprir a sua função de defesa do organismo. Daí que a mortalidade seja grande logo no início da doença, antes de ser possível obter a melhoria que os tratamentos pretendem conseguir e há também os doentes, normalmente os mais velhos, a quem o próprio tratamento deste cancro acaba por provocar uma antecipação da morte.

O MM representa 1% de todos os cancros diagnosticados e é ligeiramente mais frequente no homem (1,4 casos para cada ocorrência em mulheres) e a maioria dos casos acontece em indivíduos entre os 50 e os 70 anos. Atualmente, 68% dos doentes com mieloma múltiplo encontram-se desempregados ou reformados

O mieloma é uma doença muito incapacitante por estar associada a destruição óssea, com dores e fraturas, muitas vezes da coluna, com as consequentes dificuldades motoras que podem até chegar a paralisias motoras. Por conseguinte, é uma doença com uma grande carga social e um enorme peso económico para os próprios e as suas famílias.

Frequentemente, o acúmulo de plasmócitos cancerosos desenvolve-se em tumores dentro dos ossos, apesar de ter origem nas células sanguíneas, desta forma, 75% dos doentes apresenta lesões líticas, delimitadas, osteoporose ou fraturas. Esta perda óssea dá-se frequentemente nos ossos pélvicos, coluna, costelas e crânio, o que leva ao aumento da taxa de mortalidade;

O problema da destruição óssea, que é um fenómeno essencialmente de mediação bioquímica e independente da presença das células cancerosas, é marcante porque condiciona dores importantes e incapacitantes. Mas outra principal condicionante da mortalidade, além das infeções, é a insuficiência renal que resulta quase sempre da deposição das proteínas anormais que as células do mieloma produzem. Os plasmocitos malignos deixam de produzir anticorpos normais e passam a libertar fragmentos de anticorpos, inúteis, mas que se podem depositar nos rins e levar à sua falência.

A quimioterapia é a principal modalidade terapêutica. Não havendo erradicação completa de todas as células malignas, as que ficaram foram as resistentes ao tratamento. Estas células resistentes poderão voltar a crescer, se as condições lhes forem favoráveis, recriando a doença original. Nessa altura será quase sempre preciso usar medicamentos que ainda não tenham sido usados antes de forma a ultrapassar as resistências que possam ter surgido.

O agente mais ativo e ainda usado no tratamento do mieloma, desde os anos 60 do século XX, é o melfalano. No final da década de 80 descobriu-se que usando melfalano em doses muito altas, mais do que as equivalentes a um ano de tratamento com as doses habituais, havia a possibilidade atingir percentagens de remissão nunca antes vistas. Houve mesmo alguns doentes que ficaram curados comeste tratamento que é  a peça fundamental da terapêutica nos doentes mais novos, geralmente abaixo dos 70 anos. Ora, para que se pudesse dar melfalano em doses muito elevadas, sem matar os doentes, é preciso substituir a medula óssea, a fábrica do sangue, por medula do próprio doente que foi previamente colhida e congelada. É isto que se chama de "autotransplantação". Hoje já nem usamos medula, mas sim células do sangue que fazem as mesmas funções. A tradicional transplantação com uma dador pode ser curativa mas tem riscos elevados que determinaram não ser, por enquanto, a melhor opção no mieloma.

Felizmente já há formas eficazes de garantir que a remissão, em especial em doentes que tenham sido sujeitos a quimioterapia de alta-dose, possa prolongar-se. É como se o processo de "dormência" das células cancerosas possa ser prolongado. Infelizmente, em Portugal, as autoridades do Ministério da Saúde, o INFARMED em particular, têm bloqueado o acesso aos tratamentos de manutenção, com eficácia demonstrada e aprovados nos Estados Unidos e Europa, o que determina menores durações de vida sem nova progressão e menor duração da vida para pessoas que poderiam ser melhor tratadas se o Ministério da Saúde assim quisesse.

A verdade é que em Portugal a sobrevivência dos doentes com mieloma múltiplo parece estar abaixo da média Europeia ou dos EUA. Ainda não há acesso generalizado às melhores opções terapêuticas e há muitos doentes que chegam a serviços especializados demasiado tarde. Temos de inverter isso. É essa a razão porque necessitamos de mais investigação, também em Portugal, e de uma maior cooperação entre os serviços que tratam estes doentes, além de mais formação que tem de envolver todos os especialistas de hematologia e oncologia, obviamente, mas também os da medicina interna e, principalmente, os da medicina geral e familiar que são os responsáveis pela identificação precoce dos doentes que têm ou poderão vir a ter um mieloma. Aqui, como em todas as doenças, a precocidade do tratamento com os melhores medicamentos é vital para que se garanta uma sobrevivência mais longa.

Um artigo de Fernando Leal da Costa, ex-ministro da Saúde e médico oncologista no IPO de Lisboa.