Isabel II é a primeira monarca britânica a celebrar o Jubileu de Platina...

É a primeira. Ela superou mesmo a longevidade da rainha Vitória.

Que é a sua trisavó...

Exatamente.

Este é um marco histórico que, dificilmente, se voltará a repetir na história das monarquias europeias...

Só o Luís XV é que ainda teve mais anos de reinado do que tem neste momento a Isabel II. É uma coisa única, não só pela longevidade, mas pela dinâmica e pela importância do reinado. Mais de 80% dos ingleses nunca conheceu outro Chefe de Estado nem outro rei. Foi sempre esta rainha. Os últimos três primeiros-ministros nasceram com ela já a reinar. A quantidade de primeiros-ministros e presidentes dos Estados Unidos da América que recebeu, tudo isso são números impressionantes e não têm nada a ver com o resto das outras monarquias, não é? É uma longevidade, dentro de uma lucidez e de uma dinâmica. Talvez a Lady Di numa certa altura, mas em conjunto de um percurso de vida, eu acho que mais nenhuma mulher foi tão fotografada como a rainha Isabel II.

E Isabel II não estava destinada a ser rainha....

Ela era filha de um filho segundo [George VI] e a qualquer altura bastava o tio David - que foi durante um ano o Eduardo VIII - casar e ter um filho para ela ficar logo postergada na linha dinástica. No fundo o pai de Isabel II era logo a seguir e foi exatamente com a abdicação do Eduardo VIII que ela acedeu ao trono. Há três momentos importantes que permitem isso: primeiro é a própria rainha Vitória, porque os Hannover, que tinham a coroa de Inglaterra, não tinham sucessões. Havia uma série deles que só tinham filhos bastardos que não podiam subir ao trono. Então, a uma certa altura, o pai da rainha Vitória [príncipe Eduardo, Duque de Kent e Strathearn] conseguiu casar-se com a viúva do príncipe de Leiningen [Princesa Victoria de Saxe-Coburgo-Saalfeld], que era uma Saxe-Coburgo, e então tiveram essa filha, a princesa Vitória. Quando o pai morreu, [a coroa] passou para um tio [William IV] e ela só herdou a coroa aos 18 anos quando o tio morreu. A rainha Vitória também é fundamental para a articulação da Casa de Hannover com a coroa inglesa. A seguir a isso também houve o problema do duque de Clarence que não chegou a casar, mas que teve uma paixão enorme pela irmã da nossa rainha Dona Amélia, uma princesa d'Orléans. Aliás, até há cartas escritas aqui de Lisboa, quando ela veio ver a irmã, para o duque de Clarence mas tinha uma coisa que a impedia [de casar], que era ser católica. Ele era acusado de ter uma vida muito desregrada e que possivelmente era bissexual. Após morrer de gripe espanhola foi o irmão que o sucedeu. Portanto se não tivesse morrido o duque de Clarence, a nossa rainha Isabel também nunca o seria e o último passo no caminho para o trono é a abdicação do tio David. Assim fica o pai monarca e ela, sendo a mais velha e que não estava predestinada, acabou no trono.

Dificilmente se repetirá termos alguém tão jovem no trono, tanto quanto era a rainha Vitória, que tinha 18 anos, e tanto como a rainha Isabel II, que tinha 25. Se olharmos para os sucessores de Sua Majestade isso é algo que dificilmente acontecerá...

É extraordinário como a história se repete até certo momento pois há aquela fotografia muito curiosa em que estão as quatro gerações da rainha Vitória: ela com o filho, com o neto e com o David no braço. São quatro gerações reinantes. É extraordinário e há pouco tempo vimos a rainha Isabel com o príncipe de Gales, com o duque de Cambridge e com o George, o futuro herdeiro. São quatro gerações, o século XXI está coberto. [risos] Não haverá por aí problemas, mas é raríssimo. São coisas que acontecem uma vez, neste caso duas, pela longevidade tanto da rainha Vitória como da própria soberana atual.

Aliás eles nunca viajam juntos até mesmo por causa disso...

Não devem. É uma regra nas famílias reais porque, como sabe, a tradição que existe é de haver the heir [o herdeiro] e the spare [o suplente]. Houve uma certa altura em que a rainha Isabel disse que já tinha cumprido a sua função e que, portanto, já tinha the heir, que era o príncipe Carlos, e the spare, que era a princesa Ana. No entanto, veio o príncipe André e depois o príncipe Eduardo mas com diferenças enormes para os irmãos. A dinastia tem que ter essas seguranças. O próprio Carlos teve dois: o Cambridge e o Sussex, mas os números dois são sempre um bocado difíceis de contentar porque a função deles é só substituir quando qualquer coisa correr mal. Veja por exemplo a princesa Margarida, a única irmã e adorada pela rainha. Teve uma vida muito infeliz porque, pela dificuldade de naquela altura as pessoas casarem com um divorciado, ela não pode casar com o captain Peter Townsend. Isso estava fora de questão e se ela quisesse ter casado com ele tinha que renunciar a todos os seus privilégios, o que também era muito brutal. E ela não fez isso. Anos mais tarde, encontrou o [Antony Armstrong Jones, Lord] Snowdon, um homem poliamoroso, que tinha imensas ligações, era bissexual e tudo aquilo era um bocado complicado. Teve dois filhos, mas também não foi feliz. Depois também veio a separar-se e a divorciar-se. Não havia um divórcio há muitos séculos na família real e foi esse divórcio que acabou por abrir os divórcios sucessivos da Lady Di, do príncipe André e da princesa Ana. A rainha, como chefe suprema da Igreja Anglicana, não podia admitir que isso acontecesse. Hoje em dia as coisas também se alteraram. Por um lado, é impressionante como há uma grande similitude entre a rainha Vitória e a Isabel II, por outro, é curioso como o príncipe Philip, que nunca foi príncipe-consorte e só foi feito príncipe da Grã-Bretanha depois da visita oficial que fez a Lisboa, tinha muitas similitudes e inspirou-se um bocado no príncipe Alberto de Saxe-Coburgo-Gota. Este era marido da rainha Vitória, primo do nosso rei D. Fernando II e sobrinho do rei Leopoldo da Bélgica, que era um homem de Estado que dava muitos conselhos à própria rainha Vitória. É uma época muito interessante na história da Europa.

Os números dois são sempre um bocado difíceis de contentar porque a função deles é só substituir quando qualquer coisa correr mal

Isabel II não estava destinada a ser rainha mas, pelas circunstâncias da vida, acabou por subir ao trono a 6 de fevereiro de 1952. Em 70 anos de reinado o que acha que mais a distingue enquanto soberana?

Ela é uma referência para todo o povo e para a Commonwealth, por quem tem um grande amor. Depois há uma coisa que a distingue do resto: é a única soberana que foi ungida. Quando foi coroada foi ungida com os santos óleos - como um bispo é ungido - e isso dá-lhe uma aproximação divina. Ou seja, por um lado os ungidos não querem dizer que sejam diretamente inspirados por Deus, mas é como se houvesse na tradição a ideia de que Deus os escolheu. É um resquício do direito divino dos reis e a partir daí têm carisma. Ao ser ungida, ela sente que tem um compromisso na sua função com Deus e, portanto, nunca irá abdicar.

O que o leva a dizer isso?

Por um lado, porque a abdicação do tio foi um traumatismo enorme para toda a Inglaterra. Foi uma crise constitucional sem antecedentes e o tio, aliás, nunca foi coroado porque tinha medo de estar a jurar e a fazer um certo número de promessas que sabia logo de antemão que, com a paixão que tinha pela Wallis [Simpson], nunca iria cumprir e preferiu sair antes da coroação. Isabel II é uma referência porque a partir do Carlos II - que quando voltou ao reino casou com a nossa Catarina de Bragança - há a predominância do Parlamento sobre o poder real. Para ele ir para o trono aceita que reina, mas não governa e é nos finais do século XVII que se dá a grande mudança: eles reinam, têm todos os privilégios, mas não governam porque há um governo eleito pelo Parlamento e isso mantém-se até agora. A Isabel II tem os seus limites constitucionais mas é extraordinária, dedica-se imenso e é uma referência para todo o povo. Hoje em dia os políticos são passageiros: estão por quatro anos, por seis anos, desaparecem e depois vêm outros. Ela não porque está au-dessus de toute soupçon [está acima de qualquer suspeita]. Flutua sob a vida política de um país, é uma referência, é um símbolo. Hoje em dia até já é um mito para muita gente e as pessoas reveem-se nela.

Ao ser ungida, ela sente que tem um compromisso na sua função com Deus e, portanto, nunca irá abdicar

Então acredita que o segredo do sucesso do seu reinado reside numa entrega e compromisso total para com a Coroa?

Sim. Com dois problemas só. Nestes 70 anos que eu possa ver, como simples curioso e interessado pelo tema, há dois momentos em que ela não se apercebeu da dor do seu povo. O primeiro foi aquele problema enorme dos mineiros.

De Aberfan....

Exatamente. Chama-se síndrome de Aberfan exatamente por isso, porque ela não se apercebeu do drama que as pessoas estavam todas a viver e só apareceu lá oito dias depois. O mesmo que aconteceu, anos mais tarde, com a morte da Diana. Estava em Balmoral e pensava, 'Mas agora o que é que nós vamos fazer a Londres?' e Londres estava na mais profunda dor. Os ingleses, que não são nada pessoas que mostram os seus sentimentos, estavam destruídos. Havia marés de flores e de mensagens, tudo aquilo era impressionante. Eles estavam longe e não percebiam. Isto tem de curioso também duas coisas: nesses dois momentos o Governo era trabalhista e foram os primeiros-ministros trabalhistas que insistiram com a rainha.

Creio que era o Tony Blair na altura...

Era ele na altura da Diana e no desastre de Aberfan era o Harold Wilson. Conclusão, foi alertada e emendou a mão a tempo. Da segunda vez foi muito resvés. Até porque eles e a própria rainha-mãe não queriam sair [de Balmoral] e sequer fazer um funeral de Estado. A rainha saiu-se muito bem ao fazer aquela declaração com a janela aberta sobre [o Palácio de] Buckingham, em que se viam os milhares de pessoas, e às tantas meteu uma frase, que não foi dela mas que saiu muito bem porque foi sugerida pelo assessor de imprensa do Tony Blair, em que diz 'como rainha e como avó'. O assessor colocou a palavra grandmother que fez a diferença, porque em Inglaterra tudo é pensado e medido.

[Em 70 anos de reinado] Há dois momentos em que ela não se apercebeu da dor do seu povo

Nós sabemos que Sua Majestade não pode mostrar os sentimentos, mas no fundo isso foi uma forma de se aproximar dos seus súbditos naquele momento de dor...

Eles são treinados para isso mas escondem muitos os sentimentos. Eu lembro-me de uma coisa inédita: quando morreu o Conde de Barcelona estava o rei Juan Carlos I e a rainha Sofía e, normalmente, não mostrariam em público aquele sentimento, mas ela chorava compulsivamente e abraçou-se ao marido que também chorava. No fundo é aquele problema do pai que ele teve que trair para aceitar o trono do Franco. Mas essa é outra história. C'est autre chose [É outra coisa] [risos] Isabel II não avaliou [a situação], mas com esse discurso ainda conseguiu sair a tempo. Quem ficou sem enterro foi a pobre rainha-mãe porque não estavam preparados. O príncipe Carlos é que insistiu que ia buscar o cadáver da princesa Diana e arranjaram maneira para, em Paris, não se encontrarem, porque a história do Al-Fayed era muito incómoda. A rainha-mãe já tinha o seu funeral todo previsto e tiveram que tirar aos bocados as várias cerimónias, os militares e os cavalos que estavam previstos. Ela até dizia, ‘Mas como é que lhe fazem um funeral destes? Ela nem foi rainha'. Viu despedaçar o seu projeto todo, coitadinha, mas lá esteve. A rainha também fez uma coisa inédita: quando passou o funeral baixou a cabeça. Os miúdos foram a pé. O William não queria ir, mas foi o avô - e é nisso que ele via o avô como um herói - que disse 'não, não'.

O seu reinado ficou marcado por diversos momentos inesquecíveis, sendo precisamente um deles a transmissão televisiva da coroação que foi algo inédito para a época…

Sim e quem insistiu muito, porque tinha a mania das modernices, era o príncipe Philip. O Churchill não queria porque nunca tinham entrado câmaras no meio de Westminster e era uma devassa. Tinham saído da Segunda Guerra Mundial, estavam muito mal de dinheiro, o país estava destruído, portanto Isabel II fez um casamento mais modesto. Para a sua coroação exigiu uma série de coisas, mas foi tudo feito com os tecidos e materiais ingleses, sendo uma maneira de promover e dar uma injeção de capital nas fábricas. A única coisa que não tinham, mas que veiram do Canadá, eram os arminhos para porem nos Duques e nas Princesas. A rainha mandou estofar as cadeiras todas, mandou fazer limpezas grandes. Foi muito bem conseguido e a coreografia foi muito bem executada. Foram ver como é que tinha sido a coroação do pai, que ela se lembrava de pequena, e seguiram aquilo à regra. Foi grandioso, subiu imenso a quota da monarquia nessa altura e foi aclamada. Nas memórias de Lady Pamela Mountbatten, filha do Mountbatten, ela conta que estava com Isabel no Quénia...

[O momento da coroação] Foi grandioso, subiu imenso a quota da monarquia nessa altura e foi aclamada

Quando soube que o pai morreu...

Ela passou pelo Quénia na viagem que tinha de fazer, e que interrompeu porque o pai morreu, para receber um presente de casamento: o governo queniano tinha-lhe dado uma casa [o Sagana State Lodge]. Eles estavam num hotel especial [o Treetops Hotel], construído em cima de uma figueira gigante ao pé de um sítio onde os animais iam beber água, e aquilo tinha umas escadarias para poderem subir para lá. Dizem os biógrafos de Isabel II que ela subiu princesa e quando desceu, já vinha rainha. Não há interrupção na sucessão dinástica real. Não há saltos. É sempre o que vem a seguir, e o que vinha a seguir era ela. A coroação é só a consolidação da situação do monarca. O Eduardo VIII foi logo rei, só que não quis ser coroado e abdicou antes porque não queria perjurar. Depois também há outra coisa: quando estava em Dartmouth [College] houve uma epidemia de papeira fortíssima e, em idades adultas, pode gerar uma orquite que pode dar impotência e, sobretudo, infertilidade. Para além disso, o Eduardo VIII era muito frágil. Chamavam-lhe o Peter Pan porque parecia sempre muito novo e não aparentava a idade que tinha. Alguns biógrafos dizem que ele teria a noção de que tinha ficado estéril e, portanto, não poderia ter sucessão e que isso foi uma das coisas que terá pesado na decisão de abdicar.

E como avalia a conduta de Sua Majestade na gestão das últimas crises reais que envolveram o seu neto Harry?

Há uma coisa que está primeiro do que tudo: que é salvar a instituição. A coroa é eterna, portanto o que se passa pelo meio tem que ser afastado, de uma maneira mais ou menos dura, para que a Instituição sobreviva. Se há neto de que ela gosta é do Harry e fez de tudo: teve imensa paciência para a Meghan, mas ela vem de outro meio e por mais que a gente não queira não é snobismo. Para começar já sendo americana é logo uma coisa tremenda porque não está dentro do espírito. Quem é fantástica é a própria Catherine, mas o William também pensou muito e ainda interromperam o compromisso porque queria ter a certeza de que ela era a mulher ideal. E parece que é. Até tem nome de rainha, o nome da nossa Catarina de Bragança. No outro dia a rainha Isabel II fez uma coisa extraordinária: quando foi aquela cerimónia do Cenotaph, o dia dos heróis em que põem sempre aquela papoila, ela teve aquele problema nas costas e não conseguiu ir. Quem é que a estava a representar? Era a Kate. No fundo os pais dela são um casal da burguesia: têm umas origens simples e modestas, fizeram bom dinheiro, mas é uma boa mélange [mistura] e tem o perfil ideal. Têm três filhos lindos e está assegurada a descendência. Por isso é que a avó não quer que andem de helicóptero todos juntos. Até para as mentes mais maldosas, se acontecia alguma coisa era o Harry e a Meghan logo a seguir. Isso seria um harakiri horrível. [risos]

E em relação ao seu terceiro filho, o príncipe André, que se viu envolvido num escândalo de pedofilia? Entretanto a rainha já lhe tirou os títulos...

Os títulos sim, mas as condecorações não porque foram ganhas em batalha. Ele ainda é duque, não pode é ser Alteza Real e vai a tribunal como um simples cidadão britânico. O André é o filho preferido, sempre foi, e foi o primeiro a quem ela começou a dedicar mais tempo porque os outros foram sempre tratados com as nannies [amas]. A rainha dizia à nanny 'Deixe-mo aqui' e ficava a brincar ao pé dela enquanto estava a ver as suas caixas vermelhas e os seus documentos. Se tudo isto não der em nada eu acho que, se esta rainha for viva, que repõe [os títulos] e que o compensa se isto ficar claro na Justiça. Eles não podem é, neste ínterim, estar-se a sujeitar a uma coisa que lhes vai salpicar e contaminar completamente o ano do Jubileu de Platina.

Há uma coisa que está primeiro do que tudo: que é salvar a instituição

Em 2019 Sua Majestade sofreu um golpe muito duro ao perder o marido, o príncipe Philip, com quem esteve casada durante 73 anos. Qual a importância de um bom casamento?

Se voltarmos atrás cem anos, era impossível as pessoas reais casarem-se fora do seu meio e do seu núcleo. Tinha que ser sempre dentro do Almanaque de Gota. No meu livro [As Famílias Reais dos Nossos Dias Tradição e Realidade] também conto o episódio da princesa Maria Antónia de Bragança, filha do rei D. Miguel I. 'As meninas o que é que estão a fazer?' 'Estamos a ver o Almanaque de Gota à procura de um noivo' 'Em que secção é que estão?' 'Na terceira.' 'Voltem já para a primeira'. A terceira não interessa nada porque já são famílias ducais, condais, de fidalgos ou aristocratas, mas não são de sangue real. Os ingleses casavam-se todos com príncipes alemães mas o George V transformou a [Casa de] Saxe-Coburgo-Gota na Casa de Windsor, porque os aviões que bombardeavam Londres eram os Gotas e eles não podiam ter o mesmo nome do rei. Ele fundou a casa de Windsor, que é de 1917, e disse 'A partir de agora as pessoas da minha casa podem-se casar com ingleses de gema. Não é preciso serem fidalgos'. Mas claro que procuravam sempre casar dentro do seu meio porque têm educações idênticas.

E em relação ao casamento da rainha Isabel com o Philip...

Foi ótimo porque por um lado foi um verdadeiro casamento de amor. Ele era descendente de uma casa real importante, príncipe da Grécia e da Dinamarca e Holstein-Sonderburg. Depois passou só a ser Mountbatten, que é o apelido da mãe, mas que em Inglaterra já estava anglicizado: chamavam-lhe Mountbatten porque eram Battenberg, que no fundo é a mesma família da rainha Vitória Eugénia de Espanha que casou com o Afonso XIII. Mas o Philip não tinha onde cair morto, coitadinho. Quando o pai [Prince André da Grécia e da Dinamarca] foi acusado de traição conseguiu-se que não fosse executado porque tinha quatro filhas [Cecilie, Margarita, Sophie e Teodora] e o Philip, pequenino, que nasceu em Corfu...

Supostamente veio na caixa de laranjas, é o que se diz...

Supostamente não, é mesmo verdade. Como a caixa de laranjas era a coisa mais pequena que tinham transformaram num berço e veio ali. Depois nunca teve dinheiro e a uma certa altura a mãe [Princesa Alice de Battenberg] desaparece da vida dele e fica muito sozinho. As irmãs apoiavam-no bastante, no entanto como três delas casaram com alemães nazis não foram ao casamento nem à Coroação. A mãe quando saiu do sanatório, fundou uma ordem ortodoxa baseada na Imperatriz da Rússia e ajudou muita gente, até os judeus a fugirem. Ela foi notável e está enterrada na Igreja de Santa Maria Madalena, em Jerusalém. Quando o príncipe Philip morreu quis que os seus três príncipes sobrinhos diretos - príncipe de Baden, príncipe Philipp de Hohenlohe-Langenburg e o landgrave of Hesse - viessem e conseguiram preencher as 30 pessoas que estavam no enterro dele. O casamento entre Isabel e Philip era o mais acertado possível. Eles tentaram que não fosse e puseram várias pegas, mas ela já estava comprometida com ele, que a pediu logo em casamento antes de falar com o rei.

Ele conseguiu encontrar o seu caminho certo que foi servir a rainha sempre. Estar ao lado dela em tudo

Que ousadia...

Foi um bocadinho fait accompli [missão cumprida]. O pai dele vivia com uma amante que era rica no Sul de França, em Cannes, e depois foi ela, a Countess Andrée de la Bigne, que devolveu as coisas ao príncipe Philip [quando o pai morreu]. Trouxe duas malas cheias de roupa antiga e um anel de ouro com as armas dele e umas pequenas lembranças. Quando o Philip foi ao casamento da princesa Marina de Kent tiveram que fazer uma coleta para ir comprar os botões de punho porque ele não tinha. Quando chovia não podia sair do colégio porque não tinha uma gabardine. Ele passou muito mal e teve uma infância muito infeliz nesse sentido. A princesa Alice estava sempre ausente portanto o Philip esteve muito sozinho e naquele colégio de Dartmouth, que era uma coisa duríssima e onde pôs os filhos todos. Ele achava que os homens não podiam ser frágeis, tinham que se fazer homens...

Mas vê-se que o Philip foi um grande exemplo de dedicação à rainha...

Foi o que ele conseguiu porque no fundo não existia constitucionalmente. Foi feito príncipe da Grã-Bretanha dois ou três dias depois de sair de Portugal porque lhe fez aquela cena em que esteve quatro meses fora. Eles vieram cá, e cá é que foi a grande reunião, mas depois ele conseguiu encontrar o seu caminho certo que foi servir a rainha sempre. Estar ao lado dela em tudo. Foi príncipe consorte sem o ser porque nunca teve a categoria de príncipe-consorte. Mas o Philip foi muito mal recebido. Aquela gente toda não gostava dele, pois achava que era meio nazi, que era um homem demasiadamente energético, não era british. Era um príncipe, mas com grandes raízes alemãs, muito voluntarioso e, quando era novo, era bonito e isso são coisas que criam inveja. Ela encapuchou-se e apaixonou-se pelo Philip e não teve dúvidas: sempre gostou dele.

Outro tema que tem gerado grande debate é sobre quem será o próximo rei de Inglaterra. Acha que a linha de sucessão vai seguir o seu caminho natural e que Carlos vai ser rei?

É o príncipe Carlos. [A linha de sucessão] Não pode quebrar. A sucessão é de pais para filhos. Não há saltos. Por isso é que a monarquia espanhola foi instaurada. Não foi a sucessão normal porque o Conde de Barcelona ficou de fora. Isto tem as suas regras, é uma cadeia e não se pode saltar os elos da cadeia, a não ser que morra alguém pelo meio. Se está vivo não se pode saltar.

Há quem diga que a abdicação em prol do William pode ser uma hipótese até porque ele é muito popular...

Acha que o Carlos vai abdicar por um filho por muito que o adore? É um harakiri, não faz sentido e ele será rei nem que seja por um dia. Nem que seja como a Duquesa de Bragança dizia 'Mais vale ser rainha por um dia do que duquesa toda a vida'. Eu não tenho dúvidas. Pode ser que me engane redondamente, pois não sou bruxo nem tenho todos os dados, mas há duas coisas em que eu não acredito: que a rainha abdique e que Carlos, ao ser feito rei, que abdique no filho. Ele há-de querer, no fundo, compensar a Camila deste tempo todo e fazê-la rainha. Desde os três anos que a mãe é a rainha, ele é o herdeiro aparente e agora vai-se embora? Não, francamente não vejo.

A sucessão é de pais para filhos. Não há saltos

Como disse muitos dos súbditos britânicos nunca conheceram outra rainha. Acredita que a coroação vai ser um momento de transição particularmente difícil para a sociedade e para o povo britânico?

Difícil não vai ser. O Carlos não tem é o carisma da mãe. Dizem que já está a preparar aquele óleo com que eles são ungidos, que está a fazer um óleo orgânico na Cornualha e que está a pensar em reduzir a família real. Ele tem planos tal como o Eduardo VII que só reinou dez anos e que, durante os anos de espera, foi pensando em imensas coisas. Todas essas cerimónias que nós vimos com imensas cores, tudo isso foi pensado por si. Ele foi a pessoa que mandou pôr um segundo trono [no Parlamento], que agora foi retirado quando morreu o Philip, para a rainha Alexandra da Dinamarca e que instituiu que a rainha deveria estar ali ao seu lado. Será traumatizante para as pessoas? Não. Eu estou convencido que pode haver algum frisson [incómodo] nesta história da Camila ser rainha ou não, mas em princípio eu acho que o Carlos vai querer compensá-la de tudo, no fundo foi a mulher que amou profundamente. Ela descende da Alice Keppel, aquela amante famosa do Eduardo VII, e acho que ela lhe disse isto 'Os nossos avós foram amantes'. [risos] É um historial comum seja para o bem seja para o mal.

E qual vai ser o maior desafio que o próximo rei vai enfrentar após a morte de Isabel II? Neste caso o Carlos?

A Camila vai ser um teste e o Carlos tem que fazer outra coisa: como rei não pode tomar posições.

A questão da neutralidade política, não é?

Sim, sim. Que a mãe fez primorosamente e que às vezes não se percebe. Aquela história que saiu no outro dia no artigo do Expresso em que o Tony Benn [Ministro dos Correios] dizia à rainha ' Vamos mudar os selos'. E ela disse 'Não tenho opinião sobre o assunto' [risos] E a rainha-mãe disse, 'Mas tu és a soberana. Tu tens que estar nos sítios' e o outro pensou 'Já ganhei, já ganhei'. Mas depois, quando foi da segunda vez à rainha a despacho, o primeiro-ministro Harold Wilson percebeu que o outro era um tonto. 'Deixa estar os selos como estão, não mexas nisso' disse o chefe de Governo ao seu Ministro das Comunicações. E Isabel II toma esse tipo de decisões. 'Não tenho opinião para falar sobre isso'. [risos] É toda uma vida travando esta dupla personificação, eu acho extraordinário.

E não é uma tarefa talhada para qualquer pessoa...

Não. Por isso é que quem vem de fora tropeça sempre. Estas Meghans da vida tropeçam sempre. Não dá.

E em relação aos desafios que o Carlos poderá enfrentar...

O que se passa é o seguinte: é que passou tanto tempo, são tantos anos, que o Carlos não é uma esperança de mudança. Não é aos 73 anos que ele vai galvanizar a juventude. A juventude olha é para a Catherine, para o William e para a família dele. As ideias realmente também já vêm do próprio duque de Edimburgo: sempre se preocupou com o meio ambiente, com a atmosfera e são temas no topo da agenda. Mas agora eles veem mais o William como essa hipótese de futuro, mas terão que esperar. De aspeto o Carlos está bem e de aparente saúde também, mas nunca se sabe.

Acha que estes últimos escândalos reais podem ser danosos para a monarquia enquanto instituição? Que a sua continuidade está em risco? Ou que isso não se põe em cima da mesa?

Eu diria que em cima da mesa põe-se sempre. O problema é este: eles são os primeiros. No fundo em que é que se baseiam? Não são eleitos, são impostos por sucessão genética. É de pais para filhos. Uma pessoa que é general não pode deixar o lugar de general, eu sou embaixador não posso deixar nenhum dos meus filhos ser embaixador. Então, de repente, há pessoas que podem deixar para os filhos aquilo que são durante a vida? Não, não pode ser. A não ser pelo respeito, pela identificação plurissecular de uma família com os destinos de um país, que são os que melhor interpretam porque estão treinados e preparados para isso. São diariamente escrutinados e têm que estar au-dessus de toute soupçon [acima de qualquer suspeita]. Não podem ter esse género de escândalos porque são uma referência e um exemplo. E se a rainha é essa referência, nós olhamos à volta e os filhos não são. Eu sei que a moral social evoluiu muito e que os ingleses sempre foram muito cínicos, o que é preciso são as aparências sobretudo. O príncipe de Gales dizia à Diana, 'Mas tu queres que eu seja o primeiro príncipe de Gales que não tem uma amante? Queres que eu seja o primeiro?' E realmente não estava na cabeça dele. O Carlos também foi muito desastrado porque enquanto ela confessava os pecados e as pessoas a absolviam, a ele não. Caiu-lhe tudo em cima. Ele não tinha o potencial que ela tinha...

Se a rainha é essa referência, nós olhamos à volta e os filhos não são

Apesar de tudo era uma figura muito likeable...

Pois era. Quando era chefe do Protocolo [do Estado] organizei a vinda do Carlos cá a Portugal e já o tinha visto uma ou duas vezes antes. Estive ali quatro dias intensamente com os dois - com ele e com a duquesa da Cornualha - e ele é um homem interessantíssimo: sabe de Filosofia, de religiões orientais, adora arquitetura, é um homem que pinta...  Tenho ali um livro de aguarelas que me deram dele giríssimo. Adora filosofia, gosta imenso de música, adora ópera e ela não. Eu não digo que a Diana fosse só 'Sex, Drugs and Rock’n’roll,' mas era 'Shopping, Sex and Rock'n'roll'. Ai isso era.

Mas ela tinha aquela parte aristocrática...

Pois, mas as meninas aristocráticas eram os Sloane Rangers que se vestiam de uma certa maneira, eram tribos urbanas mas depois não tinham nenhuma consistência intelectual. Ela não tinha e também teve o traumatismo de ser filha de pais separados e sofreu muito com isso. E havia outra coisa: ele tinha que casar porque tinha que cumprir a sua obrigação, que era procriar e assegurar a dinastia com um herdeiro e com um suplente. E fez isso. Foi escolher uma menina sem passado, mas que arranjou um presente e um futuro agitadíssimos. A Diana vinha daquele meio aristocrático, mas ele tinha mais 12 anos que ela e não tinham nada em comum. Ela gostava de ler os romances da Barbara Cartland e ele lia livros de filosofia. Há coisas que não dão. Ela era virgem, bonita e de boas famílias, mas mais nada. Isso não é a base. Para além disso viram-se muito poucas vezes e ela verbalizava coisas que as pessoas, em princípio, não podem dizer. 'Ai ele não faz amor comigo nunca' dizia à Isabel II [risos] Já viu o que a rainha teve que aguentar? Ela deu cabo daquilo tudo. Houve uma certa altura que a rainha teve que escrever uma carta a cada um a dizer 'Vocês divorciem-se' depois daquele enxovalho mediático na BBC no Panorama.

A célebre entrevista com o [jornalista] Martin Bashir...

Exatamente, que foi falsa. Agora os filhos dizem 'Que horror, aquilo foi péssimo.' A BBC pediu muitas desculpas, mas é tudo póstumo e já não faz sentido nenhum. Mas ela usou e abusou dessa arma.

Para além de ter organizado a visita de Estado do príncipe Carlos e de Camila a Portugal, também sei que teve a oportunidade de contactar com a rainha e que veio a conhecê-la pessoalmente. Como é que recorda essa experiência?

São sempre momentos muito fugazes, nada é muito consistente... Com o príncipe Carlos foi mais íntimo porque foram vários dias e estive com eles sempre: vim com ele sozinho de helicóptero de Évora para Cascais. Depois ela estava noutro programa e levei-o para o Clube Naval. No fim ele e ela receberam-me em audiência, ofereceram-me uma fotografia autografada e agradeceram tudo, muito simpáticos e encantadores. Foi uma experiência muito interessante. Também estive com a princesa Ana, que foi das primeiras coisas que fiz quando era Miss Mark Phillips. Para mim, que sou monárquico - e que tenho pena de não termos o regime monárquico cá porque cento e poucos anos de República mataram oito séculos de monarquia - por mais simples que sejam, o que as pessoas reais dizem são uma coisa que nos toca. É um momento de intimidade que para eles é normalíssimo, porque estão com milhares de pessoas durante a sua vida, mas têm sempre uma atenção, sabe? As pessoas reais têm uma pura educação.

E como é que isso se nota?

Por um lado, há aquela tradição de 'Este embaixador é o representante do meu primo fulano, portanto deixa-mo receber bem'. O corpo diplomático das coroas faz parte da corte, no sentido em que somos sempre recebidos nos casamentos, nos batizados, etc. A função de embaixador em cortes tem sempre esse privilégio, de estar perto das pessoas reais. Mesmo que dissessem uma barbaridade para mim eram momentos únicos, percebe? Como nós não podemos tomar a iniciativa, só respondemos quando as pessoas reais nos perguntam e também não lhes podemos tocar, que é outra coisa que as pessoas não têm noção. É sempre muito interessante porque eles têm um grande à vontade, estão bem preparados e também tenho boas recordações da rainha. Foram coisas fugazes, só de cumprimentar e trocar algumas palavras... Por exemplo quando me despedi do último soberano onde estive acreditado, o príncipe Guilherme Alexandre [da Holanda], foi uma meia hora fantástica: rimos e falamos de imensas coisas. Eles conseguem dar uma naturalidade e uma proximidade que são falsas. Nós não podemos levar aquilo a sério. Há pessoas que dizem 'Eu sou muito amigo do rei.'  É mentira, os reis não são amigos das pessoas.

Pois nós no fundo nunca conhecemos essas pessoas verdadeiramente...

Eles estão sempre em representação, até connosco, estão é mais próximos durante aquele momento. Há assim um KODAK moment. Além de ficar com a foto, foram encantadores, falamos de pessoas comuns, falamos de primos deles que eu conhecia e quando vieram cá eu tenho uma fotografia, que está no meu livro, em que eu estou a falar em espanhol com a rainha Máxima e o Presidente Marcelo está a olhar 'Porque é que este está a falar espanhol?' [risos] Porque era como eu sempre lhes falava, em espanhol. Tive a vantagem de lá ter estado quatro anos e meio quando eram príncipes e fui à entronização dele, ela só jurou. Foi uma cerimónia linda, gostei muito. Nessa cerimónia também estava o príncipe das Astúrias, que depois fui cumprimentar e que conhecia bem dos meus cinco anos e meio de Madrid. Mesmo que não se lembrasse de mim, eles fazem como se nos conhecessem toda a vida porque têm essa educação requintadíssima de tornarem o interlocutor interessante. Isso é uma forma de sedução muito interessante. Eu tenho esse culto das pessoas reais porque lhes reconheço todo o mérito e, sobretudo, aquilo que eles personificam em si: que são anos e anos de cromossomas, de experiências e que são o símbolo do seu próprio país. Eu vejo-os assim. E, claro, são humanos como todos nós.

Eles conseguem dar uma naturalidade e uma proximidade que são falsas. [...] Os reis não são amigos das pessoas

A própria maneira como eles falam consigo e com as outras pessoas faz parte daquela magia que envolve as famílias reais...

A magia e o mistério. Há um certo mistério e há magia em imaginar a Isabel II, com a Coroa Imperial, os brilhantes, as tiaras e depois estar-nos a perguntar se gostámos disto, daquilo, de aqueloutro ou 'Como é que têm passado?'. É extraordinário. Só vivi em monarquias e como fui chefe do Protocolo mais três anos e meio, todas essas pessoas reais voltaram cá e ainda se lembravam do Zé Bouza ou dos bigodes. Há assim uma série de coisas que se repetem na nossa vida. As pessoas podem dizer 'mas que snobeira,' mas não é nada e não vou esconder: adorei e é uma parte da minha vida que ficará sempre muito querida no meu coração. Foram experiências muito interessantes.

Esta entrevista foi publicada originalmente a 6 de fevereio de 2022.