Para muitos tornou-se conhecido após ter dado vida a Carlinhos, personagem da série da Netflix 'Rabo de Peixe', que o lançou para as luzes da ribalta. Contudo, aos 26 anos, André Leitão conta já com um currículo rico em diversas áreas da representação.
A sua formação passou pela Escola Profissional de Teatro de Cascais e Escola Superior de Teatro e Cinema. Desde então, nunca mais parou.
Além de ter integrado peças de teatro como 'Medeia é Bom Rapaz (2018)' e 'O Punho' (2020), protagonizou o espetáculo musical da Nickelodeon 'Paw Patrol Live Show', em digressão por Portugal, Espanha, Finlândia e Dinamarca. Dentro do teatro musical destacou-se igualmente em 'O Feiticeiro de Oz' e 'A Cinderela'.
Já no cinema deu provas de talento nos filmes 'Salgueiro Maia – O Implicado' (2020) e 'Al Berto' (2017).
Atualmente, pode também ser visto no musical 'Aladino no Gelo', em cena no Mar Shopping, em Matosinhos. Este foi o mote da conversa do Fama ao Minuto com o artista, que refletiu ainda sobre a indústria da representação em Portugal e sobre um fenómeno o que o preocupa: a falta de público.
Já sabia patinar no gelo?
Tive uma pequena experiência num daqueles rinques de patinagem da altura do Natal, onde toda a gente anda. Senti logo na altura que não era bom, mas também não era terrível. Nunca mais repeti, até há um mês, que foi em dose a triplicar. Vou confessar: eu não caio muitas vezes, mas desequilibro-me bastante. Agora já não tanto.
O que foi mais difícil para o André neste desafio?
Diria mesmo a questão da patinagem, porque felizmente tenho tido algumas oportunidades no teatro musical ao longo da minha vida. Sempre trabalhei esta questão do cantar, do interpretar, do dançar, fazer espetáculos com muita corrida e velocidade. Aqui a questão foi mesmo a novidade: a patinagem. É quase como aprender a andar de bicicleta, queremos estar focados naquilo que estamos a aprender, mas temos de fazer tudo ao mesmo tempo.
Para quem ainda não conhece o espetáculo, o que nos pode dizer?
É uma adaptação do texto que todos nós conhecemos - o Aladino - numa versão adaptada. A história fala, essencialmente, sobre a liberdade, não só a liberdade de cada um de nós enquanto indivíduos, mas a liberdade das massas, da nossa sociedade, o que podemos ou não podemos fazer, até onde podemos sonhar e até onde vão os nossos sonhos. É um espetáculo que tem valores que não são só direcionados para as crianças, mas também para a família. É hipnotizante.
Este espetáculo inspiraria um André em criança?
Sem dúvida. É muito interessante esta dinâmica entre uma princesa e como nós aqui chamamos um pequeno rato de mercado, que é o Aladino. Ambos estão em diferentes estatutos sociais, mas estão desconfortáveis e fora daquilo onde pretendiam estar. Há a vontade de os dois romperem com a zona em que estão e é aí que se encontram e se apaixonam.
Quando comecei a minha formação, uma das coisas que eu sentia era que a área artística estava muito estagnada no sentido das caixinhas: aquele é um ator de novelas, aquele é um ator de teatro, o outro faz teatro musical. Isso sempre me inquietou porque eu gostava de fazer tudo
O André sempre teve essa vontade de ir mais além? Na sua família foi o pioneiro neste mundo das artes?
Na família que eu conheço, sou pioneiro. A minha irmã também tem a vertente artística, é bailarina, mas acabou por se libertar mais cedo da dança. Eu estou a ver se consigo chegar o mais longe possível, quando tiver de mudar de área, mudo, mas até agora tem corrido bem, não me posso queixar.
Mas, em relação à pergunta, lembro-me de ouvir histórias na minha família em relação a um avô que chegou a fazer fotonovelas. Acho que houve uma veia na família lá atrás, mas aquela que eu conheço ainda não. E sempre quis ir mais além, claro que sim.
Aliás, quando comecei a minha formação, uma das coisas que eu sentia era que a área artística estava muito estagnada no sentido das caixinhas: aquele é um ator de novelas, aquele é um ator de teatro, o outro faz teatro musical. Isso sempre me inquietou porque eu gostava de fazer tudo.
Felizmente, tenho conseguido fazer tudo. Fiz há algum tempo teatro de revista, antes tinha feito teatro musical infantil pela Europa, depois fiz novelas e uma série internacional. Esse é o meu chegar mais além.
Não há géneros menores, portanto.
Não. Bem feito, tem tudo muita qualidade.
Consegue escolher um preferido?
Devo admitir que teatro é muito especial, pelo facto de as coisas estarem a acontecer no momento. Acho que é mesmo mágico, que nos move, transporta-nos para outro lugar. Mexe muito mais connosco, por isso é que tenho um carinho pelo teatro, mas não deixo de o ter com a câmara, com as dobragens, com tudo o resto.
Ao ouvi-lo fico com a ideia de que todas as oportunidades que recebe são um acréscimo, que não tinha muita coisa planeada.
Sim... Falo com colegas sobre o futuro da profissão, se é que existe o futuro da profissão. Acredito realmente nesta área, na importância da Cultura num país, mas também sei que não estou na circunstância governamental que mais me possibilita explorar [a representação]. Isso faz com que tenhamos a sensação que a qualquer momento tenhamos de mudar de área, mudar de posição, portanto tudo o que vem é uma bênção.
Todas as pessoas que têm trabalho em teatro têm muito mérito, talento, mas também sorte, porque é tanta gente com talento. É fazer o melhor que consegues, porque todos os pedaços de trabalho que tens são o teu currículo, a tua montra.
Fiz quatro castings para 'Rabo de Peixe'. Fui passando e quando cheguei ao último lembro-me perfeitamente de sair e de mandar um áudio ao meu agente a dizer: 'Acho que correu bem, que consegui mostrar aquilo de que sou capaz, o meu trabalho, as minhas ferramentas, [mas] eu não vou ficar. Fico feliz, porque este realizador, o Augusto [Fraga], já me viu duas vezes. Se ele gostou, talvez no futuro se lembre e me dê uma oportunidade'
Ficou surpreendido quando o escolheram para 'Rabo de Peixe'?
Não estava nada à espera. Tinha uma ideia aproximada do que seria, já havia bastante sigilo à volta do projeto nessa altura, tivemos que, inclusive, assinar um termo de confidencialidade só para fazer os castings.
Fiz quatro castings para 'Rabo de Peixe'. Fui passando e quando cheguei ao último lembro-me perfeitamente de sair e de mandar um áudio ao meu agente a dizer: 'Acho que correu bem, que consegui mostrar aquilo de que sou capaz, o meu trabalho, as minhas ferramentas, [mas] eu não vou ficar. Fico feliz, porque este realizador, o Augusto [Fraga], já me viu duas vezes. Se ele gostou, talvez no futuro se lembre e me dê uma oportunidade'.
Porque é que achou que não ia ficar?
É mesmo uma questão de 'feeling', quando um casting corre demasiado bem, eu saio de lá: 'hum... isto não é bom sinal'. Isto acontece muito mesmo. Não estava a sentir, não sei explicar.
Não estava à espera de que um jovem ator, com a pouca visibilidade que eu tinha, com o pouco trabalho de câmara, tivesse a possibilidade de ter esta personagem.
Como foi esse dia em que soube que tinha sido escolhido?
Foi incrível. Na verdade nem fiquei muito feliz na altura porque nem tinha percebido bem o que era aquilo. Tenho muito os pés na terra e quando a notícia é demasiado boa, que é o caso, fico sempre meio incrédulo.
Já sabe o que vai acontecer na segunda temporada?
Não... Esta questão da segunda temporada foi mesmo surpreendente para todos. De tal forma que ainda não temos os guiões. Estão a terminar a pré-produção, ainda estão a trabalhar nela.
Nós, que fazíamos personagens de pescadores, fomos à pesca três ou quatro noites com os pescadores de lá. Fomos mesmo pescar...Foi fácil construir o Carlinhos?
Diria que não foi fácil, mas foi ágil. Fácil nunca é, porque depende da forma como tu queres, da profundidade que queres dar ao teu trabalho, aí é que está a dificuldade. Como o nosso grupo de atores quis mergulhar na profundidade, foi difícil.
E foi ágil porque a produção disponibilizou-nos uma série de ferramentas que nos ajudaram. Tivemos semanas de ensaios com as personagens, a explorar muito as cenas, a vida destas personagens fora daquilo que já está escrito. Fizemos, por exemplo, uma improvisação de como eram as personagens com 6/7 anos de idade, e isto vai-nos criando memórias, ideias, soluções. Tudo isto tem uma razão dramatúrgica que foi encontrada pela equipa e faz com que trabalhemos na profundidade.
À parte disso, tivemos também a possibilidade de fazer um 'bootcamp' nos Açores durante uma semana e meia. Estivemos a viver, a trabalhar e a ler os guiões juntos. Nós, que fazíamos personagens de pescadores, fomos à pesca três ou quatro noites com os pescadores de lá. Fomos mesmo pescar...
Como foi essa experiência?
No primeiro dia saí do barco com as minhas mãos cheias de calos e a doer. Percebi logo que a minha personagem - enquanto tivesse uma corporalidade e fisicalidade muito próprias - as mãos dele, se calhar, estariam um bocado distorcidas do corpo, porque eram mãos de pescador.
Portanto, a forma como eu pego nas coisas, como eu pego na corda do barco, como eu dou uma festinha a alguém é diferente, as minhas mãos estão muito mais carregadas, sujas, magoadas. Tudo isto acaba por nos fazer mergulhar na personagem e na interpretação de uma forma ainda maior.
Assusta-me ver que num dia em que houve um espetáculo nosso que esteve em digressão pela Europa, que ganhou prémios, aquilo que ganha em audiências na nossa televisão é um 'Big Brother' ou uma 'Casa dos Segredos'. Isso assusta-me um bocadinhoVoltando à questão da representação. Há sempre um lado menos bom naquilo que amamos. Já conseguiu perceber qual é nesta área?
Há uma questão, que não é que eu não goste, mas que me preocupa: o público.
O teatro em Portugal está muito centralizado nas grandes cidades e mesmo nas grandes cidades, onde temos os grandes teatros e as "grandes produções", faz com que haja uma expectativa de público, que depois às vezes não corresponde à realidade.
Às vezes vou ao teatro e não vejo as salas [tão cheias] como gostaria de ver, faço espetáculos em que vejo uma aflição por parte da equipa pelo facto de os bilhetes não estarem a ser vendidos. Assusta-me ver que num dia em que houve um espetáculo nosso que esteve em digressão pela Europa, que ganhou prémios, aquilo que ganha em audiências na nossa televisão é um 'Big Brother' ou uma 'Casa dos Segredos'. Isso assusta-me um bocadinho.
É uma coisa que me preocupa na profissão: não ter o público que precisamos, porque o público é necessário, não só para a nossa sobrevivência e para a sobrevivência das estruturas, mas sobretudo para uma consciencialização social daquilo que precisamos.
A arte tem este intuito: de mexer com as pessoas, de as fazer pensar, de as mover, de fazer com que elas pensem sobre os assuntos e que se manifestem. O 25 de Abril aconteceu por alguma razão.
Também há, obviamente, a falta de apoio do Estado à Cultura, isso sim, é o mais grave, mais do que tudo o que disse agora.
No meu tempo, eu obrigava a minha mãe a trazer-me para casa às 18h00 para ver 'Morangos com Açúcar'. É que nem havia discussão! Se eu perdesse aquele episódio era horrível. Isso hoje já não existe
Acha que se está a verificar uma mudança gradual com os hábitos de consumo das novas gerações?
Ainda falta [uma evolução], mas acho que está, de facto, a haver uma mudança. Ainda bem que há as novas plataformas. Há malta jovem a tentar fazer minisséries nos reels do Instagram, TikTok, tudo isso é importante.
No meu tempo, eu obrigava a minha mãe a trazer-me para casa às 18h00 para ver 'Morangos com Açúcar'. É que nem havia discussão! Se eu perdesse aquele episódio era horrível. Isso hoje já não existe.
Havendo mais oferta, há mais oportunidades para os artistas, para os técnicos, produtores, etc.
Sendo um ator que se formou, chateia-o ver oportunidades que são dadas a pessoas sem formação na área da representação?
Todo o profissional deve entregar-se àquilo que se propõe. Não estaria a ser correto se dissesse que deveria haver igual oportunidade para atores e não atores para fazer uma série/filme. Não, porque também não quero que o meu filho seja operado por um carpinteiro, naturalmente.
A motivação tem de partir de nós. A culpa nunca é de quem é escolhido, obviamente. Quem tem culpa é quem escolhe e isso é que é preocupante. Sou o André, tenho uma companhia de teatro ou um canal de televisão, quero fazer um programa que as pessoas vejam, acho que vou escolher os melhores profissionais que eu puder em cada área. Agora, há figuras com mais mediatismo e que movem as multidões e isso também é interessante.
Se pudessem ser sempre pessoas com formação, era o ideal. Não digo isto a apontar o dedo. Se me pusessem numa competição de ténis ia 'ficar aos papéis', porque não faço a menor ideia, claro que ir-me-ia entregar com tudo o que tenho, mas sentir-me-ia desconfortável, é normal.
Penso que se quiserem estar realmente na área artística acho que devem procurar ser os melhores dentro das suas possibilidades.
A competição no mundo do teatro é bonita ou pode ser feia por vezes?
A verdade é que tenho sentido muito carinho dos meus colegas, mesmo. Se calhar porque escolhi bem os meus amigos. De facto há uma sensação muito genuína das pequenas conquistas. São pessoas que trabalham, que se esforçam, não tentam passar por cima de ninguém... Não é uma questão de inveja mais ou menos saudável, mas de nos estimularmos uns aos outros. É assim que crescemos.
Quando começou a ser reconhecido na rua, conseguia controlar bem o seu ego?
Mexeu ao contrário do que achava. Na verdade fico meio envergonhado, nem sei bem como reagir. Estou a aprender a gerir e a relacionar-me com esta nova questão na minha vida.
Para além do 'Aladino', há mais novidades a caminho?
Agora estou a fazer o 'Aladino', vêm aí novidades, mas hão de saber a seu tempo. Tenho também a 2.ª temporada de 'Rabo de Peixe'... Mas, neste momento, é o Aladino. Gostava muito que viessem ver, porque precisamos de público e de vender este espetáculo com valores e questões tão importantes nos tempos em que vivemos, que acho que é um desperdício não ver.
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