Utilize madeira morta a favor da biodiversidade e, na próxima primavera, delicie-se com a sinfonia dos pássaros no seu jardim. Infelizmente, a estética dominante nos últimos anos tem levado à artificialização e desnaturalização dos nossos jardins e dos parques. A fúria de limpeza é de tal ordem que, raramente, sobram folhas, ramos ou troncos caídos e muito menos árvores mortas ou em decomposição, que são, nos dias de hoje, uma coisa raríssima nos nossos arejados e modernos espaços verdes, públicos ou privados.

Essa madeira morta é, precisamente, um habitat importantíssimo para os insetos, que estão na base da cadeia alimentar, dos quais se alimentam as aves. Os jardins devem ser áreas multidimensionais. Na generalidade destas áreas verdes, há espaço para tudo. Para as crianças brincarem, para gerarem efeitos estéticos que nos cativam e também para servirem de reservatório de biodiversidade neste nosso mundo cada vez mais humanizado e alterado. Pequenas ilhas verdes e de vida selvagem no meio do betão.

Casas-ninho portuguesas ajudam chapins a combater processionária
Casas-ninho portuguesas ajudam chapins a combater processionária
Ver artigo

Mesmo que seja apenas não ter de derrubar uma determinada árvore morta ou em decomposição e/ou apenas para criar um monte de madeira num canto menos utilizado, essas ilhas podem ajudar a atrair para o seu jardim várias espécies de aves. Quem não se deliciou já com o canto primaveril do melro-preto, da toutinegra-de-barrete-preto ou do chamariz? Todas estas aves, comuns nos nossos jardins, precisam de insetos na primavera para alimentar as suas crias, mesmo aquelas que são granívoras e que se alimentam apenas de sementes na restante parte do ano. Insetos que vivem nessas árvores moribundas ou nos montes de madeira em decomposição que podem, perfeitamente, existir num jardim, mesmo moderno e arejado.

E, se tiver a sorte de ter um jardim grande num ambiente tendencialmente rural, pode ser que consiga atrair um ouriço-cacheiro. As árvores velhas e mortas providenciam também, para além dos insetos, buracos e cavidades, frequentemente resultantes da queda de troncos podres, que servem de ninho a aves e até mesmo a morcegos. O mocho-galego, uma pequena ave de rapina noturna comum em todo o nosso país, sobretudo no sul, aproveita frequentemente buracos em velhas oliveiras para construir o seu ninho.

No caso dos chapins, tanto o chapin-real como o chapin-azul e o chapin-carvoeiro, todos eles espécies comuns, chamam casa a qualquer cavidade, já que constroem os seus ninhos apenas em buracos. E os ramos proeminentes de árvores mortas são, muitas vezes, os poisos preferidos dos machos das aves canoras para cantarem nas manhãs soalheiras da primavera. Deixe algumas árvores ou arbustos mortos ou moribundos em pé, desde que estejam em locais seguros para as pessoas e restante propriedade.

As ações que deve empreender

Não corte nem limpe as árvores que se apresentarem moribundas nem sequer as que morreram no entretanto. Deixe a natureza fazer o seu trabalho. Se uma árvore cair, deve deixá-la onde está. Desde que isso não cause problemas de segurança para as pessoas, é claro. Se não tiver nenhuma árvore velha no seu jardim, mas, ainda assim, tiver problemas com algumas espécies indesejáveis ou até com invasoras, em vez de as arrancar, pode matá-las lentamente e deixá-las em pé, fazendo dois cortes incisivos.

Incisivos e relativamente profundos na base do tronco. Deve retirar, depois, a casca entre os cortes. A árvore indesejável vai, assim, apodrecendo aos poucos e, simultaneamente, servindo de abrigo para aves e insetos, outra vantagem. Num canto do jardim, amontoe também ramos, toros e restos de madeira. Também lhes pode juntar casca de pinheiro. De uma vez, resolve um problema comum e cria, ao mesmo tempo, um microhabitat para insetos fundamental para atrair biodiversidade para as suas áreas ajardinadas.

Biodiversidade marinha. Tribunal de Contas Europeu aponta o dedo a Portugal, a Espanha, a França e a Itália
Biodiversidade marinha. Tribunal de Contas Europeu aponta o dedo a Portugal, a Espanha, a França e a Itália
Ver artigo

Quantas vezes é que não sabe o que fazer aos resíduos de madeira do seu jardim? Tem aqui uma forma de os utilizar! Os ramos e troncos devem ser colocados diretamente sobre o chão, num local que não pode ser demasiado exposto ao sol, uma vez que essa exposição seca a madeira. Mas também não pode ser demasiado sombrio, uma vez que se torna muito frio para os insetos, embora seja bom para os cogumelos. Uma solução alternativa passa por construir a base de um pequeno triângulo com toros de madeira e pôr, no seu interior, terra de boa qualidade e pequenos ramos. Não corte, no entanto, a madeira em pedaços muito pequenos. Quanto maiores forem os toros, melhor para os insetos.

Não retire a casca e amontoe os ramos numa pilha compacta para manter a humidade nos meses de verão. Alguns ramos e toros de árvores como os choupos e os salgueiros podem enraizar. Se não tiver árvores mortas, pode enterrar vários troncos de dimensão média na terra. Use essa madeira em prol da biodiversidade e, depois, delicie-se com a sinfonia da passarada, que necessita dos insetos que vivem nesse canto do jardim com madeira em decomposição. Um canto de jardim menos limpo mas muito mais natural.

Texto: José Pedro Tavares (membro da Royal Society for the Protection of Birds, BirdLife no Reino Unido, organização parceira da SPEA, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves)