A Perturbação de Personalidade Narcisista (PPN) é uma forma persistente e disfuncional de funcionamento psicológico, caracterizada por um padrão global de grandiosidade (em fantasia ou comportamento), necessidade excessiva de admiração e ausência consistente de empatia. Não se trata de simples traços difíceis, mas de uma organização patológica do self, inflexível e profundamente enraizada, que compromete de forma significativa a perceção da realidade, a regulação emocional e os vínculos interpessoais.
Estes indivíduos apresentam uma autoimagem rigidamente idealizada, alimentada por uma perceção distorcida da sua importância, estatuto ou competência. A sua vaidade extrema, aliada a uma profunda vulnerabilidade subjacente, gera comportamentos que visam incessantemente assegurar a validação externa e a manutenção do seu poder.
No contexto profissional, os indivíduos com PPN revelam-se carismáticos e socialmente hábeis, parecendo verdadeiras “borboletas sociais” — conhecem e se fazem notar em todos os círculos, criando uma rede de relações aparentes, mas superficialmente conectadas. Esta sociabilidade é instrumental, funcional à manutenção do controlo e da influência, pois os outros são vistos como instrumentos para alcançar objetivos pessoais.
O poder torna-se a sua principal fonte de validação — o chamado “likeness / appraisal” (validação pela imagem e avaliação externa) – e é mantido por meio de um controlo minucioso sobre pessoas e processos. Estes líderes exercem assédio moral, manipulação, promovem boatos, criam intrigas e estratégias de “gaslighting” (distorção sistemática da realidade para fazer o outro duvidar da própria sanidade) que fragilizam a saúde mental dos trabalhadores. Criam desconfiança, fomentam guerras internas de competitividade e prejudicam alguns enquanto favorecem outros — os seus “fãs” e protegidos, cuja submissão é recompensada.
A falta de empatia traduz-se numa incapacidade real de reconhecer ou se importar com os sentimentos alheios, apesar de conseguirem mimetizar falsamente empatia e simpatia para manipular. Exigem submissão coletiva e rejeitam qualquer pensamento crítico individual, interpretando-o como ameaça. Punem quem se opõe e promovem a cultura do medo, onde a contestação é silenciada.
Não assumem nunca a culpa pelos seus próprios erros (accountability), fazendo parecer ao mundo que a responsabilidade é dos outros. Mentem com frequência, com uma impressionante capacidade para o drama e a manipulação, o que lhes confere características próximas do teatro dramático — e, por vezes, chegam até a acreditar nas suas próprias histórias.
Vivem obcecados com a aparência e com o que os outros pensam deles, procurando constantemente o “palco” onde possam brilhar. A necessidade de admiração é constante e insaciável, e a inveja — tanto a que sentem, como a que acreditam que os outros têm deles — é um traço central que os define silenciosamente.
Para os trabalhadores submetidos a estas dinâmicas os efeitos psicológicos são profundos e podem ser devastadores: ansiedade, insónia, exaustão emocional, burnout e, em casos mais graves, depressão clínica. Enquanto estes últimos procuram ajuda, os indivíduos com PPN raramente o fazem — não se percebem como parte do problema. Quando perdem o poder — que, por natureza, é efémero — enfrentam um colapso interno. Sem a validação externa que sustentava a sua identidade, caem em estados depressivos marcados por vazio existencial, fracasso, frustração e raiva. Enquanto os trabalhadores procuram ajuda, os narcisistas raramente a procuram, pois não reconhecem a própria disfunção.
Uma estratégia eficaz para quem convive com a PPN é evitar “engajar” (não se envolver) nos seus “triggers” — isto é, não reagir a provocações, manipulações, humilhação, discussão ou armadilhas verbais, especialmente em contextos formais como emails ou reuniões. O silêncio estratégico e o afastamento emocional não são fraqueza: são formas de autopreservação.
Nas organizações que carecem de mecanismos eficazes de prevenção ou que perpetuam estas chefias tóxicas, a saída mais saudável para os trabalhadores pode ser a mudança de emprego ou local de trabalho. Quando a hierarquia protege este tipo de chefias, está a comprometer a saúde mental dos trabalhadores, sendo as consequências visíveis: rotatividade crescente, queda da produtividade e fuga dos melhores talentos, com prejuízos significativos e irreparáveis do desempenho global.
Como nas páginas de Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, instala-se uma cegueira coletiva — não física, mas moral — que tudo consome. Uma cegueira que se pode prolongar por anos, alimentada pelo carisma estéril de quem lidera apenas para si. Até que não reste mais nada senão ruínas emocionais e equipas exaustas.
O verdadeiro perigo não está apenas na presença do narcisista, mas na falha em o reconhecer a tempo.
Quando se confunde charme com caráter, eloquência com ética, e carisma com competência, abre-se espaço para que lideranças destrutivas se instalem e prosperem.
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