Os Jardins do Cardeal Ippolito II d’Este, em Roma, são dos mais belos de Itália. Estou sentada na pequena esplanada ao ar livre da Villa d’Este, situada em Tivoli, cerca de 30 quilómetros a norte da cidade. É uma manhã de outono ainda vazia das hordas de turistas de calções e chinelas e pode-se ainda apreciar com calma os jardins mais dramáticos da Europa, que se desenrolam em terraços a partir da Villa d’Este, como era próprio dos jardins do renascimento.
No século XVI, as vistas da colina de Tivoli sobre os seus arredores deviam ser soberbas, ainda não contaminadas pela urbanização dos tempos mais recentes. Mesmo assim, os jardins resistiram a 500 anos de turbulências e aí estão eles, à minha frente, esplêndidos, sumptuosos e excessivos, tal como o cardeal os quis quando os encomendou ao genial Pirro Ligorio, em 1550.
Embora cardeal, Ippolito d’Este não era um homem devoto. As cartas dos arquivos de Modena deixam entrever um sibarita amante do jogo, da caça e dos encantos femininos. Filho de Lucrécia Borgia e do seu terceiro marido Alfonso I d’Este, a sua vida é, desde muito cedo, marcada pela sua ambição de alcançar o papado. Fez cinco tentativas de nomeação, todas infrutíferas, apesar de ser neto do infâme Rodrigo Borgia, o Papa Alexandre VI.
Jogos de água que não dececionam
É, muito provavelmente, a frustração desta ambição de chegar a Papa que o leva a mandar construir uma das criações mais imponentes do renascimento. Se os jardins do renascimento, como demonstra esta galeria de imagens, constituem uma afirmação de poder e riqueza por parte das famílias italianas dominantes, Villa d’Este é, ainda hoje, o seu máximo expoente. A villa domina toda a propriedade do alto da encosta, mas o visitante percorre-a apressado, deitando um olhar distraído aos frescos dos tetos das magníficas salas, na ânsia de chegar aos famosos jardins.
E estes não desapontam! Pirro Ligorio criou um espaço de prazer em que o principal ornamento são os jogos de água. E é a música da água que vai inspirar todo o planeamento dos caminhos que se desenrolam ao longo de canais e repuxos e acabam em dramáticas fontes. A quantidade necessária para a animação do jardim levou a que Ligorio tivesse que desviar um terço da água de abastecimento da povoação.
O domínio que o arquiteto tinha da engenharia hidráulica permitiu que o complexo sistema de canalização fosse totalmente movimentado sem bombas e apenas por pressão. Os jardins demoraram cerca de 20 anos a construir e custaram a módica quantia de 124 milhões de euros a preços atuais. Embora nos dias de hoje se comece a visita dos jardins através da villa, originalmente os visitantes faziam a sua entrada pela base da colina, subindo toda a extensão dos jardins até chegarem aos terraços da casa.
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Os pormenores que exaltam os sentidos
A sensação de riqueza e ostentação era assim plenamente conseguida e o visitante, quando chegava junto do cardeal, já estava devidamente impressionado com o seu poder e importância. Quando visitei a Villa d’Este, já tinha lido abundante literatura sobre os seus jardins e visionado vários documentários televisivos sobre os mesmos, mas percorrê-los e senti-los em três dimensões é uma experiência única. O traçado é tão complexo, que temos que seguir um minúsculo mapa distribuído à entrada, que nos permite, seguindo um percurso, identificar corretamente os diferentes e múltiplos elementos arquitetónicos e escultóricos.
A Alameda das 100 Fontes, o famoso Viale delle Cento Fontane, é notável, não só pela centena de saídas de água, de caudal perfeitamente sincronizado mas também pelos incríveis efeitos visuais dos repuxos que as encimam. A Fonte Oval, a Fontana dell’Ovato, é talvez a mais elegente e mais sóbria, por contraste com a impressionante Fonte do Órgão, apelidada originalmente de Fontana dell’Oragno Idraulico, cujos efeitos de jogos de água são quase obscenos no seu excesso.
Mas o excesso era precisamente o efeito pretendido por Ippolito d’Este, que, despeitado pela recusa de Roma, até manda construir a Rometta ou Pequena Roma, parcialmente destruída no século XIX, uma reprodução dos principais edifícios da capital italiana que servia de cenário de fundo às peças de teatro representadas no jardim. Se Roma não queria, ele trazia Roma para junto de si. Villa d’Este são jardins de prazer para a afirmação da riqueza e do poder, embora o proprietário pouco deles tenha usufruído, já que morre pouco tempo depois da sua conclusão, aos 63 anos, em 1572.
O triunfo de uma composição ousada
Estes jardins são o triunfo da composição em que as estrelas são a água e a pedra esculpida e em que os elementos vegetativos são relegados para um plano secundário. São o triunfo do jardim-espetáculo, deixando antever o que se vem a desenvolver mais tarde no século do barroco. Depois de deambular por Villa d’Este um par de horas, concluo que os seus jardins são o contrário dos jardins zen japoneses.
Não remetem para a meditação nem inspiram espiritualidade e tranquilidade. Antes nos trazem uma exaltação do prazer dos sentidos, uma excitação na descoberta dos cenários concebidos para surpreender e impressionar. Vou mais longe ao afirmar que os Jardins de Ippolito d’Este são inquietantes, pois são cenários completamente pagãos na essência e no propósito, construídos por um homem da igreja.
Da esplanada, vejo depois chegar os turistas despejados dos autocarros, provavelmente vindos da Villa Adriana, situada mais abaixo, na base da encosta. Deixo, então, Villa d’Este, para não estragar a impressão que me ficou do esplendor do renascimento. Um passeio que recomendo vivamente.
Texto: Vera Nobre da Costa
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